Tariq Ali, ensaísta paquistanês de larga penetração na chamada nova esquerda, publicou no domingo, na Folha, um artigo exemplar. Nele ficam expostos a rede de contradições e o beco sem saída em que se meteu essa linhagem do progressismo internacional.
O início do texto recorre ao protocolo que já se tornou um clássico da desfaçatez ideológica: escolha palavras ruidosas, como “terrível”, “veemente” e “atrocidade”, para expressar alguma solidariedade e simpatia humanista na direção das vítimas de atentados terroristas, como o que massacrou 17 pessoas em Paris.
A cortina de fumaça mal encobre a verdadeira intenção desse gênero de discurso, que é a de culpar as vítimas, seus governantes, sua cultura e o próprio capitalismo pelos banhos de sangue periódicos perpetrados por fanáticos do islamismo.
O leitor de Tariq Ali talvez fique com pena dos irmãos que fuzilaram uma redação de humoristas indefesos, alguns idosos.
MACONHEIROS CABELUDOS
Ele escreve que os Kouachi eram apenas “maconheiros cabeludos” que foram buscar “conforto na mesquita” depois de assistirem a imagens de torturas de muçulmanos na invasão americana do Iraque.
Os homicidas, na versão de Tariq Ali, sentiam-se perseguidos, e o semanário “Charlie Hebdo” “representava seus perseguidores”. O autor não diz, nem precisa, mas a conclusão é a de que esses desenhistas grisalhos, e a sociedade que permitiu as “blasfêmias ao profeta”, tiveram o que mereceram. Colheram o que plantaram. Que bela salada tem servido a legião de propagandistas ilustrada por Tariq Ali.
O indivíduo responsável por seus atos só existe de um lado da equação, o das vítimas. Os assassinos são autômatos sem vontade própria, zumbis aprisionados num maquinismo cego que é manipulado no final das contas, veja só, pelas forças entrópicas do capitalismo ocidental.
E viva a liberdade de expressão.
15 de janeiro de 2015
Vinicius Mota
Folha
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