(O Globo) Ao desejar feliz ano novo a seus eleitores em vídeo divulgado em seus canais de divulgação no último dia de 2014, o senador e candidato derrotado à Presidência Aécio Neves (PSDB) repetiu a mesma frase do discurso da vitória da eleição de seu avô Tancredo no Colégio Eleitoral, que hoje completa exatamente 30 anos: "Não vamos nos dispersar".
A frase de Tancredo era um chamado à população para que continuasse reunida "nas praças públicas" e "com a mesma emoção, a mesma dignidade e a mesma decisão" que levou à escolha naquele 15 de janeiro do ex-governador de Minas Gerais como primeiro presidente civil, depois de 21 anos de uma ditadura que executou quatro centenas de opositores.
A frase de Aécio é um chamado aos 51 milhões de eleitores que no ano passado deram ao tucano votos de confiança, insuficientes para impedir a reeleição de Dilma Rousseff, naquela que ficou marcada como a mais apertada disputa da história política brasileira.
A frustração com a derrota no Congresso, em 1984, da emenda que previa eleição direta para presidente foi compensada, no ano seguinte, pela eleição de Tancredo - um dos entusiastas da campanha pela volta de um presidente civil ao poder. Entretanto, o mineiro morreu antes da posse e o cargo foi passado ao vice na chapa, José Sarney.
NOITE DE VÉSPERA INTERMINÁVEL
Na condição de secretário particular do avô, Aécio presenciou praticamente toda a articulação realizada antes das eleições junto a aliados e também a militares, naquela que o mineiro considera "a mais bem elaborada construção política que o Brasil viveu em sua história contemporânea", sacramentada em 15 de janeiro de 85.
- Era uma construção que começava por um líder de oposição que tinha uma parcela, no início, não disposta a ir para o Colégio Eleitoral, posição que depois ficou isolada apenas no PT. Ao mesmo tempo, havia uma administração para que setores ainda inconformados das Forças Armadas não tivessem chance de se rebelar - conta Aécio, que ainda tem na memória a noite insone anterior à eleição, lembrando-se até do gesto de retirar os óculos do rosto do avô quando ele adormeceu, ainda que por pouco tempo, lendo jornais na cama de seu apartamento, em Brasília.
Para ex-presidentes militares, Tancredo era o líder da oposição com quem era possível dialogar."Tancredo não hostilizava", diria Ernesto Geisel (1907-1996) em entrevista ao projeto "Memória viva do regime militar", do economista e ex-colaborador de Tancredo, Ronaldo Costa Couto. "Era um bom relacionamento", repetiria o general Figueiredo, no mesmo livro.
Segundo Aécio, a opção do avô por fazer uma transição "sem revanchismo ou retaliações" era uma forma de fazê-la "sem traumas maiores do que aqueles já havidos durante os 21 anos do regime". - Ele sabia que setores importantes das Forças Armadas compreendiam que o ciclo militar estava no final. Ao mesmo tempo, havia setores mais radicais, que esperavam um motivo qualquer para retroceder. Era um olho no gato e outro na frigideira - conta o tucano, lembrando que o avô ficou atento, "até o final, às movimentações mais extremadas do Exército".
AVENTURA, NÃO
Aécio admite que, para Tancredo, essa era uma eleição com resultado previsível e favorável, na medida em que ele havia tomado a decisão de ir ao Colégio Eleitoral apenas quando percebeu que as "condições mínimas de vitória estavam construídas e viabilizadas": - Ele tinha uma frase onde dizia: para correr risco, contem comigo, isso é inerente à nossa atividade. Agora, aventura, não.
Se Tancredo evitou o revanchismo para viabilizar a transição democrática, o que diria Aécio sobre o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado em dezembro? - Era um direito dos brasileiros conhecer a sua história, e das famílias e amigos daqueles que desapareceram. Isso é legítimo. Independentemente das questões de governo específicas que nos envolvem, do ponto de vista institucional, os avanços foram muito consistentes de 85 até aqui - afirma.
O tucano pede, no entanto, que o apoio ao relatório não seja confundido com o tratamento dado no texto à autoanistia promovida pelo regime, citada ali como "ilegal diante da legislação internacional”, em especial por crimes cometidos contra a humanidade. - A Anistia foi um grande pacto, feito na sociedade brasileira em determinado tempo histórico, que se mostrou essencial para que tivéssemos avanços de lá até aqui. Não vejo a quem possa interessar hoje a sua revisão - diz.
MOVIMENTOS
Em entrevista para o livro de Costa Couto, doze anos depois da eleição do avô, Aécio analisou a estratégia de Tancredo. "Ele soube aguardar, esperar que as forças se movimentassem e se agrupassem em torno dele. Sabia exatamente o momento de avançar e o momento de recuar".
Para o Aécio de 2015, este é o momento de avançar ou recuar?, pergunta o GLOBO. - É o momento de persistir. Eu perco as eleições mas saio das urnas representando um movimento amplo da sociedade, indignado com tudo que está aí - responde o tucano, dando típicos sinais "tancredianos" - Levo para minha militância oposicionista o mesmo vigor e a mesma coragem que eu teria se tivesse sido eleito presidente. Meu papel é organizar e fortalecer as oposições, cobrar do governo os compromissos que assumiu na campanha, suas contradições - avança. - Mas (faço isso) sem pensar em eleições, por enquanto. Tenho os pés no chão. A oposição não pode ter uma cara, apenas, isso é um erro gravíssimo, a oposição tem que ser ampla - recua.
CONEXÃO
Aécio quer repetir o que fez Lula para encerrar oito anos de tucanos no poder. Ele aposta em seu vínculo "com setores expressivos da sociedade", que ele classifica “não como mais qualificado, porque todos são", mas "o mais antenado com o que está acontecendo com o Brasil". - No governo Fernando Henrique, sabíamos que tinha um Lula conectado, claro que com outros setores, mas numa conexão forte com movimentos da sociedade, com os quais ele militava. Nós sabíamos que era mais difícil enfrentar uma oposição que tinha uma conexão muito forte com esses setores - diz.
No livro de Costa Couto, o ex-governador da Bahia e ex-senador Antônio Carlos Magalhães analisou o catalizador do governo militar: "1964 foi um movimento contra a corrupção e em defesa da moralidade".
Em 1997, já de volta ao regime democrático, o general Figueiredo definiu o governo de FH: "Estamos na mesma situação de 1963. Os escândalos estão aí, piores ainda".
Em janeiro de 2015, na declaração de Aécio, a história é movimento de moinho: - Represento um movimento indignado com tudo que está aí. Indignado com a leniência com a corrupção, com a incompetência do governo. Cansado dessa forma atrasada de se fazer política.
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