O historiador Marco Antonio Villa torce, retorce e distorce a verdade no seu livro “Ditadura à brasileira”.
O que me deixa perplexo é esse senhor obter grande espaço na mídia corporativa, familiar e oligopolista para propagar suas sandices, tais como afirmar que não havia ditadura no Brasil entre 64 e 68 porque nessa época houve os festivais da canção, ou a encenação das peças Opinião e Roda Viva, cujos espetáculos eram interrompidos por agressões perpetradas contra os elencos pelo Comando de Caça aos Comunistas, que espancava os atores.
É necessário que outras opiniões sejam veiculadas na imprensa para que as mentiras de Villa não se disseminem e distorçam o conhecimento que as novas gerações estão travando com os fatos desse período. A versão falaciosa do farsante travestido de professor não pode prevalecer. É preciso se contrapor a esse impostor.
Suas premissas são as mais absurdas possíveis: não houve apoio dos Estados Unidos à ditadura militar brasileira, não houve articulação entre as ditaduras militares do Cone Sul (Brasil, Argentina, Paraguai, Chile e Uruguai), não houve tortura no Brasil nos governos Castelo Branco e Costa e Silva, houve democracia na época do General Figueiredo no poder, ocasião em que ocorreu o atentado terrorista de extrema direita no Riocentro, cuja elucidação foi irremediavelmente comprometida pelo inquérito fraudulento comandado pelo então coronel Job Lorena de Morais, entre outros postulados descabidos.
APOIO DOS EUA AO GOLPE
Vou procurar refutar cada um desses pontos:
1 – Não houve apoio dos Estados Unidos à ditadura militar brasileira: ora, qualquer pessoa bem informada sabe, depois da publicação (1977) do livro de Marcos Sá Corrêa sobre a Operação Brother Sam, que os EUA intervieram fortemente na conjuntura política e econômica brasileira promovendo a desestabilização do Governo Goulart, financiando Governadores da oposição, como Lacerda (Guanabara), Ademar de Barros (SP) e Magalhães Pinto (MG), financiando candidatos conservadores da direita nas eleições de outubro de 62 por meio do IPES e do IBAD, cuja atuação foi objeto de uma CPI relatada pelo então deputado federal Rubens Paiva (PTB-SP). Além disso, após a liberação de parte dos arquivos do Governo americano e da CIA relativos ao Governo Johnson, como foi documentado pelo filme “O dia que durou 21 anos”, de Camilo Tavares, filho de Flávio Tavares, os Estados Unidos interviriam militarmente no Brasil em caso de resistência das forças legalistas e constitucionais, chegando a ter enviado uma força tarefa da Marinha para o litoral de Santos com combustível e armamentos, para o caso da divisão do Brasil entre o Brasil do Norte (legalista) e o Brasil do Sul (golpista).
Sobre o assunto, vejam o que afirma Villa na página 55: “No conjunto dos acontecimentos a participação do governo americano foi desprezível, diversamente do que reza a lenda. Os atores políticos se moveram pela dinâmica interna e não como “marionetes do imperialismo””. É um comentário estapafúrdio, que não leva em conta a intensa guerra fria que ocorria na época entre EUA e a URSS,
NÃO HOUVE DITADURA ATÉ 68
2 – Considera que não houve ditadura no Brasil entre 1964 e 1968, época de inúmeras cassações de mandatos de políticos oposicionistas, prisões arbitrárias, supressão de liberdades públicas e franquias democráticas, enfraquecimento e violência institucional contra os demais Poderes da República, Legislativo e Judiciário, promovido pelos Atos Institucionais anteriores ao Ato 5. Rememoremos: O AI 1 cassou muitos políticos do PTB e de outras agremiações, tais como Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes, Doutel de Andrade, entre outros.
O AI 2 extinguiu os partidos políticos e impôs o bipartidarismo (ARENA e MDB), permitiu apenas a oposição consentida, porque a autêntica estava no exílio, principalmente no Uruguai e no Chile (antes do golpe de 73).
Além disso, o AI 2 tornou indiretas as eleições para Presidente da República. O AI 3 tornou indiretas as eleições para os Governadores dos Estados e estabeleceu que os prefeitos das capitais seriam nomeados pelos Governadores e excluía de apreciação judicial os atos praticados com fundamento no referido Ato institucional, o que significa que não se poderia contestar judicialmente a legalidade das decisões tomadas com base no espúrio AI 3.
E o AI 4 terminou de liquidar a Constituição democrática de 46 que já estava praticamente toda violada, e convocou extraordinariamente o Congresso para aprovar a “Constituição” de 67, projeto de Constituição apresentado ao Congresso pelo ditador Castello Branco. Realmente, não era uma ditadura: o povo estava impedido de eleger seus governantes nas três esferas da Federação, o Judiciário e o Legislativo estavam totalmente subjugados pelo Executivo hipertrofiado, e havia democracia porque houve os festivais da canção e o tropicalismo; ora é ridículo, é subestimar a inteligência dos brasileiros.
SÓ PORQUE HOUVE ELEIÇÕES…
3 – Não havia ditadura no Brasil em 65 porque houve eleições na Guanabara e em Minas Gerais e os candidatos da oposição venceram, mas em compensação JK estava cassado desde junho de 64 e, após as eleições, para contentar a linha dura partidária de Costa e Silva, Castello Branco outorgou o AI 2 extinguindo os partidos políticos da democracia populista (PSD, PTB e UDN) e impôs o ilegítimo bipartidarismo (ARENA e MDB), conforme mencionado no item anterior. Isso sem falar na cassação arbitrária de Hélio Fernandes em novembro de 66 às vésperas do pleito no qual seria eleito deputado federal com votação recorde na Guanabara.
4 – Não havia ditadura no Brasil em junho de 68 porque ocorreu a passeata dos 100 mil. Ora este argumento é insuficiente, na medida em que estava em curso um processo de fechamento e endurecimento do regime, conforme atestam os itens 2 e 3 acima.
Havia ditadura sim, mas não tão opressora quanto a que se seguiu ao AI 5, mas havia ditadura sim, que Élio Gaspari alcunhou de “envergonhada”.
TORTURA AOS PRESOS
5 – Havia tortura a presos políticos no Brasil sim, antes do Governo Médici. O famoso livro de Márcio Moreira Alves, “Torturas e Torturados”, contendo as reportagens do então jornalista do Correio da Manhã denunciando a tortura principalmente no Nordeste, especialmente em Pernambuco, comprova isto. Além disso, em função da repercussão das reportagens, Castello Branco enviou Geisel, seu então chefe da Casa Militar, numa missão ao Nordeste, ocasião em que atestou a veracidade das denúncias de Moreira Alves.
6 – Inexistência de articulação entre as ditaduras militares do Cone Sul: outra mentira, tendo em vista que a operação Condor foi uma realidade fartamente documentada na literatura séria sobre o tema.
7 – Erros cometidos pelo autor: a) Na página 63 afirma que a inflação de 1964 foi de 89,5%; na página 289 diz que foi de 92,1%; b) Na página 189 diz que Stuart Angel foi assassinado em junho de 1971, mas o mês correto é maio de 1971; c) Na página 209 diz que a Copa do Mundo de 86 foi na Inglaterra, quando na verdade foi a Copa de 66; d) Na página 305 diz que o comício das Diretas no Rio em abril de 84 foi na Cinelândia, quando na verdade foi na Candelária.
Outra coisa: o site da Tribuna poderia deixar de anunciar a venda desse livro “Ditadura à brasileira” devido a todas as inverdades e falácias que ele contém.
26 de janeiro de 2015
Carlos Frederico Alverga
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