O chocante atentado em Paris contra uma revista de humor ultrapassa as fronteiras da França e da Europa. É a versão terrorista e sanguinária de uma praga que se espalha por todo o planeta: a caçada à liberdade de expressão fantasiada de revolução anticapitalista.
Por incrível que pareça, o Estado Islâmico, com seu método de tentar calar os oponentes cortando-lhes a cabeça, tem discretos simpatizantes entre “progressistas” do Ocidente – esses zumbis da esquerda que continuam se sentindo nobres e humanitários por detestar os Estados Unidos. No Brasil, o último grande movimento de massas gerou um único e bizarro fruto concreto: uma escória de depredadores boçais que conseguiram até o apoio de sindicatos de professores. Todos supostamente unidos contra o poderio da elite branca – e todos, na verdade, tentando a vida fácil de camelôs da bondade. A revolucionária e destemida Mídia Ninja terminou contratada pela campanha presidencial de Dilma Rousseff.
Chegou-se a ver uma certa esquerda culta fazendo uma defesa envergonhada e meio dissimulada da violência. A palavra “vandalismo”, usada com propriedade para classificar as ações patológicas dos black blocs, acabou virando bordão debochado entre essas tribos antenadas. “Vandalismo” seria um tratamento conservador e reacionário por parte da mídia burguesa, para estigmatizar protestos legítimos e heroicos. Estudantes e intelectuais chegaram a portar broches com a inscrição “vândalo” – para tentar ironizar os críticos do quebra-quebra. Se esse ponto de vista ignorante, irresponsável e complacente com a violência chegou a proliferar entre gente esclarecida de grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, pode-se imaginar o potencial de sucesso que a propaganda da barbárie politicamente correta tem ao redor do mundo.
Falar em “barbárie politicamente correta” já seria em si uma estupidez – se esse fenômeno não pudesse ser, infelizmente, identificado a olho nu. Quando um cinegrafista da TV Bandeirantes foi morto no centro do Rio de Janeiro por um rojão dos “manifestantes”, uma numerosa turma “progressista” educada e bem alimentada passou a dizer que a mídia capitalista estava explorando um cadáver para coibir os protestos contra o sistema. Se a desonestidade intelectual chega a esse ponto, por que não dizer que a repercussão da morte dos chargistas franceses seja também uma tentativa de vitimizar o capitalismo?
Esse vale-tudo da propaganda ideológica quer fundar uma nova verdade na marra. Os impostores que estão governando o Brasil há 12 anos só não foram enxotados ainda porque montaram um conto de fadas eficiente (tosco, mas incrivelmente eficiente). Quase mensalmente o governo popular solta alguma historinha sobre a ditadura militar e suas vítimas. É uma tragédia real que foi devidamente mercantilizada pelo PT – como a vitamina ideal para seu figurino de vítima. Consegue assim o milagre de mandar e desmandar no país sem perder a aura de combatente contra os poderosos e arbitrários. O ápice do sucesso desse projeto de cinismo assumido foi o discurso de posse da presidente reeleita: com a expressão mais tranquila do mundo, Dilma Rousseff atacou a corrupção e defendeu a Petrobras.
Petrobras cuja CPI seu governo trabalhou para sepultar. Petrobras que foi arrombada por um escândalo gestado sob o governo do PT, com operadores desse roubo bilionário diretamente ligados ao Planalto e ao partido governante. A praga do envenenamento da verdade, que ameaça jornalistas e humoristas no Brasil e no mundo, é o grande trunfo desses projetos autoritários fantasiados de revolução social. Só uma verdade envenenada permite que Dilma faça um discurso defendendo a Petrobras, e o Brasil não perceba a zombaria.
26 de janeiro de 2015
Guilherme Fiuza, Jornalista, é autor do livro "Não é a Mamãe". Originalmente publicado na revista Época em 18 de janeiro de 2015.
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