01. Pesquisa feita pela FGV (com 7,1 mil pessoas, concluída em abril/14) para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela (Estadão 10/11/14) profunda desconfiança dos brasileiros nas instituições públicas: 81% acham que é “fácil” desobedecer as leis. A certeza da norma, do castigo e do direito encontra-se em profunda crise na sociedade brasileira.
Sem sair dessa crise não se pode traçar um futuro promissor para o Brasil (que constitui uma das democracias mais corruptas de toda América Latina). Se existe algo absolutamente inexorável em todas as nações prósperas do mundo, esse algo é o império da lei.
É impossível construir uma sociedade moderna e pujante sem que o império da lei (ou seja: lei, Constituição e tratados internacionais) esteja no eixo mesmo da convivência (que somente pode se tornar previsível em razão dessa conjunto normativo).
Toda sociedade (em todos os tempos) que não tem como culto primeiro um profundo respeito (por todos) pela legalidade (pela lei, pela constituição e pelos tratados) vive sob permanente caos e, em consequência disso, sempre ameaçada. Em toda América Latina, no entanto, não faz parte da nossa cultura o acendrado respeito pelas normas jurídicas.
02. A profunda decepção de Simon Bolívar com a ausência do império da lei no nosso continente levou-o a proclamar o seguinte (citado por Huntington, em A ordem política nas sociedades em mudança):
“[Na América Latina] os tratados são papéis[quem olha a jurisprudência do STF na questão da anistia sabe muito bem do que Bolívar falava; o STF ignorou completamente o direito internacional], as constituições não passam de livros [as violações dos direitos fundamentais rasgam impune e diariamente nossa constituição], as eleições são batalhas [não só políticas, sim, sobretudo, econômicas, levadas a cabo pelos financiadores das campanhas eleitorais, que dessa forma compram o mandato do político], a liberdade é anarquia [pelo menos assim veem alguns grupos nada comprometidos com a democracia] e a vida um tormento [essa é uma excelente síntese para exprimir os protestos de junho].
A única coisa que se pode fazer na América é emigrar [isso era mais confortável no tempo de Bolívar, quando não havia um planeta inteiramente contaminado pelas injustiças geradas pela globalização, que conseguiu agradar alguns e desagradar e desandar a vida de metade da população mundial].
03. Também para 81% dos pesquisados (pesquisa FGV citada) é nítida a percepção de que, sempre que possível, as pessoas escolhem “dar um jeitinho” no lugar de seguir as leis gerais (abstratas e impessoais). O famoso “jeitinho” alcança, como se vê, todas as classes sociais. Essa cultura se dissemina de pais para filhos e de casa em casa. Dizemos que educação se aprende na escola e, sobretudo, em casa.
O “jeitinho” em regra é inoculado no espírito da criança “a partir da sua casa”. Como nos comportamos diante de um “proibido estacionar”? “Proibido fumar”? Ou diante de uma fila?
Nos países mais organizados (Escandinavos, por exemplo, Alemanha, Coreia do Sul, Japão etc.) as regras ou são obedecidas (por todos) ou não existem.
No Brasil as regras gerais (frequentemente excessivas: somos um país de “bacharéis”) em lugar de serem cumpridas dão margem para a corrupção burocrática. Com isso não alcançamos nunca a certeza das normas (ou do castigo). A descrença nas instituições é generalizada.
04. A imagem da Justiça brasileira (32% de confiança) está arrasada. Sua morosidade enerva essa descrença. A confiança na polícia fica um ponto porcentual acima (33%). Apesar de baixos, esses índices já foram menores – 29% e 31% respectivamente – em pesquisa anterior (veja Estadão).
Para 57% da população “há poucos motivos para seguir as leis do Brasil”, segundo o levantamento da FGV.
Os moradores do Distrito Federal (os mais próximos do crime organizado formado pela troika maligna dos políticos, partidos e outros agentes públicos + agentes econômicos despudorados + agentes financeiros inescrupulosos, que se uniram numa parceria público/privada para a pilhagem do patrimônio do Estado – PPP-PPE) foram os que mais disseram acreditar (84%) na saída do “jeitinho” como regra nas relações.
05. Quanto maior o rendimento da pessoa, mais alta é a sensação de que as leis não são cumpridas.
De acordo com o estudo, 69% dos entrevistados que ganham até um salário mínimo concordaram que o “jeitinho” é a regra, porcentual que cresce para 86% na população que ganha mais de oito salários mínimos.
A impunidade (ausência da certeza do castigo) faz as pessoas desafiarem as leis. A precariedade da fiscalização é a fonte da impunidade. Vejamos o quadro publicado pelo Estadão: (aqui)
06. Uma outra pesquisa (da KPMG), no Brasil, com cerca de 500 graduados executivos de grandes empresas, veio comprovar o altíssimo nível de corrupção dentro delas: apenas 21% dos pesquisados afirmaram que sua empresa não participaria de um ato de corrupção.
De acordo com a pesquisa (divulgada em fevereiro de 2014), 62% dos empresários acreditam que sua empresa participa de corrupção e 17% não tinham certeza, ou seja, aproximadamente oito em cada dez empresas poderiam participar (ou estariam participando) de corrupção, como relatado no estudo.
Outro dado importante da pesquisa é que 33% dos entrevistados afirmaram que sua empresa participou de um ato de corrupção nos últimos 15 meses.
Quando questionados se as empresas concorrentes praticam atos de corrupção, 60% acreditam que isso acontece frequentemente, 25% que estes atos são raros, e apenas 5% afirmam que isto não ocorre. Os outros 10% não souberam responder.
07. A pesquisa deixou clara a necessidade de investimentos neste tipo de controle. Seguindo os resultados obtidos nos questionamentos sobre corrupção, 85% dos entrevistados também acreditam que a sua organização poderia ser objeto de fraude.
Além disso, 55% afirmam que sofreram fraude nos últimos 15 meses. Ainda de acordo com estudas da KPMG, as empresas privadas arcam com custos enormes em função de fraudes e corrupção As empresas em todo o mundo têm cerca 5% do seu faturamento perdido a cada ano em função de práticas fraudulentas ou irregulares.
O triângulo da fraude (conforme a KPMG) é formado por oportunidade, pressão e racionalização. No primeiro componente, a fraqueza nos controles internos abre caminho para o fraudador.
O segundo está ligado a pressão que o funcionário sofre para cometer a fraude, podendo essa pressão ser da empresa (metas muito ousadas), de amigos ou de familiares ou até de vícios como drogas ou jogos.
O último vértice do triângulo é a racionalização por parte do contraventor, de modo que o mesmo fique com a consciência tranquila.
17 de novembro de 2014
Luiz Flávio Gomes, jurista.
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