Não é mais apenas pela presidente Dilma o empenho de seu padrinho, Lula, na campanha nessa reta final, em que o ex-presidente foi além de todos os limites em seu discurso em Minas, repetição daquele feito no Pará, em que classificou o adversário de “bêbado”.
Além disso, Lula estabeleceu um vínculo entre essa versão e o comportamento de Aécio no debate do SBT, em que enfrentou a rival com a ênfase que seus antecessores de candidatura evitaram com o próprio Lula. E perderam.
Lula tenta estabelecer um cenário em que Aécio deve manter-se moderado nas respostas às mais baixas provocações redigidas pelo marqueteiro João Santana, usando o temor de sensibilizar o eleitorado feminino como constrangimento ao candidato.
ESCÂNDALO DA PETROBRAS
Tenta manter o candidato do PSDB na cordas. Essa, a tática. A motivação é o cenário da Petrobrás, em caso de derrota do PT, cujo desdobramento atingirá principalmente os oito anos de seu mandato, sem os recursos de defesa propiciados a quem está no poder.
Muito embora o escândalo da Petrobrás tenha vida própria após a delação premiada, já homologada pelo Supremo Tribunal Federal, Lula parece guiado pela convicção – ou esperança – de que estará mais protegido se o PT vencer a eleição presidencial.
O súbito transe protagonizado em Minas é um hiato nas relações estremecidas entre o criador e a criatura, uma pausa para a unidade estratégica ante o risco da derrota eleitoral. Lula preocupa-se com o conteúdo das investigações que atingem seu governo e tentará, em caso de vitória do PT, pôr rédeas no segundo mandato da sucessora, sem a tolerância que teve no primeiro.
Se Dilma perder a eleição, o ônus da derrota será inteiramente seu, mas se vencer, não terá a autonomia que idealiza em relação ao PT e ao seu padrinho político. Deverá, pela sua sobrevivência política, repetir com a Petrobrás o comportamento que teve durante o julgamento do mensalão, em que se manteve à distância.
MAIS GRAVE QUE O MENSALÃO
O cenário, porém, deverá ser bem mais grave do que o do mensalão. Há notícias de que a Receita Federal já trabalha em levantamentos de movimentação de recursos por parte dos envolvidos nos escândalos, operação que transcorre, como as demais da Justiça, fora do controle do governo.
A realidade é diferente do que Dilma Rousseff sugere ao eleitor em seus discursos, nos quais a iniciativa das investigações são do Executivo, assim como , por consequência, o controle sobre elas também.
Chama a atenção o tom acima, mesmo em se tratando de Lula, empregado nos discursos recentes do ex-presidente. Só faltou desafiar o candidato do PSDB para um duelo. A rigor, o fez, ao afirmar que Aécio só disse o que disse a Dilma por se tratar de uma mulher e que gostaria de vê-lo dizer o mesmo a um homem.
Bravatas à parte, o episódio mostra que algo mudou no empenho do ex-presidente pela sucessora, que não mencionou seu nome, uma vez sequer, no debate do SBT, quando o estresse entre ambos ainda se mantinha acima da disputa eleitoral.
“FALSA E INGRATA”
O ruído entre Lula e Dilma pôde ser medido por interlocutores de ambos, através de testemunhos da reação da esposa do ex-presidente, Marisa Letícia, que afirmam a versão de contrariedade da ex-primeira dama em relação à presidente. “Falsa e ingrata” teriam sido os mais benevolentes adjetivos empregados por Marisa para classificar Dilma, segundo matéria da jornalista Daniela Pinheiro na revista Piaui, que não mereceu qualquer desmentido.
Pior que as investigações, é o cenário de seu curso com o PT fora do poder – parece ser o raciocínio do ex-presidente. O fato é que a Petrobrás é pauta que envolve muito mais seu mandato presidencial que o da afilhada, o que parece influir emocionalmente no comportamento de Lula, ao ponto de levá-lo a desconsiderar seus hábitos de boêmio, no exercício da Presidência, relatados até por jornais estrangeiros.
Não é demais lembrar que Lula tentou expulsar do país o correspondente do The New York Times, Larry Rohter, que chegou a ter seu visto de permanência suspenso, por ter escrito uma matéria para seu jornal, contando que o álcool fazia parte da rotina presidencial.
22 de outubro de 2014
João Bosco Rabello
Estadão
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