Além de reflexos no Mercosul e em todo o continente, os previsíveis problemas do vizinho comprovam o equívoco que é a diplomacia companheira do lulopetismo
A crise argentina se aprofunda com o risco de mais um calote externo, depois que a Suprema Corte americana acolheu demanda de fundos especulativos, “abutres”, que não aceitaram os termos da última renegociação da dívida do país e agora desejam receber os créditos pelo valor integral. A dimensão potencial do problema é expressa por duas cifras: se outros credores, em condições idênticas, quiserem o mesmo, a Argentina terá de desembolsar US$ 15 bilhões no dia 30, cerca da metade dos US$ 28 bilhões das reservas do banco central.
Este cenário drástico para a fase final do segundo mandato de Cristina Kirchner — as eleições presidenciais serão no ano que vem — está previsto há algum tempo, pois a derrota argentina na Justiça americana era uma possibilidade concreta.
Esse desfecho começou a ser desenhado pela postura arrogante do marido de Cristina, Néstor Kirchner, quando era presidente, na imposição de condições draconianas na renegociação da dívida, tornada impagável no rompimento da política de câmbio fixo, em dezembro de 2001.
Mesmo que aquelas condições fossem inexoráveis, a postura política argentina revogou qualquer chance de entendimento. Tudo condimentado por um conhecido discurso nacional-populista, marca registrada do peronismo kirchnerista.
O aprofundamento da crise do país — sem divisas em nível tranquilizador, com inflação em 30% e economia em recessão — marca o esperado esgotamento de um modelo heterodoxo intervencionista, de que resultou a fuga dos investidores e a marginalização da Argentina no mundo.
Embora tudo muito previsível, a diplomacia companheira do lulopetismo, à qual se subordina o Itamaraty, levou a política de comércio externo brasileira a concentrar suas apostas em aliados ideológicos latino-americanos, como a Argentina e Venezuela, esta colocada para dentro do Mercosul numa manobra da Casa Rosada e do Planalto, de que foi vítima o Paraguai. E assim, o Mercosul tem hoje dentro dele duas bombas de demolição em contagem regressiva. As consequências já começaram a ser colhidas há algum tempo. Por ser mercado estratégico para as exportações brasileiras — hoje, o terceiro em importância, atrás de China e Estados Unidos —, a Argentina, com sua crise, tem agravado a tendência de déficits externos do Brasil.
O volume do comércio entre os dois países, no ano passado em US$ 36 bilhões, já encolheu 11% desde 2011. A indústria brasileira, sem competitividade para ocupar outros mercados, tinha a Argentina como cliente preferencial. Hoje, cada vez menos.
Além de todas as implicações para o Mercosul e todo o continente, a debacle argentina demonstra como é alto o preço que se paga quando se definem estratégias externas inspiradas em paixões ideológicas.
A crise argentina se aprofunda com o risco de mais um calote externo, depois que a Suprema Corte americana acolheu demanda de fundos especulativos, “abutres”, que não aceitaram os termos da última renegociação da dívida do país e agora desejam receber os créditos pelo valor integral. A dimensão potencial do problema é expressa por duas cifras: se outros credores, em condições idênticas, quiserem o mesmo, a Argentina terá de desembolsar US$ 15 bilhões no dia 30, cerca da metade dos US$ 28 bilhões das reservas do banco central.
Este cenário drástico para a fase final do segundo mandato de Cristina Kirchner — as eleições presidenciais serão no ano que vem — está previsto há algum tempo, pois a derrota argentina na Justiça americana era uma possibilidade concreta.
Esse desfecho começou a ser desenhado pela postura arrogante do marido de Cristina, Néstor Kirchner, quando era presidente, na imposição de condições draconianas na renegociação da dívida, tornada impagável no rompimento da política de câmbio fixo, em dezembro de 2001.
Mesmo que aquelas condições fossem inexoráveis, a postura política argentina revogou qualquer chance de entendimento. Tudo condimentado por um conhecido discurso nacional-populista, marca registrada do peronismo kirchnerista.
O aprofundamento da crise do país — sem divisas em nível tranquilizador, com inflação em 30% e economia em recessão — marca o esperado esgotamento de um modelo heterodoxo intervencionista, de que resultou a fuga dos investidores e a marginalização da Argentina no mundo.
Embora tudo muito previsível, a diplomacia companheira do lulopetismo, à qual se subordina o Itamaraty, levou a política de comércio externo brasileira a concentrar suas apostas em aliados ideológicos latino-americanos, como a Argentina e Venezuela, esta colocada para dentro do Mercosul numa manobra da Casa Rosada e do Planalto, de que foi vítima o Paraguai. E assim, o Mercosul tem hoje dentro dele duas bombas de demolição em contagem regressiva. As consequências já começaram a ser colhidas há algum tempo. Por ser mercado estratégico para as exportações brasileiras — hoje, o terceiro em importância, atrás de China e Estados Unidos —, a Argentina, com sua crise, tem agravado a tendência de déficits externos do Brasil.
O volume do comércio entre os dois países, no ano passado em US$ 36 bilhões, já encolheu 11% desde 2011. A indústria brasileira, sem competitividade para ocupar outros mercados, tinha a Argentina como cliente preferencial. Hoje, cada vez menos.
Além de todas as implicações para o Mercosul e todo o continente, a debacle argentina demonstra como é alto o preço que se paga quando se definem estratégias externas inspiradas em paixões ideológicas.
23 de junho de 2014
Editorial O Globo
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