"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

VIRADA PORTUGUESA

Portugal está vencendo a batalha contra a crise. O governo anunciou no domingo o fim do programa de ajuda do FMI e da União Europeia e voltará a tomar empréstimos diretamente no mercado. Ainda carrega sequelas: a dívida bruta dobrou em cinco anos e o desemprego teve apenas ligeira queda. Mas Portugal se esforçou e o custo cobrado dos seus títulos voltou aos níveis anteriores.

Antes de a crise europeia bater em seus costados, Portugal usufruiu de um período de forte prosperidade, iniciado com a adesão à zona do euro. O PIB per capita cresceu 40% em menos de 10 anos, subindo de € 11,6 mil, no ano 2000, para € 16,1 mil, em 2008. Com o abalo financeiro na região, o país entrou em recessão. As fragilidades da economia vieram à tona, e o déficit público explodiu. O PIB per capita caiu 3,6% entre 2008 e 2013.

Em junho de 2011, os portugueses pediram socorro e firmaram um compromisso com a troika, formada pelo FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Receberam € 78 bilhões para pagar suas dívidas e evitar as altas taxas de juros que vinham sendo cobradas pelo mercado. Os bancos haviam se assustado com o salto do déficit público português, que chegou a 10% do PIB em 2010, e passaram a cobrar juros altíssimos para emprestar ao governo. Os títulos de 10 anos chegaram a pagar 17% de juros em 2012. Antes da crise, a taxa era de 4%. Esta semana, voltou ao mesmo valor cobrado anteriormente.

As garantias para o socorro foram as mesmas nessa situação: corte de gastos, aumento de impostos, recessão, alta da taxa de desemprego e interferência de técnicos dos órgãos credores nas decisões internas. O Brasil viveu isso no pior momento da dívida, nos anos 1980. Com Portugal, não foi diferente. O resultado da política de aperto foi o encolhimento do produto. Desde 2008, o PIB sofreu retração em cinco anos, tendo apenas um pequeno crescimento em 2010. A taxa de investimento despencou de 23% do PIB para 15% nesse período.

Dois indicadores de Portugal ainda assustam muito. A dívida bruta do governo praticamente dobrou, apesar dos esforços para reduzir o déficit. De acordo com o FMI, a dívida portuguesa saltou de 68% do PIB, em 2007, para 128% em 2013. Os números mostram que mesmo antes da crise internacional Portugal já descumpria o limite estabelecido pelo Tratado de Maastricht, que impõe um teto de 60% para o endividamento dos governos. Ou seja, ocorreu descontrole dos gastos no período de prosperidade.

Outro número tem impacto direto no dia a dia dos portugueses. A taxa de desemprego foi de 15,2% em março, acima de média de 11,2% da zona do euro. No pior momento, em abril de 2013, chegou a 17,8%. O índice subiu muito, e rápido, e tem caído devagar.

O que serve de consolo é que o período de sacrifício trouxe resultados, o país voltou a ter a confiança dos mercados e há expectativa de crescimento do PIB este ano. O déficit público caiu a 4,8% em 2013 e o balanço de pagamentos voltou a ficar positivo.

Portugal é o terceiro país da zona do euro a se declarar pronto a voltar a financiar sua dívida através de venda de títulos diretamente ao mercado. Irlanda e Espanha já dispensaram ajuda dos mecanismos financeiros de resgate.

Houve muita dúvida se Portugal conseguiria, dada a baixa competitividade de sua economia. Mas o país fez um forte ajuste e recuperou credibilidade. Mostra que é ociosa a discussão sobre se para sair da crise é preciso aumentar o gasto ou ajustá-lo. Um país sem crédito não pode ampliar despesas. Portugal volta agora a ter crédito. Pode terminar sua reorganização de forma mais suave.

 
07 de maio de 2014
Miriam Leitão, O Globo

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