"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

ROBERTO MARINHO E LINCOLN GORDON ESQUECERAM COSTA E SILVA

  

       

Num texto brilhante publicado na Folha de São Paulo de 5 de maio, o jornalista Ricardo Melo publica telegrama enviado em 1965 ao Departamento de Estado de seu país pelo embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, sobre o panorama político em nosso país, a partir de conversas que manteve com o jornalista Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo. A televisão surgia exatamente naquele ano, resultado de uma associação com o grupo Time-Life, rompida por iniciativa de Marinho cerca de dois anos depois. mas esta é outra questão.
O fato é que, lendo-se o que Gordon enviou a Washington, verifica-se que tal documento partia de pensamentos desinformados a respeito da ditadura político-militar brasileira. Lincoln Gordon, que teve participação de importância no golpe que depôs João Goulart, não revelou, segundo seu telegrama, estar por dentro da situação no Brasil. Roberto Marinho, apesar de seu poder e acesso às fontes de informação, também não. Pois caso contrário, não teria passado ao embaixador a opinião de que o rumo conduzia à reeleição do general Castelo Branco pelo voto indireto.
O que aconteceu, isto sim, foi a prorrogação de seu mandato, que, ao invés de terminar em janeiro de 66, foi estendido para janeiro de 67. Com tal fato, não houve a eleição presidencial de 65. Candidato declarado, o governador Carlos Lacerda sentiu que não era o nome desejado pelo poder militar.
OUTRO PROJETO
A ditadura tinha outro projeto. Aí resolveu romper com Castelo Branco de forma total e contundente. Roberto Marinho e Gordon esqueceram esse episódio fundamental. Ambos também omitiram o apoio total de O Globo à candidatura Negrão de Lima, oposição a Lacerda, ao governo da Guanabara. Negrão foi vitorioso, maioria absoluta dos votos.
Enfurecido, Lacerda passou a tramar contra a posse do eleito. Mais uma vez, Lacerda investia contra a posse legítima do eleito. Assim foi em 55, contra Juscelino, assim aconteceu em 61 contra João Goulart, vice de Jânio Quadros, que renunciou, assim ocorreu em 50 contra Getúlio Vargas. Lacerda, inclusive, escreveu um artigo na Tribuna da Imprensa, antes da sucessão do presidente Eurico Gaspar Dutra, dizendo que Vargas não podia ser candidato. Se candidato, não devia ser eleito. Se eleito (textual), não devia ser empossado. Se empossado, não deveria chegar ao final do mandato.
Rompendo com o governo Castelo, Lacerda abriu uma crise militar dentro do quadro crítico geral. Abalou Castelo e este, para se manter, passou a depender do general Costa e Silva, ministro do Exército. A corrente de Costa e Silva aceitou manter Castelo, mas ao preço da eleição indireta do ministro, pelo voto indireto do Congresso, em novembro de 66.
Nenhuma tendência, nenhum sintoma, nenhuma interpretação feita por Roberto Marinho e Lincoln Gordon voltou-se, em algum momento, para a hipótese de uma divisão já flagrante no sistema da ditadura militar. Gordon conduziu a Casa Branca a um universo de absoluta desinformação. Ambos esqueceram Costa e Silva e não analisaram a cisão aberta nas Forças Armadas, a partir da contradição de Carlos Lacerda, de fato o grande ator trágico da política brasileira. Para comprovar o que afirmo, basta consultar a memória dos fatos. Uma sugestão que faço a Ricardo Melo.
 
Pedro do Coutto  

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