“José, menino preto, nascido na Cidade de Deus, filho de mãe solteira, cresceu ao redor da maior boca de fumo da favela, na década de 90. Eulália, sua mãe, trabalhou a vida inteira como doméstica, em casas de famílias da Zona Sul do Rio de Janeiro. José cresceu sem pai, vítima dos abusos de violência no bairro da Cidade de Deus.”
Esta pequena história, sem arremedos e sem digressões, atinge grande parte das realidades no Brasil das massas. É ela, quase sempre, a gênese dos inúmeros e múltiplos casos de violência que já não mais surpreendem, com características de crueldade e inumanidade mais brutais e elevadas, sejam policiais ou bandidos os seus protagonistas.
A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA E INDAGAÇÕES
No entanto, esta ficção-realidade não é para iniciar mais um texto de catarse sobre a violência, mesmo que sejam textos e debates sempre atuais, importantes e necessários. É para chamar atenção para outra análise social que deveria ser observada e exercitada: a sabedoria de escutar a História. E História com letra maiúscula, aquela que não diz respeito apenas ao próprio indivíduo, mas a todo um processo coletivo, de construções e transformações ao longo do tempo.
Qual seria o desfecho para a história de José? Que ele se tornou doutor em Direito Constitucional numa faculdade norte-americana? Ou que morreu antes de completar 25 anos, com um tiro nas costas, por ser confundido com um bandido? Ou, sem atingir a maioridade, foi mais uma vítima da violência, por ter sido parceiro do tráfico de seu bairro?
Quem relacionar a história de José com a história que vivemos hoje de racismo, perene e candente na sociedade, corre o risco, sem perceber, de perpetuar o preconceito, não com falas, mas com gestos ou omissões. Ser racista não é apenas atravessar a rua, quando outro homem com mais melanina vem de encontro. Ser racista é também quando formulamos pré-julgamentos a respeito de fulano ou sicrano que, por ser negro, já possui na carteira de identidade a profissão de meliante. E mais: a História do Brasil é recortada, do período colonial até o processo de D. Pedro II como monarca, por uma mancha social que foi a escravidão.
REFLEXÕES
Só os negros de diversos países do continente africano eram escravizados no Brasil? Apenas eles passaram por esse processo desrespeitoso? A história do mito de Cã resume e explica as ações contra os negros? A resposta é negativa. Então, desta forma, por que recaímos na ignorância de atirar bananas em jogadores de futebol negros?
Sem estender a discussão para uma temática histórica mais aprofundada, que é deveras importante, escutemos a sabedoria da História. Apenas deixaremos de ser tábula rasa na sociedade brasileira quando pararmos de afirmar “os povos da África…”, ou “a culpa é do preto…”, ou “só poderia ser um macaco..” e outras expressões nefastas.
Primeiro,a África é um continente, onde não existe apenas um povo, mais milhares de povos com culturas completamente diferentes.
Segundo, a culpa é do indivíduo que contribuiu para o desequilíbrio social, tenha ele a cor que tiver. Terceiro, o macaco é um dos mamíferos mais interessantes da natureza, não apenas pelos costumes, como também pela inteligência.
OUVIR, VER E ENTENDER
Ter em nossas mentes apenas a História que nos foi contada, sem filtrá-la com base nos nossos próprios conhecimentos, sem uma leitura prévia do mundo e sem uma análise mais apurada da realidade da região, permaneceremos repetindo as incongruências que nos contam. O que vem à mente das pessoas, quando lhes é pedido para que lembrem uma ou duas características da África?
Em geral, as respostas são as savanas (com leões e outros animais ferozes) e a fome da população, e não nas maravilhas que cada país pode proporcionar ao mundo com suas variadas culturas, costumes e riquezas naturais. Saber que a narrativa da História é construída através de perspectivas, de olhares diferenciados, pautados por arcabouços culturais desde o nascimento, isenta este indivíduo de cometer erros como o prejulgamento de uma cultura ou de alguém.
Devemos, primeiro, ouvir, ver e entender o que nos foi dito, o que nos foi demonstrado. Depois, compreender o ambiente geográfico e político em que o fato social está inserido. Só ao final, e após escutar outros lados possíveis envolvidos, avaliar e opinar
03 de maio de 2014
Pedro Beja Aguiar
Nenhum comentário:
Postar um comentário