Uma das preocupações permanentes das grandes potências — e também das médias e pequenas, embora a maioria não tenha recursos para tomar as providências necessárias — é manter bem guardados os seus segredos. Principalmente aqueles que podem transformar amigos em inimigos, ou, pelo menos, em amigos desconfiados.
No momento, o governo americano está com uma batata extremamente quente nas mãos. Não é batata recente: há quase um ano a opinião pública ficou sabendo que a poderosa Agência de Segurança Nacional (NSA) tem um sistema de espionagem vasto e secreto.
Isso deveria ser louvável e tranquilizador para a opinião pública, não fosse por circunstância lamentável: o governo espiona em grande escala cidadãos americanos em território americano. É uma consequência da descoberta, no fatídico episódio do 11 de setembro, de que o país, como o resto do mundo, não era invulnerável a atos terroristas.
A espionagem doméstica não deixa de ser uma arma de defesa do governo e dos cidadãos. Mas tudo depende da escala e da existência provada do risco de terrorismo doméstico. Pelo visto, a NSA exagerou na dose. Principalmente, numa coleta em massa de telefonemas domésticos de cidadãos americanos. E é importante registrar que até hoje, que se saiba, essa invasão da privacidade individual não produziu qualquer revelação sobre ações ou planos de sinistros terroristas.
Até agora, tanto o presidente Obama quanto o Congresso estão dando os primeiros passos na elaboração de um projeto que proteja os cidadãos do que se pode chamar de curiosidade excessiva do Estado.
Foi marcada para esta semana a apresentação pelo Departamento de Justiça de uma proposta de reforma do programa de coleta de dados telefônicos. É o mesmo que foi revelado no ano passado por Edward Snowden, um ex-prestador de serviços da CIA, para grande indignação da opinião pública e nenhuma outra consequência até agora.
Na verdade, o problema é comum a todos os regimes democráticos: frequentemente, sentem a necessidade de arranhar a democracia para mantê-la forte. Não se conhece solução perfeita para essa contradição.
30 de março de 2014
Luiz Garcia é Jornalista. Originalmente publicado em O Globo em 27 de Março de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário