Grupo de jornais elege pontífice que revitalizou a Igreja Católica
Seis e meia da manhã de 4 de dezembro. Ainda está escuro em Roma, o frio úmido dói nos ossos, mas no Vaticano há movimento. Grupos de peregrinos lotam a Praça de São Pedro. No inverno, as audiências costumavam ser na Sala Paulo VI, mas já não cabem ali: com o fluxo de fiéis multiplicado, elas passaram a ser a céu aberto. A única coisa que importa é ver e ouvir Francisco. Esse Papa “que é um de nós”, que desde que foi eleito, em 13 de março, fez um milagre: revitalizou uma Igreja Católica em crise. E, ao pôr em marcha uma revolução moral, de humildade e austeridade, inspirou o mundo.
Francisco também impressionou os diretores, subdiretores e editores dos 11 jornais que integram o Grupo de Diários América (GDA) —“La Nación” (Argentina); “El Mercurio” (Chile); “El Tiempo” (Colômbia); “La Nación” (Costa Rica); “El Comercio” (Equador), “El Universal” (México); “El Comercio” (Peru); “El Nuevo Día” (Porto Rico); “El País (Uruguai), “El Nacional” (Venezuela) e O GLOBO — que escolheram o primeiro Papa latino-americano a personalidade mundial do ano. O argentino Jorge Mario Bergoglio também foi o mais votado como personalidade do continente. O GDA decidiu destacar então o presidente do Uruguai, José Mujica, segundo mais votado.
O ex-arcebispo de Buenos Aires começou o ano pensando que ia se aposentar. Mas termina 2013 não só como personagem do ano da prestigiosa revista “Time”, mas atraindo multidões fascinadas à praça de São Pedro e vendo chefes de Estado fazerem fila para serem recebidos por ele.
A multidão que quer ver o Papa está lá porque sabe que os sermões de Francisco são diferentes. Sua mensagem é simples, compreensível, direta, sem rodeios, otimista, alegre. Ele leva a mensagem do Evangelho — que conclama a acolher os feridos deste mundo, em vez de condená-los — à realidade de hoje, com o desemprego, as injustiças, as guerras, a exclusão de milhões de pessoas, jovens e idosos. Uma realidade na qual a fome é um escândalo, o drama dos migrantes em busca de um presente melhor continua sendo moeda corrente, assim como a corrupção, o tráfico humano e de drogas.
Desde a noite em que foi escolhido, ao escolher chamar-se Francisco — e expor todo um programa de governo inspirado no santo de Assis que se despojou de toda sua riqueza para abraçar aos leprosos — o ex-cardeal de Buenos Aires deu a entender que nada seria como antes no Vaticano.
- Bergoglio é um homem livre, que não tem uma mentalidade romana. Trouxe uma nova visão de mundo, baseada em sua experiência como jesuíta e sacerdote que percorreu as ruas - diz o vaticanista Gerard O’Connell.
JMJ no Rio foi momento-chave
A revista “Time” observou que, Francisco, “sem mudar a letra, conseguiu mudar a música” no Vaticano. Desde o início do seu Pontificado, abandonou antigas tradições e, fiel a seu estilo simples, preferiu se apresentar ao mundo sem a pompa e o esplendor característico de um papado parecido a uma corte imperial. Mostrou-se com sua cruz de prata de sempre, sem sapatos vermelhos. Continuou a viver na Casa de Santa Marta com os demais religiosos, rechaçando a solidão do apartamento pontifício do Palácio Apostólico. Inaugurando uma nova forma de exercer o papado, ao não querer governar como um monarca absolutista, promoveu outra mudança crucial ao criar um conselho de cardeais — o chamado G8 do Papa —, que está ajudando-o a reformar uma cúria romana marcada por intrigas e escândalos durante o fim do papado de Bento XVI.
Consciente de que a credibilidade da Igreja Católica se viu minada também pelo escândalo do Instituto de Obras Religiosas, sob suspeita de lavagem de dinheiro, o Papa criou uma comissão que está analisando o que fazer com o banco do Vaticano. Também nomeou um grupo que está revisando todas as finanças da Santa Sé. E acaba de criar uma comissão para a proteção das crianças, combatendo outro escândalo que atingiu o pontificado do seu antecessor e manchou como nunca a imagem da Igreja Católica, o abuso sexual de crianças por padres.
Consciente de que nos últimos anos muitos se afastaram da Igreja Católica porque ela não soube acompanhar a quem estava em suas periferias — os pobres, os feridos, os divorciados, as mulheres que se viram obrigadas a cometer aborto, os homossexuais — Francisco começou, também, uma espécie de revolução moral.
- Como estamos tratando o povo de Deus? Eu sonho com uma Igreja mãe e pastora. Os ministros da Igreja têm que ser misericordiosos, cuidar das pessoas, acompanhando-as como o bom samaritano que lava, limpa e consola o próximo. Isso é Evangelho puro. Deus é maior que o pecado. As reformas estruturais são secundárias, vêm depois. A primeira reforma deve ser a das atitudes - disse o Papa à revista jesuíta “La Civiltá Cattolica”.
O momento-chave do Papado até agora talvez tenha sido a sua primeira viagem internacional, ao Rio, para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). A imprensa mundial ficou fascinada por sua capacidade de “liderar a partir da humildade”, segundo sentenciou o “Washington Post”.
- Em um tempo absolutamente curto, o Papa Francisco conseguiu mudar a cara da Igreja, modificar sua agenda e renovar a fé de milhões de católicos ao redor do mundo. E sua participação na JMJ foi um ponto fundamental nessa transformação. Aqui ele reafirmou suas ideias de que a Igreja tem que voltar às comunidades de base, ao trabalho nas ruas, estar mais perto das pessoas, ser mais inclusiva - explica Paulo Fernando Carneiro de Andrade, decano do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-RJ.
Chiara, monja oriunda da Polinésia que há oito anos vive e trabalha na Casa Paulo VI, o hotel onde Bergoglio costumava se hospedar quando vinha a Roma — e aonde voltou para pagar a conta no dia seguinte a ser eleito Papa, num gesto que deu volta ao mundo — não tem dúvidas:
- É o homem certo na hora certa.
22 de dezembro de 2013
ELISABETTA PIQUÉ
DO LA NACIÓN/GDA
DO LA NACIÓN/GDA
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