Está na rede um depoimento excepcional. É o áudio de 92 minutos da audiência do general Álvaro Pinheiro à Comissão Nacional da Verdade. No dia 12 de novembro, no Rio, ele respondeu às perguntas de dois assessores da CNV no salão nobre do Arquivo Nacional.
Havia uma pequena plateia de militares que permaneceu em silêncio, e a sessão esteve livre das teatralidades comuns a esse tipo de evento.
O general Pinheiro fez sua carreira militar nas forças especiais do Exército. Ainda tenente, em 1972 foi ferido num combate no Araguaia. Retornou à área da guerrilha e esteve 247 dias na floresta. É dele a melhor analise militar da campanha, publicada em 1995.
Pinheiro é um crítico da Comissão da Verdade (“canalhice sem tamanho”, por olhar só para a ação do Estado). Usando palavras duras (aquilo não era guerrilha, mas “foco terrorista rural”), deu um depoimento didático, cordial mesmo, exprimindo a opinião de muitos militares que foram mandados para o Araguaia. Não deu nomes, datas ou eventos.
Aos 70 minutos e 10 segundos do depoimento, quando tratava da atuação das forças especiais, ele disse: “Às vezes o cara se rende, às vezes o camarada se entrega. (...) Às vezes o sujeito chegava na base, não quero mais, e tal. Houve casos assim.”
Quando um dos assessores perguntou-lhe por que não se conhecem casos de guerrilheiros que se renderam nessa fase, porque nela não houve sobreviventes, respondeu: “Não tenho a menor noção. Não tenho como lhe dizer a esse respeito.”
O general nega que tenha havido uma ordem para exterminar os guerrilheiros e argumenta que, se ela tivesse existido, teria sabido.
A relevância do depoimento de Pinheiro está em três de suas palavras: “Houve casos assim.” Até outubro de 1973, quando começou a última fase do combate, foram presos uns poucos guerrilheiros. Nenhum entregou-se numa base, nem diretamente à tropa militar.
Pelos seus depoimentos, dois foram levados aos militares por moradores da região. Uma, sem dúvida, desejando-o. A partir de outubro a guerrilha foi combatida pelas forças especiais e, três meses depois, transformou-se numa debandada.
Numa guerrilha que começou com a fuga do chefe político (João Amazonas, em 1972) e terminou com a do chefe militar (Ângelo Arroyo, em 1974), haviam sobrado na floresta cerca de 35 jovens militantes do PCdoB. Desapareceram todos.
Até hoje os depoimentos de pessoas que viram guerrilheiros capturados a partir de outubro de 1973 vinham de moradores. Essa foi a primeira vez que um militar combatente falou em rendições, com guerrilheiros que iam à “base”, que podia ser um acampamento na floresta.
Elas eram estimuladas por mensagens transmitidas por alto-falantes colocados em helicópteros e por panfletos que diziam: “Oferecemos a possibilidade de abandonar a aventura com vida, com tratamento digno e julgamento justo. Lembrem-se, o Brasil precisa de todos os seus filhos.”
• O depoimento do general está no seguinte endereço e merece ser ouvido inteiro: http://www.4shared.com/mp3/6uPTzn8y/Alvaro
22 de dezembro de 2013
Elio Gaspari é jornalista.
O Globo
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