"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 21 de dezembro de 2013

A DUPLA IDENTIDADE DE E.SNOWDEN

 
Graças às evidências oferecidas pelo primeiro Snowden, o sistema de contrapesos da democracia americana começa, finalmente, a operar. Dias atrás, um juiz federal julgou inconstitucional a coleta de metadata telefônica pela NSA, declarando que, "provavelmente", ela fere a Quarta Emenda.

O juiz Richard Leon fez picadinho da alegação de que a coleta de arrastão de centenas de milhões de metadados telefônicos sem supervisão judicial é uma ferramenta crucial para prevenir atentados terroristas. A decisão equivale a um pequeno abalo sísmico nos alicerces da fortaleza do Grande Irmão --mas ela não tem nenhum efeito sobre a invasão da privacidade de cidadãos de terceiros países. É aqui que entra o primeiro Snowden.

"Compartilhei com o mundo provas de que alguns governos estão montando um sistema de vigilância mundial para rastrear secretamente como vivemos, com quem conversamos e o que dizemos." Na sua "carta ao povo brasileiro", o delator não faz nenhuma referência à espionagem tradicional, entre Estados, concentrando-se no ponto relevante: o direito dos cidadãos, americanos ou não, à proteção da privacidade. É o primeiro Snowden, não o segundo, que se dirige a nós. Significativamente, ele não circunscreve a acusação ao governo americano, preferindo utilizar a expressão "alguns governos". Há algo nessa opção deliberada pelo plural.

Sabe-se que a NSA compartilha informações com agências de inteligência de países europeus aliados. Um constrangido Hollande silenciou de imediato quando Washington sugeriu, nas entrelinhas, que a verdade sobre a vigilância de cidadãos franceses poderia vazar misteriosamente.
Posto diante do falso escândalo da espionagem de Dilma Rousseff, o ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon insinuou que o Gabinete de Segurança Institucional também figura entre os parceiros da NSA.
Apelando ao Brasil, Snowden tenta se livrar do desmoralizante abraço de urso de Putin. Desconfio que, por razões de "segurança nacional", o governo brasileiro conseguirá que ele desista de sua pretensão de asilo. Para eles todos, o Snowden bom é o segundo.
 
21 de dezembro de 2013
Demétrio Magnoli, Folha de SP

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