Em boa hora, portanto, a Academia Brasileira de Letras (ABL) decidiu ingressar como amicus curiae na ação direta de inconstitucionalidade (Adin) que a Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) move no Supremo Tribunal Federal contra a censura às biografias não autorizadas. Estará lutando também pela liberdade de imprensa, como veremos.
Essa nova tese de aceitar o fim da necessidade de autorização dos biografados com a ressalva de que caberá ao Judiciário decidir no caso a caso o que representa ou não violação de privacidade, na prática, mantém tudo como está hoje, foi uma forma inteligente que o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, encontrou para, seguindo o conselho do príncipe Falconeri no livro “O Leopardo”, de Lampedusa, mudar para deixar tudo como está.
Os biografados, especialmente os que têm bons advogados, irão ao Judiciário contra os livros que contiverem informações que lhes desagradem e obterão liminares proibindo as publicações ou determinando a supressão do que incomodar, sempre com base na invasão da privacidade/intimidade.
Essa nova estratégia é muito mais perigosa do que a anterior, de exigir autorização prévia dos biografados, porque aparenta uma disposição para o diálogo que fez, erroneamente, que se pensasse que Roberto Carlos havia recuado de sua posição inicial, quando, na verdade, ele está apenas tentando se livrar do estigma de promover a censura prévia de livros.
Mas o seu objetivo continua o mesmo, controlar o fluxo da informação, tentando escrever a história de acordo com o seu ponto de vista, o único verdadeiro segundo sua curiosa maneira de ver as coisas.
Ocorre que o assunto pode acabar tendo consequências mais graves do que a já absurda censura às biografias: os mesmos artigos 20 e 21 do Código Civil que são interpretados como fundamentos para proibir as biografias também podem servir para proibir matérias jornalísticas que supostamente invadam a privacidade de alguém.
Os artigos 20 e 21 em momento algum citam a palavra “biografia”. Eles protegem a imagem e a intimidade contra “usos comerciais", a edição de livros tem sido entendida como um uso comercial, e não há razão para que o jornalismo não o seja.
05 de novembro de 2013
Merval Pereira, O Globo
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