Escrevo este artigo
às vésperas de um dia muito importante, isto é, o da conclusão do julgamento dos
chamados embargos infringentes pelo STF, que poderá, enfim, depois de um longo e
tenebroso inverno, mandar os réus do mensalão cumprirem suas respectivas penas
na cadeia ou ao contrário, servir como marco definitivo da consolidação de mais
um regime socialista bolivariano e mais uma colônia de
Cuba.
Às favas com a lei e
a ordem, se o pior acontecer. No rastro do conchavo mais explícito da história,
os assassinatos, seqüestros, roubos, estupros, atropelamentos, o tráfico de
drogas, a prostituição, o esbulho, e a corrupção encontrarão seu fundamento de
validade em si mesmos e se multiplicarão como
coelhos.
Todavia, ao
contrário do que tem sido propagado pela imprensa mais honesta, não hei de
louvar o supremo colegiado por fazer a coisa certa, assim como um sinal de
redenção em face da endêmica impunidade tupiniquim. Como já tenho dito, há
juízes ali que só não podem ser taxados de mensaleiros porque se dispuseram a
votar contra a Constituição e as leis graciosamente, como foi no caso do aborto
de anencéfalos e na união civil de homossexuais, ao contrário daqueles que se
dispuseram a receber o dinheiro público e outros a desviá-lo para tais misteres.
Além disso, cumpre
lembrar o lúcido
exame de Percival Puggina, que alertou para o fato de que os mentores e
diretores do mensalão, isto é, aqueles que pertenciam à atividade-fim, já foram
vergonhosamente agraciados com penas muito mais brandas do que aqueles que se
resumiram ao trabalho braçal, os da atividade-meio. Detalhes técnicos uma ova.
Para quem percebe o bom espírito da lei, e esta pessoa pode ser qualquer cidadão
com bom juízo na cabeça, mesmo um leigo desconhecedor das filigranas do direito,
tal julgamento já representa, até o momento, uma infâmia.
Assim, se muito,
ficamos no empate. Acho que nem isto, mas em todo caso, evita-se o mal maior.
Haja condescendência.
Introduzido o
problema, venho aqui demonstrar um argumento que até agora não vi ser
desenvolvido pela imprensa: a da inconstitucionalidade da medida denominada de
embargo infringente.
Não há de se
desprezar o raciocínio jurídico publicado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, que
também é suficientemente válido, no sentido de que a Lei
8.038/90 revogou o parágrafo único do art. 333 do regimento interno do
STF.
Para entendermos a
situação precisamos nos valer, respectivamente, dos artigos 22 e 96 da
Constituição, que estão transcritos abaixo, com grifos
meus:
Art. 22. Compete
privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil,
comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico,
espacial e do trabalho;
...
XVII - organização
judiciária, do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e da
Defensoria Pública dos Territórios, bem como organização administrativa
destes;
Art. 96. Compete
privativamente:
I - aos
tribunais:
a) eleger seus órgãos
diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de
processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a
competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e
administrativos;
O que o artigo 22
determina ao conferir competência privativa à União para legislar
sobre
direito processual é que qualquer matéria neste ramo deve ser produzida mediante
o regular processo legislativo, isto é, pelo Congresso Nacional. Portanto, o
regimento interno do STF, no que tange ao parágrafo único do artigo 333, nem
sequer foi recepcionado. Vejam bem, não houve revogação! O que aconteceu é que
nem sequer foi recepcionado, com insanável vício formal de
origem.
Com
efeito, jamais um regimento interno – um ato administrativo – poderia legislar
para os cidadãos. Um regimento - de qualquer instituição, tem força (material)
de lei, mas seu campo delimita-se à organização da casa e dos trabalhos. Ao
conferir um verdadeiro recurso em matéria de direito penal, o regimento
extravasou de sua competência, que notem, foi expressamente prevista para ser
obediente à lei formal derivada de regular processo legislativo:
“...elaborar seus regimentos internos,
com observância das normas de
processo...”.
Portanto, meus caros
leitores, os embargos infringentes já estavam extintos mesmo antes da lei 8.038
vir a lume.
Agora, o que pode
ocorrer que vierem a ser acolhidos os embargos infringentes por infeliz
inspiração do ministro Celso de Melo?
Notem que o motivo
deflagrador dos embargos infringentes é de ordem
formal:
“Parágrafo único. O
cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no
mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em
sessão secreta”.
Se o motivo
deflagrador fosse de ordem material, isto é, quanto ao mérito, estaria facultado
à defesa lançar mão dele sob qualquer alegação. Contrariamente, sendo oriundo de
uma questão de ordem, necessário é concluir que deva ser automaticamente
acolhido sempre que o resultado de qualquer julgamento pelo STF resultar em
quatro ou mais votos divergentes.
Dá-se a isto o nome
de ato de ofício, isto é, que deve ser aplicado pela Administração,
independentemente da vontade das partes; talvez, e olhem lá, pudesse ser
vislumbrada a hipótese de sua não necessidade no caso hipotético e extremamente
improvável de que ambas as partes simultaneamente se sentissem conformadas com o
resultado.
Se esta minha tese
tem valor, a funesta conseqüência é que o STF teria de rever - como disse, de
ofício - todo os julgamentos desde 1988 cujos resultados albergaram quatro ou
mais votos divergentes. Em outras palavras, o caos estaria instalado.
No livro Poland
(“Polônia”), o autor, James A. Michener, relata um momento histórico daquele
país quando estava à mercê da influência de três grandes potências estrangeiras:
a Prússia, a Rússia e a Áustria, em torno do séc. XVIII.
Naquele perigoso estado
de frágil equilíbrio geopolítico, o Congresso polonês se via travado por uma
disposição que obrigava as leis a serem promulgadas com coro unânime.
Desta forma,
qualquer proposta que contrariasse os interesses dos seus países vizinhos era
sumariamente fulminada por um deputado pago que se levantava e declamava: - eu
me oponho! Diz o livro que muitos deputados aceitavam suborno simultaneamente de
duas ou mais das potências, o que transportou de imediato a minha mente a outro
parlamento situado num certo país sul-americano.
O resultado histórico desta
tosca zombaria das instituições foi a invasão conjunta da Polônia e sua partilha
pelos países que combinaram agir em conjunto. Por cerca de 123, a Polônia deixou
de existir como uma nação.
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