A saúde na UTI
Síntese: A saúde está no topo das preocupações dos brasileiros e é, ao mesmo tempo, a área de atuação em que o governo é mais mal avaliado. O setor tem enfrentado problema de subfinanciamento, com participação insuficiente das fontes públicas. A fatia da União nos gastos é declinante, sobrecarregando estados e municípios, e, como agravante, nem todo o recurso disponível no orçamento é aplicado. A gestão Dilma resolveu enfrentar esta triste realidade com uma iniciativa de efeitos limitados: a importação de médicos. Melhor seria se fizesse voltar a avançar um programa que já se mostrou bem-sucedido em ampliar o atendimento da população: o Saúde da Família.
Há muito tempo a saúde ocupa o topo das preocupações da população brasileira. Recentemente, o tema ganhou ainda mais espaço a partir de iniciativas do governo federal tomadas supostamente para responder aos protestos de junho. Não é novidade que as condições gerais do sistema de saúde no país são precárias, os recursos são mal aplicados e a gestão das unidades hospitalares e ambulatoriais é deficiente. O Brasil precisa, certamente, de mais médicos, mas precisa de muito mais para efetivamente passar a oferecer atendimento de qualidade a seus cidadãos.
Diversas pesquisas de opinião colocam a saúde como principal problema do país hoje. O Datafolha, por exemplo, aferiu que esta é a avaliação de 48% dos brasileiros, percentual quase quatro vezes maior que o da segunda colocada da lista, a educação (13%). Saúde é, também, a área em que o governo da presidente Dilma Rousseff é mais reprovado pela população. De acordo com o Ibope, 69% desaprovam a atual gestão neste quesito, numa tendência de piora que vem desde 2008 – a taxa de aprovação é hoje de apenas 28%.
Mas por que a saúde vai tão mal no Brasil? Em primeiro lugar, os recursos orçamentários são insuficientes para fazer frente às atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS) previstas na Constituição de 1988. O país gasta cerca de 8% do PIB com o setor, sendo que o poder público responde por uns 45% da despesa total, abaixo da média de países com características parecidas com as nossas. Quando se considera o gasto per capita, o Brasil aparece como apenas o décimo que mais investe em saúde em toda a América Latina.
Recursos desperdiçados
O subfinanciamento público da saúde é apontado como uma das principais deficiências do sistema no país, com consequências diretas sobre a organização e a qualidade do atendimento prestado pelo SUS. Neste ano, por exemplo, o Orçamento Geral da União destina R$ 99 bilhões para a saúde. Mas o problema é que o valor disponível nunca é plenamente executado. Em 2012, por exemplo, somente 69% do montante autorizado foi aplicado, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU).
Não é pouco o dinheiro que é disponibilizado mas acaba não sendo empregado na melhoria do atendimento à população. Ainda de acordo com o TCU, no período compreendido entre 2005 e 2012, a União deixou de aplicar R$ 32 bilhões em saúde. Como a maior parte dos gastos no SUS é com custeio, o dinheiro que não foi gasto refletiu-se em menos atendimento, mais filas, mais sofrimento e, infelizmente, mais mortes: neste período, 42 mil leitos hospitalares foram eliminados. Donde se concluiu que o problema da saúde no Brasil também deriva da má gestão orçamentária.
Para complicar, o governo federal tem reduzido sua participação no financiamento do setor ao longo dos últimos anos. Em 2002, a União respondia por 52,8% do total dos gastos com ações e serviços públicos de saúde. Em 2010, o percentual já havia caído para 44,7%. Em contrapartida, estados e municípios tiveram que assumir maiores encargos, aumentando sua fatia nas despesas: no mesmo período, os primeiros passaram de 21,5% para 26,7% do total e as prefeituras, de 25,7% para 28,6%.
IDHM Renda e Longevidade
No quesito renda, os desempenhos ao longo dos períodos marcados pelos governos Fernando Henrique e Lula se equivalem. No decênio inicial, a melhoria atingiu 7% e, no seguinte, ficou em 6,8%. A renda per capita aumentou 32,4% entre 1991 e 2000 e 34% de 2000 até 2010. Uma diferença tão irrisória que sugere o poder limitado que programas de transferência de renda como o Bolsa Família têm para mudar de fato a qualidade de vida das famílias.
O governo Lula só tem melhor desempenho no IDHM relativo à longevidade, ou seja, o que mede a esperança de vida ao nascer. Entre 2000 e 2010, o avanço verificado pelo Pnud foi de 12,2%, superior aos 9,8% anotados na década anterior. Neste quesito, o Brasil já pode ser classificado como país de desenvolvimento humano "muito alto”, de acordo com os parâmetros da ONU, com expectativa de vida de 73,9 anos e taxa de mortalidade infantil de 16,7 por cada mil nascidos vivos.
Longo caminho a percorrer
Os avanços alcançados pela sociedade nas duas últimas décadas são indiscutíveis e merecem ser comemorados. É inegável que o país só chegou aonde chegou por causa da estabilização da moeda, fruto do Plano Real, lançado pelo presidente Itamar Franco e implementado por Fernando Henrique. Também é incontestável que a melhoria da distribuição de renda, a formação de uma ampla rede de proteção social – nascida também na gestão tucana – e a ampliação mais recente do mercado consumidor também tiveram méritos importantes para o progresso brasileiro nestes últimos anos.
Mas é igualmente necessário ter presente que ainda não deixamos de ser apenas o 85° país entre 187 nações em termos de desenvolvimento humano global. E que, ainda mais grave, nosso IDH – que, advirta-se, não pode ser comparado com a média brasileira medida pelo IDHM – estagnou nos dois últimos anos, enquanto vizinhos como Uruguai, Argentina e Chile continuaram avançando e aumentando a vantagem em relação a nós. Há, portanto, um longo caminho ainda a percorrer para tornar o Brasil um país efetivamente com melhores condições de vida para seus cidadãos.
Evolução do Saúde da Família (pop. coberta – em milhões)
Fonte: Sist. de Informação da Atenção Básica/Sist. de Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Saúde. *Até agosto
Iniciativa popular
Em razão deste desequilíbrio, uma das principais bandeiras para a melhoria da saúde no país é a vinculação de percentual maior de receita da União para o setor, tal como estipulado na regulamentação da emenda constitucional n° 29, mas derrubado pela base governista no Congresso em 2011. Se fosse aplicado o percentual previsto (10% da receita bruta), a saúde disporia de mais R$ 43 bilhões neste ano – projeto de lei de iniciativa popular com este objetivo, com 1,9 milhão de assinaturas, foi encaminhado ao Congresso neste mês.
Afora o problema do subfinanciamento, a saúde padece da má gestão dos recursos. Ou seja, será inócuo alocar mais dinheiro se o gerenciamento do sistema não melhorar, as ineficiências não forem atacadas e os desperdícios, eliminados. Neste sentido, uma das formas de se obter melhores resultados é firmar parcerias com instituições privadas, contratadas para prestar serviços ao Estado. Bom exemplo é o modelo das organizações sociais, já presente em mais de 70 municípios do país, em que são definidas metas de desempenho para que o prestador receba do poder público pelo atendimento.
Mais e melhores médicos
O governo federal decidiu enfrentar o problema geral da saúde brasileira por meio de uma iniciativa pontual: a importação de médicos, principalmente de Cuba. Agiu assim depois que o programa Mais Médicos, lançado para levar 15.460 profissionais para rincões e periferias, fracassou, ao atrair menos de 10% do número desejado. Diante de um quadro bem mais amplo de problemas, a chegada dos médicos cubanos, ainda que bem-vinda, deverá se revelar de efeitos muito limitados e incertos.
Estes profissionais chegarão para ampliar as ações de atenção básica, orientação correta, pois valoriza o atendimento preventivo, realizado em ambulatórios, postos de saúde ou mesmo em domicílio, e evita a superlotação de hospitais. Ocorre que o Brasil já dispõe de iniciativa muito bem-sucedida com este mesmo objetivo – o Saúde da Família – que, no entanto, tem tido pouca atenção da gestão petista. De 1994 a 2002, o programa exibiu taxa de expansão de 63% ao ano, mas, desde então, o ritmo despencou para 7% anuais. O governo federal tampouco colabora adequadamente com o custeio destas ações, a cargo de estados municípios.
Ao mesmo tempo, promessas importantes da presidente Dilma para ampliar a atenção básica à saúde estão longe de se tornar realidade. Ela assumiu compromisso, por exemplo, de construir 269 unidades de pronto-atendimento (UPAs) e 7.557 unidades básicas de saúde (UBSs). Porém, nos dois primeiros anos de governo foram construídas apenas 12 UPAs (4,4% do prometido) e 434 UBSs (6%), de acordo com o mais recente balanço oficial do PAC.
Resta claro que os médicos importados irão se deparar com a mesma realidade dramática que aflige seus colegas brasileiros: hospitais sem condições e sem equipamentos mínimos para bem atender os pacientes e uma aplicação iníqua das verbas públicas destinadas ao setor. Para esta chaga, o governo ainda não ofereceu qualquer remédio, nem tem demonstrado preocupação à altura. A situação da saúde no Brasil inspira cuidados, exige melhor gestão do SUS, recursos mais volumosos e mais bem empregados, mas demanda, sobretudo, uma solução que não seja mero paliativo, não vise apenas o curto prazo ou somente resultados eleitorais.
17 de setembro de 2013
Instituto Teotônio Vilela
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