Não sei se ainda hoje há quem vá à Índia em busca de sabedoria. É bastante provável que sim. Em 2010, há apenas três anos – não sei se alguém ainda lembra - o PSDB contratou para fazer sua campanha um guru indiano sediado nos Estados Unidos. A dez mil dólares por dia. Pode? Recorrer aos serviços de um vigarista indiano para conduzir uma campanha eleitoral? Edir Macedo faria melhor. Ao constatar a mancada, os tucanos mandaram o guru de volta aos States. Teria sido mais barato enviar o Serra para fazer meditação transcendental em um ashram em Poona.
Nos anos 70, vivi cercado de pessoas que iam a Poona, na Índia, em busca de sabedoria e paz interior. Lembro de uma amiga dos dias de Porto Alegre, mais conhecida como Olívia Palito. Com esse nome, nem é preciso definir a pessoa. Mesmo sem conhecê-la, quando chega num bar, já sabíamos que dela se tratava. Também atendia por A-que-nem-o-Pitanguy conserta. Mais tarde, ela mesma deu-se um apelido, Bodira. Fora a Poona, para um ashram coordenado por Rajneesh, o vigarista hindu dos 93 Rolls-Royces, e voltara rebatizada.
Após mais de década sem vê-la, encontrei-a em um boteco em Florianópolis, anos 80. Olívia! - exclamei. Ela fez que nem me ouviu. Repeti. Ela me olhou e disse: "meu nome é Bodira". Ocorre que só havia duas Olívias Palitos no mundo, ela e a do Popeye. Queria ser chamada de Bodira? Que fosse. Fi-la sentar e ela me contou suas aventuras na Índia. Foi quando me mostrou no peito um medalhão do vigarista, que então se chamava Rajneesh. "É meu mestre", disse. Caí na gargalhada, contei-lhe das vigarices do guru. Ela se ofendeu, levantou-se e foi embora. Eu estava desrespeitando sua fé. Enfim, tudo isto para dizer como apelido pode ser uma solução. Com o nome mais sujo que pau de galinheiro, Rajneesh passou a chamar-se de Osho e continuou a enganar de novo, desta vez com o nome novinho em folha.
Durante várias décadas, os jovens do Ocidente, influenciados por uma literatura barata, foram buscar luzes no país em que famintos morrem de fome nas ruas enquanto vacas defecam tranquilamente nas calçadas e ratos são alimentados com pires de leite por monges budistas.
Só no Rio Grande do Sul, conheci vários casos do gênero. Cito outro. Nos dias de Paris, recebi visita de uma gaúcha vinda de Poona, que parecia ser a Jerusalém dos 70. Vinha também do ahsram do futuro Osho. Perguntei quanto lhe custara a aventura. Ah, baratinho. Cinco rupias por palestra do guru, dez de hospedagem por dia, mais outro tanto pela comida. De fato, era uma insignificância. Ela falava, eu fazia contas num caderninho.
Que estás fazendo? – quis saber.
- Só umas continhas – respondi -. Quantos assistem à palestra do guru?
- Bom, são três mil.
A história mudava de figura. Fui multiplicando, somando hospedagem, comida, palestras. Dava uns 20 mil francos por dia, salário que nem executivo ganhava no mês em Paris. A menina contou-me ainda outra historinha de um casal gaúcho.
Eram psicólogos da zona da serra e queriam fazer um curso de ioga sexual. Na primeira aula, foram convidados a despir-se antes de entrar na sala. O marido objetou: era casado, não queria ver sua mulher nua na frente de barbados. Mas o curso era de ioga sexual. Tinha de ficar pelado. O marido recuou, os dois voltaram e a primeira providência, ao chegar, foi rasgar o poster de Osho, então Rajneesh, das paredes de seu consultório.
Hoje, a Índia, tida como pacífica, tem alimentado as primeiras páginas dos jornais com estupros coletivos de mulheres. Imersos na multidão, os criminosos têm geralmente permanecido impunes.
Terça-feira passada, na Folha de São Paulo, reportagem de Ellen Barry nos mostra o quão perigoso é lutar contra o obscurantismo no país que tanta sabedoria tem exportado ao Ocidente.
Durante quase três décadas, um ex-médico chamado Narendra Dabholkar viajou de aldeia em aldeia na Índia, travando uma guerra pessoal contra o mundo dos espíritos. Seu objetivo era incutir o ceticismo científico no coração da Índia, país que ainda é cheio de gurus, "babas", astrólogos, homens divinos e outros empreendedores místicos”.
Seu Estado natal, Maharashtra, estava considerando uma legislação que ele defendia há 14 anos, proibindo uma lista de práticas como o sacrifício de animais, o tratamento mágico de picadas de cobra e a venda de pedras mágicas. Dr. Dabholkar mexeu com o tabu. Ou melhor, com o mercado dos gurus. Em 20 de agosto, dois homens o mataram a tiros quando ele cruzava uma ponte. Em Poona.
“O assassinato do doutor Dabholkar é o último episódio em uma luta milenar entre tradicionalistas e reformadores na Índia. Quando os detetives começaram a montar uma lista dos inimigos de Dabholkar, descobriram que ela era longa. Ele tinha recebido ameaças de grupos de extrema direita hindus, sido espancado por seguidores de gurus irritados e contestado por conselheiros que defendem leis arcaicas sobre castas”.
Os pacíficos gurus nem sempre são pacíficos. Morte a quem ameaça privá-los de um mercado alimentado pela ignorância e superstição.
07 de setembro de 2013
janer cristaldo
Nos anos 70, vivi cercado de pessoas que iam a Poona, na Índia, em busca de sabedoria e paz interior. Lembro de uma amiga dos dias de Porto Alegre, mais conhecida como Olívia Palito. Com esse nome, nem é preciso definir a pessoa. Mesmo sem conhecê-la, quando chega num bar, já sabíamos que dela se tratava. Também atendia por A-que-nem-o-Pitanguy conserta. Mais tarde, ela mesma deu-se um apelido, Bodira. Fora a Poona, para um ashram coordenado por Rajneesh, o vigarista hindu dos 93 Rolls-Royces, e voltara rebatizada.
Após mais de década sem vê-la, encontrei-a em um boteco em Florianópolis, anos 80. Olívia! - exclamei. Ela fez que nem me ouviu. Repeti. Ela me olhou e disse: "meu nome é Bodira". Ocorre que só havia duas Olívias Palitos no mundo, ela e a do Popeye. Queria ser chamada de Bodira? Que fosse. Fi-la sentar e ela me contou suas aventuras na Índia. Foi quando me mostrou no peito um medalhão do vigarista, que então se chamava Rajneesh. "É meu mestre", disse. Caí na gargalhada, contei-lhe das vigarices do guru. Ela se ofendeu, levantou-se e foi embora. Eu estava desrespeitando sua fé. Enfim, tudo isto para dizer como apelido pode ser uma solução. Com o nome mais sujo que pau de galinheiro, Rajneesh passou a chamar-se de Osho e continuou a enganar de novo, desta vez com o nome novinho em folha.
Durante várias décadas, os jovens do Ocidente, influenciados por uma literatura barata, foram buscar luzes no país em que famintos morrem de fome nas ruas enquanto vacas defecam tranquilamente nas calçadas e ratos são alimentados com pires de leite por monges budistas.
Só no Rio Grande do Sul, conheci vários casos do gênero. Cito outro. Nos dias de Paris, recebi visita de uma gaúcha vinda de Poona, que parecia ser a Jerusalém dos 70. Vinha também do ahsram do futuro Osho. Perguntei quanto lhe custara a aventura. Ah, baratinho. Cinco rupias por palestra do guru, dez de hospedagem por dia, mais outro tanto pela comida. De fato, era uma insignificância. Ela falava, eu fazia contas num caderninho.
Que estás fazendo? – quis saber.
- Só umas continhas – respondi -. Quantos assistem à palestra do guru?
- Bom, são três mil.
A história mudava de figura. Fui multiplicando, somando hospedagem, comida, palestras. Dava uns 20 mil francos por dia, salário que nem executivo ganhava no mês em Paris. A menina contou-me ainda outra historinha de um casal gaúcho.
Eram psicólogos da zona da serra e queriam fazer um curso de ioga sexual. Na primeira aula, foram convidados a despir-se antes de entrar na sala. O marido objetou: era casado, não queria ver sua mulher nua na frente de barbados. Mas o curso era de ioga sexual. Tinha de ficar pelado. O marido recuou, os dois voltaram e a primeira providência, ao chegar, foi rasgar o poster de Osho, então Rajneesh, das paredes de seu consultório.
Hoje, a Índia, tida como pacífica, tem alimentado as primeiras páginas dos jornais com estupros coletivos de mulheres. Imersos na multidão, os criminosos têm geralmente permanecido impunes.
Terça-feira passada, na Folha de São Paulo, reportagem de Ellen Barry nos mostra o quão perigoso é lutar contra o obscurantismo no país que tanta sabedoria tem exportado ao Ocidente.
Durante quase três décadas, um ex-médico chamado Narendra Dabholkar viajou de aldeia em aldeia na Índia, travando uma guerra pessoal contra o mundo dos espíritos. Seu objetivo era incutir o ceticismo científico no coração da Índia, país que ainda é cheio de gurus, "babas", astrólogos, homens divinos e outros empreendedores místicos”.
Seu Estado natal, Maharashtra, estava considerando uma legislação que ele defendia há 14 anos, proibindo uma lista de práticas como o sacrifício de animais, o tratamento mágico de picadas de cobra e a venda de pedras mágicas. Dr. Dabholkar mexeu com o tabu. Ou melhor, com o mercado dos gurus. Em 20 de agosto, dois homens o mataram a tiros quando ele cruzava uma ponte. Em Poona.
“O assassinato do doutor Dabholkar é o último episódio em uma luta milenar entre tradicionalistas e reformadores na Índia. Quando os detetives começaram a montar uma lista dos inimigos de Dabholkar, descobriram que ela era longa. Ele tinha recebido ameaças de grupos de extrema direita hindus, sido espancado por seguidores de gurus irritados e contestado por conselheiros que defendem leis arcaicas sobre castas”.
Os pacíficos gurus nem sempre são pacíficos. Morte a quem ameaça privá-los de um mercado alimentado pela ignorância e superstição.
07 de setembro de 2013
janer cristaldo
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