"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 29 de março de 2018

ABRIR É PRECISO

Quanto mais se investe, mais se aumenta a capacidade produtiva e, portanto, mais é possível crescer
A imprensa brasileira noticiou, mas a repercussão também foi grande entre os jornais internacionais de grande circulação. O New York Times e o Wall Street Journal, entre outros, fizeram excelentes matérias sobre o igualmente excelente estudo produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) intitulado “Abertura Comercial para o Desenvolvimento Econômico”. Trata-se de relatório com evidências conclusivas sobre os benefícios que a maior abertura do comércio trariam ao País.

É certo que, de um lado, discutir abertura comercial em momento de rompantes protecionistas mundo afora, sobretudo na maior economia do planeta, os EUA, não é fácil. Por outro lado, como mostraram os países integrantes do repaginado Acordo Transpacífico (TPP), agora conhecido por sua nova sigla, CPTPP, é possível avançar na integração do comércio e do investimento sem a liderança dos Estados Unidos.

Mais do que isso, neste momento em que o governo Trump prepara medidas duras contra a China, e a China finca posição, é importante que países se protejam dos projéteis não fugindo do comércio, mas aderindo a ele. Afinal, a verdade é que ainda que ocorra algo da guerra comercial que todos hoje temem, o mundo e a indústria já não funcionam mais com peças isoladas. Ao contrário, a simbiose é completa. Não à toa, multinacionais americanas que dependem do comércio com empresas chinesas fabricantes de partes, componentes, e tecnologia, tão assustadas estão com a perspectiva de que a quixotesca guerra de Trump acabe tendo inúmeras consequências indesejáveis para os empregos, para o investimento, para o crescimento dos EUA.

Voltando ao Brasil, o relatório da SAE traz dados e números reveladores da extensão do isolamento brasileiro. Traz, também, análise lúcida sobre os efeitos que teria uma redução horizontal de nossas barreiras comerciais sobre a economia brasileira. Pode-se discutir uma ou outra hipótese, mas os resultados falam por si: tirar o Brasil do autoisolamento criaria empregos, traria investimentos, melhoraria as perspectivas de crescimento e desenvolvimento do País.

Basta olhar para todos os países asiáticos que souberam usar a abertura comercial a seu favor – o Japão nos anos 50, a Coreia e Taiwan nos anos 60 e 70, a China nos anos 90 e 2000. Durante as diferentes fases em que essas economias se abriram, o crescimento veio de forma rápida, forte, e sustentável. Na contramão, o Brasil e outros países latino-americanos, amarrados ao velho modelo de substituição de importações e de reserva de mercado, jamais obtiveram sucesso que chegasse aos pés do que se viu do outro lado do mundo.

Ainda cambaleante após a recessão de 2015-2016 e sem grandes perspectivas pela frente, o momento é particularmente oportuno para discutir a abertura brasileira. Há poucas semanas, a Camex reduziu temporariamente para zero as alíquotas sobre mais de 780 produtos que não têm equivalente nacional. A medida é bem-vinda, mas há que se fazer mais. O governo cogita a adoção de uma ampla redução de tarifas de importação de bens de capital mais abrangente e de caráter permanente, afetando não apenas produtos que não possuem equivalente nacional, mas também aqueles que o Brasil hoje produz. Evidentemente, há quem não tenha gostado da ideia, chamando-a de polêmica.

Mas para além dos interesses desses grupos, para os quais as tarifas reduzidas levariam ao enfrentamento de problemas de falta de competitividade, estão os interesses do País. É bem conhecida a relação entre importações de bens de capital e investimento: quanto maior a capacidade de importar esses produtos, mais se investe. E quanto mais se investe, mais se aumenta a capacidade produtiva e, portanto, mais é possível crescer.

A taxa de investimento do Brasil, hoje, é de míseros 15,6% – muitos pontos porcentuais aquém dos almejados 20% a 25% compatíveis com altas do PIB de 4% a 5%. A ambiciosa redução de tarifas proposta pelo governo tornaria mais barato importar máquinas e equipamentos, incentivando o investimento, além de ajudar a promover transferências de tecnologia de que tanto necessitamos para aumentar a produtividade.

Abrir é preciso. Lutar contra o óbvio não é preciso.

Monica de bolle, Estadão
* ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

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