"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

A RESPONSABILIDADE DO JUDICIÁRIO

O fundamento para o respeito às decisões judiciais não é a autoridade do magistrado. A decisão se fundamenta na lei, votada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo

Na sessão solene de abertura do Ano Judiciário de 2018, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, fez uma enfática defesa do Poder Judiciário: “Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial pela qual se aplica o direito. Pode-se buscar reformá-la, pelos meios legais e nos juízos competentes. O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la”.

Na defesa do Judiciário, a ministra recorreu a Ruy Barbosa para lembrar a importância do respeito à lei. “Não há civilização nacional enquanto o direito não assume a forma imperativa, traduzindo-se em lei. A lei é, pois, a divisória entre a moral e a barbárie”, disse ela, citando o Águia de Haia.

A presidente do STF não mencionou, no entanto, que é o Poder Judiciário que, com frequência crescente, descumpre as leis, criando-as à revelia do Congresso, instituição moldada para legislar. Foi o que mostrou o professor Conrado Hübner Mendes, no artigo STF, vanguarda ilusionista, publicado no jornal Folha de S.Paulo, onde expôs as mazelas da Justiça brasileira, em especial da Suprema Corte.

As decisões da Justiça devem ser respeitadas. Mas é igualmente certo que, em primeiro lugar, quem deve respeitar a lei é o juiz. O fundamento para o respeito às decisões judiciais não é a autoridade do magistrado, como se sua voz tivesse um valor especial por si só. A decisão da Justiça tem seu fundamento na lei, votada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo.

A ministra Cármen Lúcia disse que “o Judiciário aplica a Constituição e a lei”. Ele deve aplicar a Constituição e a lei, mas, nos tempos atuais, não é isso o que se tem visto. Tanto é assim que, no mesmo dia em que a presidente do STF abriu o Ano Judiciário de 2018, o ministro Luís Roberto Barroso, em claro desrespeito às competências previstas na Constituição, manteve a suspensão parcial do indulto de Natal do presidente Michel Temer. Barroso repetia o equívoco cometido pela própria ministra Cármen Lúcia, ao conceder uma liminar sobre o caso durante o período de recesso.

Tem razão a ministra Cármen Lúcia ao recordar que todos os cidadãos devem respeitar as decisões judiciais. Mas é fundamental que o Poder Judiciário respeite, além das leis, o cidadão que entrega seu destino, nos planos pessoal e social, ao aparelho judicial. E muitas vezes essa confiança não vem sendo correspondida. Tem se visto uma contínua invasão de competências, com excessivo protagonismo judicial, como se a lei nascesse da cabeça do magistrado. Quando os juízes não aplicam a lei, há um claro desrespeito ao cidadão e ao País.

A agressão à República que ocorre quando não é a lei que rege a vida nacional, mas a cabeça de cada juiz, é ainda mais grave quando praticada pelo próprio STF. Nesse caso, a população fica absolutamente indefesa, sem ter a quem recorrer. O problema é real e vem causando enorme dano ao País. Há mais de três anos, por exemplo, o ministro Luiz Fux concedeu liminares estendendo o auxílio-moradia a todos os desembargadores e juízes do País, além dos procuradores do Ministério Público da União e promotores dos Ministérios Públicos estaduais. A decisão monocrática de Fux, que até hoje não foi julgada pelo plenário do STF, custa, apenas à União, mais de R$ 430 milhões por ano. Tal privilégio, além de imoral, é especialmente danoso aos cofres públicos. E sobre tais abusos as mais altas autoridades da Justiça não se fazem ouvir.

Em diversas ocasiões, o Judiciário tem sido o primeiro a legislar e a determinar políticas públicas. Levanta-se como o grande moralizador do País. Mas não se vê essa disposição em relação aos assuntos de sua seara. A Justiça continua tarda e falha, entra década, sai década, e não se vê nos mais elevados juizados a disposição para solucionar este que é um gravíssimo defeito seu, embora sobre energia para interferir no campo alheio.

“Façamos com que 2018 seja tempo de superação em nossa dificultosa história de adiantes e retornos, para que fases mais tristes sejam apenas memórias de dias de tormenta passada”, disse a presidente do STF. É cristalina a necessidade de abreviar essa “dificultosa história de adiantes e retornos”. Por isso mesmo não cabe à Justiça ignorar que, nos últimos tempos, tem contribuído para muitos retrocessos.

Devemos, sim, todos os brasileiros, respeitar a Justiça – e esperar, na mesma medida, que ela respeite cada um do povo.


02 de fevereiro de 2018
Editorial Estadão


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