O Estado do bem-estar social, criado pela Constituição de 1988, consome tantos recursos quanto seus equivalentes em países desenvolvidos. No entanto, os serviços oferecidos aos cidadãos diferem visivelmente, e qualquer paciente de hospital público ou aluno da rede pública no Brasil intui logo que não está na Noruega – exemplo de Estado do bem-estar social que consegue ser muito mais eficiente que o brasileiro gastando menos em relação ao PIB.
A explicação para essa distorção, dada pelo secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, ao jornal Valor, é apenas uma: o rombo da Previdência, que drena os recursos que deveriam financiar educação, saúde e outras necessidades sociais. Assim, é espantoso que alguns dos mais barulhentos defensores da manutenção do Estado do bem-estar social estejam igualmente na vanguarda da defesa do atual sistema previdenciário, que é deficitário porque estimula aposentadorias precoces e porque privilegia escandalosamente a elite do funcionalismo público. Essa situação traz graves prejuízos para o conjunto dos contribuintes, em vários aspectos.
O problema mais imediato é a necessidade de recorrer ao dinheiro dos impostos para cobrir o rombo da Previdência, que em 2017, até outubro, alcançou R$ 257 bilhões, 12% superior ao déficit de 2016. Um levantamento feito pela Folha de S.Paulo mostra, por exemplo, que em 2017, até outubro, cada servidor civil da União aposentado recebeu dos contribuintes incríveis R$ 63,3 mil, dinheiro que deveria ter sido destinado a outros fins – e o que não falta, no Brasil, são setores importantes carentes de recursos. Os impostos cobrem o déficit dos sistemas previdenciários público e do INSS, mas os grandes destinatários são mesmo os servidores inativos – os da União recebem 13 vezes mais do que os aposentados pelo INSS, enquanto os dos Estados ganham 8 vezes mais. Assim, está mais do que evidente que uma reforma da Previdência, para ser efetiva, deve atacar essa distorção.
É claro que os que hoje se dedicam a sabotar a reforma da Previdência não estão preocupados com o fato de que o déficit do sistema impede que as demais demandas sociais previstas na Constituição sejam atendidas. Ainda que a Previdência não tivesse tal rombo, a ambição do texto constitucional já seria bastante imprudente, pois, como dizia o economista Roberto Campos, “a Constituição promete-nos uma seguridade social sueca com recursos moçambicanos”. O fato é que, com a Previdência a mobilizar grande parte dos recursos públicos para sua solvência, pouco resta para fazer cumprir o que a Constituição promete.
O Brasil gasta o equivalente a 25,7% do PIB com o seu Estado do bem-estar social, enquanto na Noruega esse dispêndio é de 25,1%; na Alemanha, de 25,3%; e na Grã-Bretanha, de 21,5%. No entanto, mais da metade desse gasto no Brasil, informa o secretário Mansueto Almeida, é destinada à Previdência, que ficou com 13% do PIB em 2016, contra 6% para a educação e 4,5% para a saúde. Ou seja, investimos pesado no passado e muito pouco no futuro.
Como resultado, setores considerados essenciais pela Constituição ficam, na prática, com menos recursos. O Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, prevê saúde integral, gratuita e universal, mas apenas 50% do dinheiro gasto nesse setor é público. Mansueto Almeida compara com o sistema britânico, que não é integral – isto é, não cobre todos os procedimentos –, mas ainda assim 85% dos gastos com saúde na Grã-Bretanha são públicos.
A questão de fundo, portanto, é a própria viabilidade do Estado do bem-estar social tal como previsto na Constituição. É preciso aceitar o fato de que nem todos os benefícios e direitos gravados no texto constitucional resultam em ganhos para o País – ao contrário, as distorções graves em alguns setores, como a Previdência, chegam a comprometer a realização de todo o resto. Política social não pode ser resultado apenas de vontade; é preciso que sua implementação respeite a matemática, que costuma ser implacável com os imprevidentes.
15 de janeiro de 2018
Editorial Estadão
A explicação para essa distorção, dada pelo secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, ao jornal Valor, é apenas uma: o rombo da Previdência, que drena os recursos que deveriam financiar educação, saúde e outras necessidades sociais. Assim, é espantoso que alguns dos mais barulhentos defensores da manutenção do Estado do bem-estar social estejam igualmente na vanguarda da defesa do atual sistema previdenciário, que é deficitário porque estimula aposentadorias precoces e porque privilegia escandalosamente a elite do funcionalismo público. Essa situação traz graves prejuízos para o conjunto dos contribuintes, em vários aspectos.
O problema mais imediato é a necessidade de recorrer ao dinheiro dos impostos para cobrir o rombo da Previdência, que em 2017, até outubro, alcançou R$ 257 bilhões, 12% superior ao déficit de 2016. Um levantamento feito pela Folha de S.Paulo mostra, por exemplo, que em 2017, até outubro, cada servidor civil da União aposentado recebeu dos contribuintes incríveis R$ 63,3 mil, dinheiro que deveria ter sido destinado a outros fins – e o que não falta, no Brasil, são setores importantes carentes de recursos. Os impostos cobrem o déficit dos sistemas previdenciários público e do INSS, mas os grandes destinatários são mesmo os servidores inativos – os da União recebem 13 vezes mais do que os aposentados pelo INSS, enquanto os dos Estados ganham 8 vezes mais. Assim, está mais do que evidente que uma reforma da Previdência, para ser efetiva, deve atacar essa distorção.
É claro que os que hoje se dedicam a sabotar a reforma da Previdência não estão preocupados com o fato de que o déficit do sistema impede que as demais demandas sociais previstas na Constituição sejam atendidas. Ainda que a Previdência não tivesse tal rombo, a ambição do texto constitucional já seria bastante imprudente, pois, como dizia o economista Roberto Campos, “a Constituição promete-nos uma seguridade social sueca com recursos moçambicanos”. O fato é que, com a Previdência a mobilizar grande parte dos recursos públicos para sua solvência, pouco resta para fazer cumprir o que a Constituição promete.
O Brasil gasta o equivalente a 25,7% do PIB com o seu Estado do bem-estar social, enquanto na Noruega esse dispêndio é de 25,1%; na Alemanha, de 25,3%; e na Grã-Bretanha, de 21,5%. No entanto, mais da metade desse gasto no Brasil, informa o secretário Mansueto Almeida, é destinada à Previdência, que ficou com 13% do PIB em 2016, contra 6% para a educação e 4,5% para a saúde. Ou seja, investimos pesado no passado e muito pouco no futuro.
Como resultado, setores considerados essenciais pela Constituição ficam, na prática, com menos recursos. O Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, prevê saúde integral, gratuita e universal, mas apenas 50% do dinheiro gasto nesse setor é público. Mansueto Almeida compara com o sistema britânico, que não é integral – isto é, não cobre todos os procedimentos –, mas ainda assim 85% dos gastos com saúde na Grã-Bretanha são públicos.
A questão de fundo, portanto, é a própria viabilidade do Estado do bem-estar social tal como previsto na Constituição. É preciso aceitar o fato de que nem todos os benefícios e direitos gravados no texto constitucional resultam em ganhos para o País – ao contrário, as distorções graves em alguns setores, como a Previdência, chegam a comprometer a realização de todo o resto. Política social não pode ser resultado apenas de vontade; é preciso que sua implementação respeite a matemática, que costuma ser implacável com os imprevidentes.
15 de janeiro de 2018
Editorial Estadão
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