"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

JUROS, CORDIALIDADE E USURA NOS CRÉDITOS SUBSIDIADOS DO BNDES

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Charge do Humberto (Arquivo Google)
A discussão sobre a extinção da TJLP (que deve ser entendida como “juros especialmente baixos cobrados pelo BNDES”) tem sido extraordinariamente emocional e reveladora. Está em jogo um assunto muito antigo, que remonta ao menos a 1933, quando o governo revolucionário introduziu a Lei da Usura, limitando os juros a 12% e proibindo os juros compostos. Por ocasião do anúncio da medida, O Globo (de 07.04.1933) trazia uma esclarecedora entrevista com o ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha: – O combate à usura atinge toda e qualquer operação de crédito?
– Não. O objetivo do governo é auxiliar os que trabalham nos campos pondo fim aos exageros dos juros que, de agora em diante, não serão mais capitalizados. O decreto é resultado de velhos estudos e prepara o caminho para um verdadeiro banco hipotecário e agrícola.
“PROCRIAÇÃO DO CAPITAL” – A fala do ministro esclarecia que o problema não era com a usura em si, ou seja, com a “procriação do capital dinheiro” ou com o pecado mortal de “roubar o tempo” (transcorrido entre o empréstimo e sua restituição) que só pertence a Deus. Em nenhum momento foi lembrado que os usurários e sodomitas estão na mesma cava do inferno de Dante.
O problema era salvar a lavoura endividada, tanto que se seguiram diversas medidas a compor o programa conhecido como o Reajustamento Econômico, inspirado no Agricultural Adjustment Act americano, uma das principais iniciativas do New Deal.
Entretanto, a inesperadamente longa vigência da Lei da Usura, que só foi afastada do sistema financeiro em 1964, teve uma influência inesperada e duradoura.
COMO EM VENEZA – Sedimentaram-se duas esferas para o crédito no Brasil, tal como na Veneza do famoso mercador da peça de Shakespeare: a esfera da economia do favor (e da reciprocidade), e outra da informalidade, ou do gueto judeu, onde o custo do dinheiro era fixado pelas profanas leis da oferta e da procura.
A tensão entre essas duas esferas (a economia cordial e a de mercado) é o assunto central dessa peça, cuja atualidade dá saltos mortais diante de nossos olhos.
A dualidade no crédito era como a que separava o câmbio oficial do paralelo, ou a que opunha os que haviam conquistado a graça da correção monetária e os que ficavam expostos aos rigores da inflação.
CRÉDITO SELETIVO – O “seletivismo” é um demônio de muitas faces, mas que vinha encolhendo no terreno do crédito até a Nova Matriz reverter a tendência: o estoque de crédito “direcionado” cresceu de 12,9% do PIB em 2008 para 26,4% em 2013, enquanto o crédito livre se manteve estável na faixa de 27% do PIB no período.
Portanto, metade do crédito concedido no Brasil ocorre no terreno da cordialidade. A outra metade se dá em condições de mercado para as pessoas (físicas e jurídicas) comuns e, portanto, custa muito mais caro.
Em média, para 2014-2016, o spread bancário foi de 3,4% para o crédito direcionado e de 32,6% para o crédito livre. Para o crédito para pessoas físicas pior ainda: 3,1% para os spreads no crédito direcionado e 46,8% para o livre, ou seja, os bancos, se captam em média a 10%, emprestam a 13,1% para os campeões e a 56,8% para o restante das pessoas.
MEIA-ENTRADA – Que fique claro, portanto, que o crédito subsidiado e cordial acaba se tornando um imposto sobre o crédito livre, pois, como se sabe, para toda “meia-entrada” há sempre uma entrada em dobro.
O “seletivismo” no crédito é nefasto, fomenta a desigualdade (basta ver quem recebe), não neutraliza a imoralidade dos juros, pelo contrário, aguça o problema. O BNDES é apenas um dos agentes do “seletivismo” no crédito, e cuja particularidade é a de transferir a seus mutuários a “generosidade” do FAT o qual, por sua vez, é alimentado por dinheiro do contribuinte e está constitucionalmente obrigado a emprestar ao menos 40% de seus recursos ao BNDES com remuneração “que lhe preserve o valor” (§1, Art.239).
HÁ SUBSÍDIO – A ideia de que não há subsídio nesse mecanismo pois não há “custo de oportunidade”, ou “uso alternativo” para esses recursos, é uma das maiores bobagens que o signatário já viu circular nos últimos tempos.
É ótimo começar o desmonte desses monumentos à cordialidade pelo BNDES, desde que não pare por aí.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – Muito oportuno o artigo de Gustavo Franco, enviado por Mário Assis Causanilhas. É evidente que o crédito do BNDES é subsidiado e sempre beneficiou empresários que eram amigos dos locatários do Planalto. É hora de repensar o sistema, facilitando crédito barato para novos empreendimentos de interesse nacional e cujos resultados tragam benefícios diretos ao Tesouro, através de participação acionária. Micros e pequenas empresas também precisam ser prestigiadas com o Cartão BNDES, cujos juros sempre foram maiores do que os cobrados aos amigos dos locatários(C.N.)


29 de agosto de 2017
Gustavo Franco
O Globo

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