"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

RASGARAM OS MANUAIS

Nos últimos 11 dias se sucederam decisões precipitadas, fora dos procedimentos esperados, por motivos nem sempre nobres.

Frequentemente, elabora-se alguma tese sobre a lógica e os interesses das decisões.

A política e seus desdobramentos, porém, nem sempre decorrem de grandiosas estratégias ou de movimentos conspiratórios. Cabe não desprezar a possibilidade de incompetência, erro operacional ou motivos mais comezinhos, como a simples vaidade.

Tudo começou com uma notícia no jornal "O Globo". A reportagem afirmava que Temer teria explicitamente consentido no pagamento a um possível delator em troca de seu silêncio. No dia seguinte, os principais jornais confirmaram o encontro.

Não resta dúvida de que há muito a investigar nas ações do presidente. Não se recebe empresário sem testemunha em casa à noite, ainda mais com as suspeitas que cercam os participantes.

Mais tarde, a gravação foi apresentada. Indicava fatos graves e duas surpresas. Certamente havia conversas que, se comprovadas, revelam prevaricação do presidente. Afinal, o empresário sugeria o cometimento de crimes.

A primeira surpresa foi que, no diálogo, não havia a anuência explícita à compra do silêncio. A imprensa atropelara as melhores práticas, que requerem reportar precisamente o que se pode afirmar –nesse caso, verificando a gravação original ou checando a notícia com fontes independentes.

A reportagem de "O Globo" foi publicada e repercutida por outros veículos sem que fosse verificada a veracidade do diálogo e sem que isso fosse deixado claro para os leitores. Credibilidade arranhada.

Nos dias seguintes, a segunda surpresa. A gravação não fora objeto de perícia oficial e as primeiras análises sugeriam edição. Nada que não pudesse ser esclarecido caso a gravação tivesse sido periciada previamente, como recomendável.

Na sequência das críticas à condução do processo, foram liberadas mais de 2.000 gravações feitas durante a investigação. No meio, várias sem relação com a ocorrência de crimes, como uma em que um jornalista conversa com a sua fonte. Divulgá-la fere a Constituição.

Não houve a necessária análise prévia de quais gravações eram relevantes para a investigação. Mais uma vez a precipitação, qualquer que seja o seu motivo, resultou em atropelo das boas práticas e feriu a norma legal.

Tempos conturbados e a gravidade dos problemas não justificam os excessos ocasionais que resultam em vítimas inocentes, como Reinaldo Azevedo.

O combate à corrupção tem permitido enfrentar práticas inaceitáveis da nossa constrangedora realidade. Fortalecer o Estado de Direito passa também por reconhecer os equívocos recentes.


31 de maio de 2017
Marcos Lisboa, Folha de SP

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