Nos últimos 11 dias se sucederam decisões precipitadas, fora dos procedimentos esperados, por motivos nem sempre nobres.
Frequentemente, elabora-se alguma tese sobre a lógica e os interesses das decisões.
A política e seus desdobramentos, porém, nem sempre decorrem de grandiosas estratégias ou de movimentos conspiratórios. Cabe não desprezar a possibilidade de incompetência, erro operacional ou motivos mais comezinhos, como a simples vaidade.
Tudo começou com uma notícia no jornal "O Globo". A reportagem afirmava que Temer teria explicitamente consentido no pagamento a um possível delator em troca de seu silêncio. No dia seguinte, os principais jornais confirmaram o encontro.
Não resta dúvida de que há muito a investigar nas ações do presidente. Não se recebe empresário sem testemunha em casa à noite, ainda mais com as suspeitas que cercam os participantes.
Mais tarde, a gravação foi apresentada. Indicava fatos graves e duas surpresas. Certamente havia conversas que, se comprovadas, revelam prevaricação do presidente. Afinal, o empresário sugeria o cometimento de crimes.
A primeira surpresa foi que, no diálogo, não havia a anuência explícita à compra do silêncio. A imprensa atropelara as melhores práticas, que requerem reportar precisamente o que se pode afirmar –nesse caso, verificando a gravação original ou checando a notícia com fontes independentes.
A reportagem de "O Globo" foi publicada e repercutida por outros veículos sem que fosse verificada a veracidade do diálogo e sem que isso fosse deixado claro para os leitores. Credibilidade arranhada.
Nos dias seguintes, a segunda surpresa. A gravação não fora objeto de perícia oficial e as primeiras análises sugeriam edição. Nada que não pudesse ser esclarecido caso a gravação tivesse sido periciada previamente, como recomendável.
Na sequência das críticas à condução do processo, foram liberadas mais de 2.000 gravações feitas durante a investigação. No meio, várias sem relação com a ocorrência de crimes, como uma em que um jornalista conversa com a sua fonte. Divulgá-la fere a Constituição.
Não houve a necessária análise prévia de quais gravações eram relevantes para a investigação. Mais uma vez a precipitação, qualquer que seja o seu motivo, resultou em atropelo das boas práticas e feriu a norma legal.
Tempos conturbados e a gravidade dos problemas não justificam os excessos ocasionais que resultam em vítimas inocentes, como Reinaldo Azevedo.
O combate à corrupção tem permitido enfrentar práticas inaceitáveis da nossa constrangedora realidade. Fortalecer o Estado de Direito passa também por reconhecer os equívocos recentes.
31 de maio de 2017
Marcos Lisboa, Folha de SP
Frequentemente, elabora-se alguma tese sobre a lógica e os interesses das decisões.
A política e seus desdobramentos, porém, nem sempre decorrem de grandiosas estratégias ou de movimentos conspiratórios. Cabe não desprezar a possibilidade de incompetência, erro operacional ou motivos mais comezinhos, como a simples vaidade.
Tudo começou com uma notícia no jornal "O Globo". A reportagem afirmava que Temer teria explicitamente consentido no pagamento a um possível delator em troca de seu silêncio. No dia seguinte, os principais jornais confirmaram o encontro.
Não resta dúvida de que há muito a investigar nas ações do presidente. Não se recebe empresário sem testemunha em casa à noite, ainda mais com as suspeitas que cercam os participantes.
Mais tarde, a gravação foi apresentada. Indicava fatos graves e duas surpresas. Certamente havia conversas que, se comprovadas, revelam prevaricação do presidente. Afinal, o empresário sugeria o cometimento de crimes.
A primeira surpresa foi que, no diálogo, não havia a anuência explícita à compra do silêncio. A imprensa atropelara as melhores práticas, que requerem reportar precisamente o que se pode afirmar –nesse caso, verificando a gravação original ou checando a notícia com fontes independentes.
A reportagem de "O Globo" foi publicada e repercutida por outros veículos sem que fosse verificada a veracidade do diálogo e sem que isso fosse deixado claro para os leitores. Credibilidade arranhada.
Nos dias seguintes, a segunda surpresa. A gravação não fora objeto de perícia oficial e as primeiras análises sugeriam edição. Nada que não pudesse ser esclarecido caso a gravação tivesse sido periciada previamente, como recomendável.
Na sequência das críticas à condução do processo, foram liberadas mais de 2.000 gravações feitas durante a investigação. No meio, várias sem relação com a ocorrência de crimes, como uma em que um jornalista conversa com a sua fonte. Divulgá-la fere a Constituição.
Não houve a necessária análise prévia de quais gravações eram relevantes para a investigação. Mais uma vez a precipitação, qualquer que seja o seu motivo, resultou em atropelo das boas práticas e feriu a norma legal.
Tempos conturbados e a gravidade dos problemas não justificam os excessos ocasionais que resultam em vítimas inocentes, como Reinaldo Azevedo.
O combate à corrupção tem permitido enfrentar práticas inaceitáveis da nossa constrangedora realidade. Fortalecer o Estado de Direito passa também por reconhecer os equívocos recentes.
31 de maio de 2017
Marcos Lisboa, Folha de SP
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