Leandro Narloch escreve suas três razões para preferir Hillary, sobre Trump:
A primeira razão é a prudência. “A prudência é a rainha das virtudes políticas”, dizia Edmund Burke, o pai do conservadorismo britânico. Enquanto revolucionários franceses se embriagavam com a ideia de uma sociedade nova, “limpa” de tradições e baseada puramente na razão, Burke dizia não valer a pena arriscar a paz e a prosperidade que já possuímos em nome de uma revolução com resultados duvidosos.
Na eleição americana, Trump é o revolucionário a gritar bravatas que o povo gosta. Hillary é a opção para quem quer manter a ordem, a continuidade e a estabilidade, essas coisas que os conservadores nos ensinaram a apreciar.
Segundo motivo: Trump se exibe, de um modo bem latino-americano, como o redentor, o iluminado, o salvador da pátria. Fere assim a posição mais elegante do conservadorismo: o ceticismo, a desconfiança diante da perfectibilidade, da sociedade perfeita, do político ideal.
Eu sei, Hillary tem um discursinho de esquerda contrário à globalização. Mas ela só propaga esse discurso porque os eleitores querem ouvi-lo – e acredita nele muito menos que Trump, este sim, tão à esquerda na economia quanto Dilma Rousseff.
O terceiro e principal motivo conservador é que Hillary é puro tédio. Nem ela própria deve se aguentar, de tão pouco interessante. E, se Burke me permite, o tédio é o príncipe das virtudes políticas. A capacidade de um político de produzir devastação é muito maior que a de melhorar o mundo. Mas políticos entediantes tem uma capacidade de destruição bem menor que os sedutores de multidões. Quanto mais entediante, previsível e apegado à estabilidade for um político, mais deveria encantar os conservadores.
Enquanto isso, Joel Pinheiro escreve:
É preocupante ver o quanto o Partido Democrata se moveu para a esquerda nos últimos anos. Com Hillary eleita, teremos mais intervencionismo, mais redistribuição, menos abertura econômica e uma presença militar mais assertiva no resto do mundo (o que não necessariamente é ruim, considerando que a alternativa é mais poder para China ou Rússia).
Dito isso, é uma candidata extremamente preparada e que sabe o que quer. Alguém que efetivamente conhece e sabe navegar nas altas esferas de poder global.
Diferente de Trump.
‘The Donald’ é um charlatão de primeira linha. Um falastrão que não sabe nem o elementar sobre nenhum assunto relevante para a presidência. Um egomaníaco vaidoso, instável e zero confiável. Sua única qualidade é a enorme capacidade de vender a si mesmo. Em suma, o tipo de pessoa que queremos longe de qualquer cargo de responsabilidade.
Com Trump, os EUA serão um misto de Venezuela chavista e Itália fascista. Fechado, ufanista e cada vez mais atrasado. Quem diria que os Republicanos americanos no século 21 iriam querer reeditar nossa lei de informática…
Por isso, no debate de hoje à noite, estou torcendo para Hillary triturar o bobo da corte.
É apavorante ler tanto o trecho de Narloch como o de Joel, mas eles servem para nos dar uma dimensão do quão distante da realidade da guerra política alguns liberais e libertários estão. Eu, como simpático às várias ideias liberais e libertárias, só posso ler as afirmações de ambos com desgosto. E um tanto de desespero.
Nota-se que ambos estão alheios a qualquer perspectiva relacionada a processos de tomada de poder. Mas os processos de tomada e manutenção de poder simplesmente definem o que é a política. Logo, de que diabos ambos estão falando?
Por exemplo, Narloch diz que “Trump é o revolucionário, enquanto Hillary é prudente”. Mas isso não tem significado real, uma vez que “postura revolucionária” quase sempre não passa de uma ação de propaganda e não uma definição do que fazer no mundo. Na verdade, os que se declaram “revolucionários” normalmente não possuem nada de revolucionário. Assim, a conclusão de que Hillary tem maior possibilidade de “manter a ordem” veio sabe-se lá de onde, mas não da observação da realidade. Aliás, é Hillary que apoia a ação de grupos de vandalismo como o Black Lives Matter, e não Trump. De novo, de que universo Narloch fala?
O segundo motivo de Narloch é dizer que Trump aparece como “o redentor, o iluminado, o salvador da pátria”, mas, de novo, essa era a própria definição de Obama quando ele se reelegeu. E isso não impede que Narloch peça uma sequência do governo de Obama. Na verdade, todo candidato da situação parecerá menos “redentor e salvador” do que aquele que estiver querendo tirá-lo do poder. De novo, o motivo alegado por Narloch não existe.
Mas nada é pior que o terceiro motivo: “Hillary é puro tédio”. Novamente, um candidato de situação precisa transmitir essa postura, o que nada tem a ver com a realidade. O terceiro motivo, enfim, também não tem conexão com os fatos. Aliás, tediosa será a situação dos que forem para a cadeia, puramente por fazer oposição política, se o partido de Hillary conseguir um terceiro mandato agora e um quarto logo em seguida…
Mas Joel consegue argumentar de modo ainda mais bizarro. Segundo ele, Hillary “é uma candidata extremamente preparada e que sabe o que quer”.
Eu fico imaginando como Joel reagiria diante de um hacker querendo invadir a rede de um local em que ele trabalhe. Provavelmente, a preocupação dele seria “com o preparo do fraudador”. O duro é alguém explicar para ele que quanto mais “preparado”, mais facilmente o hacker vai roubar suas informações. Ou seja, o tal “preparo” de Hillary não serve para absolutamente nada na perspectiva de quem se protege do totalitarismo de esquerda. Se formos falar em termos de “preparo”, Dilma também foi muito “preparada”. Claro que o preparo dela se baseava em estabelecer projetos de aparelhamento estatal, no que ela foi sensacional (para ela e o PT) e terrível (para o Brasil).
A tal “crença no preparo” de um oponente que está contra você é uma coisa grotesca.
Realize a situação: Joel está num batalhão, prestes a se defrontar com um batalhão inimigo. Aí, enquanto nosso exército está se armando, ele diz: “Minha preocupação é se eles vão ter o preparo necessário ou não”. Alguém poderia respondê-lo: “Mas, Joel, se eles estiverem ‘preparados’, e essa é sua preocupação, isso não significa que eles podem nos abater mais facilmente?”. É aí que surge a “tela azul”, do Windows…
Mas tem mais. Segundo Joel, “com Trump, os EUA serão um misto de Venezuela chavista e Itália fascista”.
Só tem um detalhezinho: somente com Hillary é que os esquerdistas conseguirão estabelecer doze anos seguidos de um único partido com tendências autoritárias no poder. Somente com a vitória de Hillary é que os esquerdistas conseguirão nomear mais 3 (três) juízes da Suprema Corte.
Esse, enfim, é o mundo real, no qual a vitória de Hillary é péssima para a democracia. Trump pode ter todos os defeitos do mundo (e os possui em quantidade), mas ele não terá a capacidade de eleger três juízes da Suprema Corte que sejam esquerdistas. E grande parte dos problemas que a nossa democracia vive se deve ao fato de Lula e Dilma terem tido tempo para eleger tantos juízes do STF.
Esse é o mundo real, no qual a quantidade de juízes que cada um dos lados da batalha pode inserir na Suprema Corte deveria ser um dos fatores fundamentais para a escolha. Mas nem Narloch e nem Joel sequer tocaram neste assunto. Em resumo, eles simplesmente não estão prestando atenção nos processos de tomada de poder.
Provavelmente para ambos discutir política é apenas uma diversão, tal qual jogar Pokemon GO.
Que fique a reflexão. Ambos são inteligentes, mas escolheram emitir análises sem nenhuma conexão com o mundo real. E, pior, olham para a política sem qualquer referência aos processos de tomada de poder. Que triste.
10 de março de 2017
ceticismo político
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