A liminar do ministro Celso de Mello que reconduz Moreira Franco ao cargo de Ministro de Estado é decisão longa. Não chega a relembrar a infância de Winston Churchill, como esperou que assim fosse um leitor da Tribuna da Internet, mas é decisão longa. Tem 25 páginas. Longa e tortuosa. Resumi-la aqui é impossível, por causa do espaço. Então vamos aos pontos centrais que tornam a decisão capenga, contraditória e frágil.
A decisão começa mostrando a impossibilidade da utilização do Mandado de Segurança impetrado por partido político para defender direitos difusos, direitos transindividuais, como é o caso da Rede Sustentabilidade e do PSOL, autores dos dois Mandados de Segurança decididos por Celso de Mello.
PRECEDENTES DESFAVORÁVEIS – O ministro cita e transcreve precedentes do próprio STF reconhecendo que partido político não tem qualidade para agir junto à Justiça através de Mandado de Segurança, na defesa de direitos difusos. E para enriquecer sua visão quanto à imprestabilidade dos Mandados de Segurança da Rede e do PSOL para impedir a investidura de Moreira Franco como Ministro de Estado, Celso de Mello transcreveu, como precedentes, as decisões que o STF tomou ao julgar o Recurso Extraordinário nº 196.184/AM, da relatoria da Ministra Ellen Gracie, o Mandado de Segurança nº 34.196/DF, da relatoria do ministro Roberto Barroso, o Mandado de Segurança nº 33.738/DF, relatora Ministra Cármen Lúcia, e outras decisões do STF nos Mandados de Segurança nºs 22.764-00/DF e os Recursos Extraordinários nºs 566.928/RJ e 196.184/AM. Todas não admitindo Mandado de Segurança da parte de partido político para defesa de direitos dos cidadãos brasileiros.
AVANÇOU QUANDO NÃO DEVERIA – Considerando que os Mandados de Segurança da Rede e do PSOL tiveram como objetivo anular o decreto do presidente Temer que nomeou Moreira ministro, Celso de Mello não poderia nem deveria ter ido adiante. Cumpria ao ministro julgar os Mandados de Segurança prejudicados e extintos por se tratarem de remédios jurídicos inadequados. Mas, não, O ministro Celso escreveu, para surpresa de quem lê e do mundo jurídico:
“Essa questão prévia, que será apreciada em momento oportuno, constitui fator que fragiliza a configuração, no caso, da plausibilidade jurídica do pedido formulado pela agremiação partidária impetrante, pois como se extrai dos precedentes acima referidos, falecer-lhe-ia até mesmo legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança”.
Ora, senhor ministro, se a via eleita não serve, é imprópria e não leva ao lugar pretendido, por que razão o senhor prosseguiu?. E qual será o “momento oportuno” para reconhecer a impropriedade do Mandado de Segurança a não ser o momento em que o senhor decidiu sobre a liminar?
Por isso se diz que sua decisão é capenga. Reconhece que o remédio não é o indicado e mesmo assim adotou e prescreveu para o paciente.
SÍNTESE ERRADA – Na decisão o senhor escreveu o que denominou de “Síntese do litígio submetido ao Supremo Tribunal Federal”. E ao sintetizar, sintetizou errado. Veja só o que o senhor escreveu como sendo a síntese dos dois Mandados de Segurança: “A controvérsia suscitada na presente causa mandamental cinge-se a uma questão específica, que pode ser resumida na seguinte indagação: a nomeação de alguém para o cargo de Ministro de Estado, mesmo preenchidos os requisitos previstos no art. 87 da Constituição da República, configuraria hipótese de desvio de finalidade pelo fato de importar — segundo sustenta o impetrante — em obstrução aos atos de investigação criminal supostamente provocada em razão de o Ministro de Estado dispor de prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal?”
A QUESTÃO É OUTRA – É óbvio que a resposta é negativa. Não há desvio de finalidade quando o presidente da República chama e nomeia fulano ou sicrano para ser ministro de Estado. É da sua competência. É do seu múnus presidencial. Acontece, ministro Celso de Mello, que esse “alguém” é nada mais, nada menos, Moreira Franco (Wellington Moreira Franco), citado 34 vezes por um dos 77 delatores da Lava Jato, através de regular processo de delação premiada que tramitou de acordo com a lei e que foi homologado pela ministra presidente do STF.
Um dos 77 delatores apontou Moreira Franco como beneficiário de dinheiro sujo. Falta saber o que disseram os outros 76 depoentes. E mais, ministro Celso: Temer, logo após a divulgação do nome de Moreira, recriou por Medida Provisória (que exige o pressuposto de relevância e urgência) a Secretaria-Geral da Presidência da República e ato contínuo nomeou Moreira ministro de Estado!
A PROVA DAS PROVAS – As circunstâncias falam mais alto, ministro. As circunstâncias são a prova das provas incontestáveis do desvio de finalidade. Porque a finalidade não era a necessidade administrativa de ter Moreira como ministro de Estado, mas de afastar Moreira do juiz federal Sérgio Moro, que manda prender políticos e empresários corruptos, antes intocáveis, ao passo que o STF leva décadas para concluir investigação e processo criminal contra aqueles que desfrutam do privilégio de foro.
O senhor não viu essa intenção que todo o povo brasileiro viu, ministro Celso? O deslocamento do foro comum para o privilegiado, como é o caso do STF, e que representa um presentão para Moreira, não significa obstruir a ação da Justiça. Mas, verdade seja dita, até que a Justiça seja feita da parte do STF, que a demora é expressiva, é. Que demora, demora. E demora muito! Chega a prescrever a pretensão punitiva, se o investigado e/ou acusado não morrer antes (ou mesmo o ministro-relator). E deixando de lado a impropriedade cabal do Mandado de Segurança, mesmo assim o senhor avançou e decidiu sobre a liminar, favoravelmente a Moreira. Por que agiu assim, ministro Celso?
QUE O PLENÁRIO DECIDISSE – Isso não foi bonito, ministro. Menos ainda sensato. Por que, então, o senhor não levou o Mandado de Segurança para ser decidido pelo plenário do STF? Seria a oportunidade para que seus 9 pares também decidissem sobre tudo, ou seja, a impropriedade ou não do Mandado de Segurança impetrado por partido político e o deferimento ou não da liminar. Era só expor a situação à presidente Cármen Lúcia e julgar os dois Mandados de Segurança na sessão plenária de hoje, quarta-feira.
E se o senhor não viu desvio de finalidade, o senhor também não enxergou imoralidade administrativa na nomeação de Moreira nas circunstâncias em que foi nomeado? A Constituição da República não exige que os atos da administração sejam também marcados pela moralidade administrativa? Para o senhor, ministro Celso de Mello, foi regular, natural, moral, decente, pura, cândida e proba a nomeação de Moreira Franco para ministro de Estado?
E quando o ato do administrador fere a moralidade administrativa, a Justiça não deve cassá-lo, anulá-lo e retirá-lo do mundo jurídico, tal como fizeram três magistrados federais, de Brasília, do Rio e do Amapá?
15 de fevereiro de 2017
Jorge Béja
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