"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O QUE A INTELIGÊNCIA NÃO É

James Bond? Só no cinema...

Atualmente - do mesmo modo que "integração", "comunidade" e outras -, uma das palavras da moda é "Inteligência".

O jornalista Percival de Souza reproduziu, na página 368 do seu livro "Autópsia do Medo", esta afirmação atribuída a um instrutor da antiga Escola Nacional de Informações (EsNI): "Poucos falam de filosofia, mas todos dela entendem. Todos falam de política, mas poucos dela entendem. Poucos entendem de Informações, mas todos delas falam."

O jornalista não identificou o autor da frase. Mas, em primeira mão, afirmo que a frase é minha, dos meus tempos de capitão, instrutor-fundador da EsNI e estudante de Filosofia.

As dezenas de “policiólogos” que pululam na mídia costumam referir-se à Inteligência como a solução para os problemas da Segurança Pública. Falam demais: Inteligência para cá, Inteligência para lá. Dizem que a "polícia não investiga" e que a repressão deve ser diminuída e a prevenção aumentada. E, para isso, precisa-se de Inteligência e, particularmente, de Inteligência de Segurança Pública.

Mas, parodiando Clemenceau, a Inteligência é muito importante para ser tratada apenas pelos policiólogos.

Parecem saber muito o que a Inteligência é. Talvez, até saibam.

O que não sabem é O QUÊ A INTELIGÊNCIA NÃO É!

01. Inteligência não é a profissão mais antiga do mundo.

"Disse o Senhor a Moisés: envie homens que espionem a terra de Canaã, que eu hei de dar aos filhos de Israel; de cada tribo de seus paises, envie um homem, e cada um desses será um príncipe entre eles", Velho Testamento, Números 13: 1-2.
Nosso velho amigo Sun Tzu escreveu no "A Arte da Guerra": "Se conhecemos o inimigo e a nós mesmos, não precisamos temer o resultado de cem batalhas. Se nos conhecemos, mas não ao inimigo, para cada vitória sofreremos uma derrota. Se não nos conhecemos, nem ao inimigo, seremos sempre derrotados."

Apesar da Inteligência ter referências nas sagradas escrituras e seu assim considerado "pai", Sun Tzu, ter vivido 500 anos A.C., há uma outra profissão que a supera em antiguidade, mas que, impropriamente, é taxada como "a mais fácil".

02. Inteligência não é uma atividade tipicamente policial...


Suas agências não têm cartórios e seus agentes não prendem e nem tomam declarações a termo.

A principal característica da Inteligência é ser um instrumento de Produção de Conhecimento na medida em que busca dados e, por meio de metodologia específica, transforma-os em conhecimento preciso e útil, para que um chefe possa tomar uma decisão adequada.

"Conhecimento é Poder" afirmou Thomas Hobbes no seu "Leviatã".

Para que esse poder seja atingido e exercido, uma investigação de Inteligência voltada para a Segurança Pública precisa produzir conhecimento para uma tomada de decisão, seja do chefe ou de outros órgãos policiais.

Por outro lado, uma investigação policial tem por objetivo, numa primeira instância, produzir conhecimento e, após, conseguir provas para um processo judiciário.

Observa-se, pois, que, num primeiro momento, o objetivo das duas investigações é o mesmo, isto é, produzir conhecimento. Ao mesmo tempo, sabe-se que, para produzir conhecimento - e provas -, ambas as investigações, a de Inteligência de Segurança Pública e a policial, valem-se de ações e de técnicas operacionais iguais.

Com objetivos e caminhos semelhantes, pode-se afirmar, portanto, que a investigação policial é, fundamentalmente, uma investigação de Inteligência de Segurança Pública. Entretanto, precisa seguir mais além, na busca das provas.

Muitos querem atuar sem o conhecimento. Muitos só acreditam na ação e na reação.

É bom lembrar Napoleão Bonaparte: "Há somente dois poderes no mundo: a espada e a mente. Em longo prazo, a espada sempre será derrotada pela mente".

03. Inteligência não é uma atividade de linha, centrada na execução...


Uma das características da Inteligência é ser uma atividade de "staff", assessoria para um chefe, um serviço para auxiliar as polícias.

A Inteligência de Segurança Pública atua na atividade-fim, mas só como produtora do conhecimento e não no seu aproveitamento direto, em ações tipicamente policiais.

Jock Haswell afirmou no seu "British Military Intelligence": "A Inteligência não pode passar a ter prioridade sobre o combate. Ela é um serviço, cuja tarefa é proporcionar ao comandante os informes e informações de que ele precisa para planejar e cumprir sua missão".

Os órgãos de Inteligência de Segurança Pública não decidem sobre a execução dos conhecimentos que produzem; não são órgãos policiais, mas trabalham em prol deles; não substituem os órgãos de execução, mas devem estar sempre diretamente ligados a quem decide, para quem serão um permanente e decisivo instrumento no processo decisório.

Neste aspecto, todos os que trabalham em Inteligência devem estar cientes e conscientes de que a atividade pode ser frustrante, quando conhecimentos produzidos não são adequadamente aproveitados. A frustração, sempre presente no profissional de Inteligência, deve ser superada pela consciência do dever cumprido.

Mas, apesar da frustração, a atividade pode ser compensadora, como a ela refere-se o general inglês Sir Robert Baden-Powell: "Para todo aquele que está farto da existência, a vida emocionante do espião pode ser o melhor meio para rejuvenescer".

Por ser uma atividade de assessoria, muitos chefes não lhe dão importância e dela se distanciam, seja por pouca afinidade, seja por muita distância. Nada mais equivocado. O chefe de uma Agência de Inteligência deve estar próximo, justaposto ao seu cliente principal. É verdadeira a regra de que, qualquer distância física entre eles, superior a 5 minutos para um contato pessoal, pode comprometer toda a atividade.

04. Inteligência não é uma atividade que busca a verdade...

A Inteligência não busca a verdade real da Ciência, nem a verdade virtual da Filosofia, nem a verdade dogmática, revelada, da Religião, nem a verdade formal da Justiça e nem a verdade opinativa da Imprensa. As verdades científica e filosófica, parametrizadas pelas prioridades concedidas ora aos fins, ora aos caminhos, não são o foco da Inteligência.

"Fatos nada significam" e "a soma de muitos nadas resulta em alguma coisa" são duas afirmações de Washington Platt, referindo-se a que a Inteligência deve ir além da busca da "mera" verdade e da simples comprovação dos fatos.

Sabe-se, também, que uma produção sempre desejada na Inteligência é a estimativa. Alicerçada num raciocínio sistemático e metodológico, é, a estimativa, um dos produtos mais nobres da Inteligência. A produção de conhecimentos estimados, nos quais as prospectivas, avaliando as probabilidades e as possibilidades das ocorrências futuras, certamente orientarão e facilitarão a tomada de decisões. No entanto, não se pode afirmar que uma estimativa é a pura expressão da verdade. Só o tempo irá confirmá-la.

Para a Inteligência a "verdade" é avaliada e adjetivada com seu significado. O que confere mérito ao conhecimento produzido é a verdade com significado. Essa característica da Inteligência informará as intenções, óbvias ou subentendidas, das pessoas envolvidas ou as possíveis ou prováveis conseqüências dos fatos relatados. O significado proporcionará, ao conhecimento, as melhores condições para uma tomada de decisão.

"Ir além do óbvio" é o que preconizava o General alemão Reinhard Gehlen, antigo chefe de Inteligência na II Guerra Mundial.

05. Inteligência não é um trabalho sem riscos...


A Inteligência também tem a característica de atuar em universo antagônico, ambiente no qual deverá se desenvolver e buscar dados protegidos.

Se bem que, atualmente, muitos dados podem ser encontrados com um simples navegar pela Internet ou com uma consulta a uma biblioteca ou, ainda, com coleta dos dados cadastrados nos órgãos e instituições oficiais (estima-se que cerca de 80% podem ser assim obtidos), a característica marcante da atividade de Inteligência é que ela tem que circular em ambientes hostis, nos quais instituições, criminosos, espiões, terroristas ou sabotadores protegem os dados que os possam comprometer.

Para isso, há que se formar agentes que atuem sob sigilo e nos quais a coragem física e moral é determinante.

Segundo Jacques Barzun, "a alma do espião é, de algum modo, o modelo de todos nós".

06. Inteligência não é uma atividade para amadores...


Uma das características da Inteligência é ser o exercício de ações especializadas, pois, com metodologia e linguagem próprias e padronizadas, exige dos seus integrantes um rigoroso treinamento profissional específico.

As intencionais e pejorativas explorações da mídia contra os denominados "arapongas", muitas vezes, são causadas pelos preconceitos, mas, também, de outra parte, ocasionadas pelos erros cometidos pelos amadores, neófitos e aventureiros que não conhecem a própria função e com ela ainda não se engajaram e nunca se comprometeram.

Uma formação acadêmica, complementada por longos anos de especialização, de treinamento e de experiência, conseguidos pela permanência na função, é a fórmula ideal para qualificar seus profissionais e obter eficácia na atividade.

"O serviço de Inteligência é o apanágio dos nobres; se confiado a outros, desmorona", afirmava o coronel Walter Nicolai, chefe do serviço de Inteligência da Alemanha, na I Guerra Mundial.

O Estado do Rio de Janeiro saiu à frente na preparação adequada de seus profissionais de Inteligência quando, em 2004, por determinação do então Secretário de Segurança, iniciaram-se os cursos de formação e especialização. Ao todo, foram cerca de 1 mil alunos formados e/ou especializados. Foi criada - pelo menos no papel - a Escola de Inteligência de Segurança Pública, que está necessitando de recursos para iniciar o grande salto. Este curso que hoje estão iniciando, o 4 CISP, é uma amostra marcante do que deve ser implantado em termos de ações especializadas.

Mas lembrem-se sempre: o simples antes do complexo, a formação antes da especialização, o "BEABÁ antes do PHD".

07. Inteligência não é uma atividade que proporciona lucros, nem visíveis e nem imediatos...

Entretanto, se bem conduzida e entendida, a Inteligência pode levar a uma economia de meios, característica que será atingida desde que se obtenha um conhecimento objetivo, preciso e oportuno.

Sabendo-se a localização de um criminoso, um pequeno grupo de policiais pode prendê-lo, tornando desnecessário o emprego de efetivo maior para cercá-lo.

"Investir em conhecimentos rende sempre melhores juros" afirmou Benjamin Franklin.

O conhecimento objetivo, preciso e oportuno privilegia a qualidade sobre a quantidade, possibilitando centralizar os meios e utilizar menos recursos, proporcionando economia ou diminuindo os prejuízos

08. Inteligência não é uma atividade típica de reação...

Nosso mesmo Jock Haswell afirmou: "Em qualquer situação contra-revolucionária onde não haja um órgão de Inteligência, as forças de segurança não podem agir, mas, apenas, reagir. Sem dispor de Informações, não podem conquistar a iniciativa, e este é um axioma aplicável a qualquer tipo de ação."

A Inteligência não pode prescindir da Iniciativa, fundamental para ser pró-ativa e não somente reativa. A surpresa causada por uma ação não prevista conota uma falha da Inteligência. Conhecendo-se os planos dos adversários, pode-se realizar contra-medidas para evitá-los.

É óbvio que a atividade de Inteligência, na busca da verdade significativa, pode e deve procurar desvendar o passado, os fatos já ocorridos, particularmente nas investigações de ilícitos de qualquer natureza.

Entretanto, deverá sempre ser buscado o conhecimento antecipado, aquilo que pode vir a ocorrer. É nesse momento, único e gratificante, que a atividade atinge sua plenitude, proporcionando, ao chefe, as melhores condições para, tomando iniciativa, evitar que o problema ocorra. É a Inteligência pró-ativa e não somente reativa que fornece, à atividade, um salto qualitativo e justifica sua razão de ser.

Na segurança pública, tais medidas vêm proporcionando a ocorrência dos "antecrimes", um neologismo que representa a ação desencadeada para evitar que o crime venha a ocorrer. Só o conhecimento antecipado, referenciado à característica da Iniciativa e ao princípio da Oportunidade, poderá determinar uma ação correta e eficaz e evitar fatos danosos e males maiores.

Segundo Sun Tzu: "Aquilo que se chama presciência não advém nem de espíritos ou deuses, nem da analogia com ocorrências passadas ou de cálculo. É obtido por meio de homens que conhecem a situação dos adversários."

09. Inteligência não é uma atividade limitada, restrita ao Estado e privilégio dos seus funcionários públicos...

A metodologia própria, logicamente estruturada e testada há séculos, e a característica da Assessoria conferem, à Inteligência, uma nova característica, a Amplitude, pela qual sua maior abrangência lhe possibilita expandir-se para atuar em qualquer campo do conhecimento, dependendo da sua finalidade.

Desse modo, a Inteligência pode atuar nos campos político, econômico, financeiro, militar, psicossocial, científico e tecnológico, além de diversas outras variantes e, inclusive, na vida privada.

Aí estão, para comprovar, a Inteligência Competitiva e a Inteligência Empresarial. Aí está, formalmente iniciada no Rio de Janeiro, em 1995, a Inteligência de Segurança Pública, cuja sigla, ISP, já se tornou referência nacional.

Nada mais verdadeira do que a afirmação de Jock Haswell: "A Inteligência não é apenas a alma de todos os negócios públicos; também o é de todos os empreendimentos particulares".

10. Inteligência não é uma atividade com sua doutrina já acabada...


A Inteligência caracteriza-se pela Flexibilidade, segundo a qual deve adequar-se ao novo, estabelecendo novos conceitos originados da teoria versus prática e dos aspectos doutrinários versus vivência.

Novas doutrinas, novos padrões, novas tecnologias e novos métodos e processos devem sempre nortear as ações de uma agência de Inteligência, a fim de melhor atender aos desafios impostos pelas transformações do mundo. A atualidade e a adequação aos objetivos, aos alvos, ao ambiente operacional e aos meios deve ser parte integrante de suas diretrizes, evitando o apego a idéias ultrapassadas.

Só uma conduta flexível pôde, por exemplo, transformar, com rapidez, a era do papel na era da informática.

11. Inteligência não é uma atividade de segurança...


Entretanto, Segurança é uma de suas características e, acoplada aos princípios do Controle, da Compartimentação e do Sigilo, visa a garantir, não só o próprio funcionamento da atividade, como, também, assegurar a proteção do conhecimento, em todas as fases de sua produção, de forma a que o seu acesso seja limitado apenas a pessoas credenciadas e com necessidade de conhecê-lo.

Inserida no ramo da Contra-Inteligência, a Segurança prevê a implementação de medidas ativas e passivas, constantemente fiscalizadas, a fim de que sejam evitados desastrosos desvios.

As atividades de Inteligência deverão nortear-se, sempre, pelo binômio SEGURANÇA versus EFICÁCIA. A primazia de uma sobre a outra será determinada pelos aspectos conjunturais de cada caso específico. O ideal a ser atingido é o equilíbrio: eficácia com segurança.

Nunca poderá ser esquecido que a Instituição deverá estar, sempre, acima do Homem. E todos aqueles que trabalham em Inteligência devem estar bem cientes e conscientes dessa assertiva.

12. Inteligência não é uma atividade infalível...


Há riscos e erros. Entretanto, devem ou ser evitados ou, no mínimo, reduzidos.

Para isso, a Inteligência utiliza o princípio da Precisão, segundo o qual, como instrumento de produção do conhecimento, tem a obrigação de produzi-lo como expressão da verdade. Mas, como já foi observado, não uma verdade dogmática, não uma verdade formal, não uma verdade pragmática, mas uma verdade comprovada, ou, no mínimo, corretamente avaliada em sua veracidade.

O conhecimento deve ser, também, significativo, na medida em que pode conter as considerações do analista na interpretação, calcado na sua qualificação e na sua experiência.

O conhecimento também deve ser completo, fruto da análise de todos os parâmetros e variantes que o envolvem.

Finalmente, o conhecimento de ISP deve ter uma utilidade, referenciada aos objetivos a serem alcançados.

Com o princípio da Precisão, a ISP deve produzir um conhecimento verdadeiro, significativo, completo e útil, criando as melhores condições para a tomada de uma decisão correta.

Segundo Cicero, "não basta conquistar a sabedoria, é preciso usá-la".

13. Inteligência não é uma atividade "politicamente correta"...

Hoje, em tudo existe a intenção de espelhar-se e procurar refletir determinadas posições políticas ou ideológicas. Substituiu-se a reflexão pessoal pela cópia e pela mesmice de determinados padrões.

Entretanto, a Inteligência não deve produzir conhecimentos baseados em idéias subjetivas, preconcebidas, distorcidas ou tendenciosas. Devem ser evitadas interferências indevidas, seja por fatores morais, políticos, ideológicos ou financeiros.

Muitos só querem agradar o chefe, apresentando-lhe uma linha de "pensamento desejoso". Com medo de contrariar ou, mesmo, de aborrecer o chefe "todo-poderoso", não se lhe apresenta um conhecimento imparcial, mas, apenas, aquele que ele quer ler ou ouvir.

Muitas vezes, sob pressão de fatores externos, são produzidos conhecimentos supostamente verdadeiros, mas baseados em meias-verdades, distorcendo a realidade e tornando-se útil, apenas, para quem tem interesses escusos.

Não deve ser seguido o personagem criado por Beaumarchais, no "Barbeiro de Sevilha", ópera composta por Rossini: "Caluniai, caluniai, caluniai, sempre restará alguma coisa".

O princípio da Imparcialidade, consubstanciado no sentimento do cumprimento do Dever, acima dos interesses, é melhor representado pelo filósofo alemão Kant: "DEVER é o modo de agir ou abster-se de agir, que nos é imposto pela consciência moral. O homem de dever é aquele que faz o que lhe compete, simplesmente porque é seu dever, sem preocupar-se com as conseqüências, pois se as tomasse em consideração, já não agiria por dever, mas sim por interesse."

14. Inteligência não é o desencadear de sucessivas ações e operações realizadas ao sabor da conjuntura ou por injunções políticas...

Atenta ao princípio da Objetividade, a Agência de Inteligência deve orientar seu planejamento e suas ações para objetivos previamente definidos e perfeitamente sintonizados com suas finalidades.

Normalmente, os objetivos - "o que buscar" - são definidos pelo escalão superior, que expede suas diretrizes, posteriormente consubstanciadas em um Plano de Inteligência - onde é determinado o Repertório de Conhecimentos Necessários (RCN).

A Objetividade permeia todo o Ciclo de Produção de Conhecimento.

No Planejamento, deve-se evitar metas impossíveis de serem atingidas, seja por falta de recursos, seja por fugirem às atribuições da própria agência.

Na Reunião de Dados, as Ações de Busca ou, mesmo, as próprias Operações de Inteligência devem ser executadas com a finalidade precípua de obter os dados solicitados pelo analista. Entretanto, outros dados julgados úteis poderão ser obtidos, como complementares aos dados solicitados.

No Processamento, o analista deverá orientar suas ações sem deixar-se levar por especulações indevidas ou fantasiosas. A solução para um problema, na maioria dos casos, encontra-se à sua frente, às vezes, apenas obscurecida por uma névoa, pedindo para ser desvendada. Não são poucos os casos em que analistas, influenciados pela "teoria da conspiração", chegam a interpretações mirabolantes, plenas de dúbias especulações, e, obliterados por complexos raciocínios, não conseguem enxergar o óbvio.

Na Utilização, o conhecimento produzido, formalizado no texto de um documento de Inteligência, deverá responder aos quesitos absolutamente necessários, evitando-se especulações indevidas e não pertinentes.

15. Inteligência não é uma atividade erudita e rebuscada...

Atualmente, as universidades, num sadio e auspicioso procedimento, "descobriram" a Inteligência. Muitos professores despertaram para a atividade e estão procurando desvendar suas doutrinas e seus segredos.

Entretanto, junto com os inúmeros benefícios que estão carreando para a atividade, vem sendo comum muitos "ólogos" desfilarem, sem nenhum conhecimento prático, a verborragia própria dos que pensam que conhecem ou fingem conhecer.

A atividade de Inteligência, como produção de conhecimento, deve objetivar produzi-lo com toda a simplicidade e clareza possíveis, a fim de, facilitando uma imediata, fácil e completa compreensão, torná-lo útil para quem o recebe.

O princípio da Simplicidade permeia em todo o Ciclo de Produção de Conhecimento.

No Planejamento e no Processamento, o analista deverá orientar suas ações de modo simples, valendo aqui todas as considerações já efetuadas no item anterior.

Na Reunião de Dados, as próprias Operações de Inteligência devem ter um planejamento simples, de forma a facilitar o desempenho de cada agente durante a execução, visando a maior segurança e economia de meios. As ordens devem ser transmitidas com precisão e clareza, de forma a não deixar dúvidas sobre as atribuições de cada agente empregado. Sempre que possível, deverá ser ensaiada, de forma a criar as melhores condições para uma perfeita execução.

Deve-se ressaltar, entretanto, que há Operações de Inteligência bem mais complexas, que necessitarão de um planejamento minucioso e detalhado. Mesmo nestas, a Simplicidade deverá ser buscada.

É na Utilização que a simplicidade mais deverá ser exercitada. O conhecimento, formalizado no texto de um documento de Inteligência, deverá primar pela clareza dos fatos e argumentos descritos e pela concisão e simplicidade da linguagem utilizada, proporcionando uma imediata, fácil e completa compreensão.

Os fatos devem ser direta e claramente explicitados, procurando-se descrevê-los em ordem cronológica. Os argumentos devem seguir os parâmetros que norteiam a lógica. Não devem ser usados termos rebuscados, frases empoladas, ordens inversas das frases e raciocínios prolixos e eruditos. Na Difusão, o que deve ser considerado é a "necessidade de conhecer" e não a "necessidade de se autopromover".

16. Inteligência não é uma atividade que disponha de muito tempo...

Freqüentemente, a Agência de Inteligência recebe prazos e limites de tempo, às vezes não suficientes para produzir um conhecimento completo.

Com o princípio da Oportunidade, a agência deve assegurar-se de que o conhecimento produzido possa ser difundido em prazo que permita seu aproveitamento útil e adequado, para agir, com eficácia, no momento certo.

Para Washington Platt, o conhecimento deve expressar "a verdade, oportuna e bem apresentada".

Muitas vezes, há que se sacrificar o conhecimento total - mas demorado e fora do prazo - para difundir-se um conhecimento parcial - mas oportuno.

Dizia o Almirante Lord Fisher, na I Guerra Mundial: "Few and fast" (pouco e rápido).

17. Inteligência não é uma atividade isolada...

É equivocada a idéia de que uma só agência ou um só homem possa conseguir todos os dados necessários. James Bond só em filmes.

Com o princípio da Interação, a atividade de Inteligência estabelece e adensa relacionamentos e ligações, baseados na cooperação e na reciprocidade, que possibilitam otimizar esforços para a consecução dos objetivos.

Para isso, a atividade deverá criar sistemas e subsistemas, que se constituirão em conjuntos harmônicos e integrados, onde as agências buscam os mesmos objetivos, têm funções similares e tendem a uma padronização de doutrina, de procedimentos e de rotinas.

Nesses sistemas e subsistemas, o fluxo de conhecimento ganha a imprescindível capilaridade, da cúpula às bases e vice-versa. As ligações entre as agências são estabelecidas pelo canal técnico, que independe do canal de comando, hierárquico.

18. Inteligência não é uma atividade temporária...

Em situações normais, alguns chefes tendem a "esquecer-se" dos serviços de Inteligência, só neles pensando em épocas de crise. Criam-se, então, agências para, magicamente, resolver esses problemas.

Não é a postura correta. Montar uma estrutura eficaz de Inteligência é um processo longo, difícil, complexo e sensível.

Nosso já citado Jock Haswell afirma que "é um grande erro acreditar que possa ser montada uma organização adequada de Inteligência de uma hora para outra".

Não adianta pensarmos: "Bom, agora eu preciso de Inteligência e para ela eu vou carrear recursos". Esses recursos, em pessoal e em material, deverão ser alocados permanente e antecipadamente, mesmo nos períodos em que a "paz" amortece os corações.

Segundo Sun Tzu: "Na paz, prepare-se para a guerra; na guerra, prepare-se para a paz."

Nos grandes serviços mundiais de Inteligência, sabe-se que um bom analista só será conseguido depois de anos e anos de prática de campo - atuando em operações - e, mesmo assim, depois de mais alguns anos no exercício dos meandros da produção do conhecimento.

O mesmo Haswell afirma: "A difícil formação de seus quadros, tanto no aspecto da funcionalidade quanto no da confiança, exige que o pessoal consiga desempenhar suas atividades com maior permanência na função".

O princípio da Permanência confere, à atividade de Inteligência, um duplo aspecto. Por um lado, ela deve proporcionar um fluxo constante e contínuo de dados e de conhecimentos. Por outro, sabe-se que os integrantes dos seus órgãos só começarão a produzir com eficácia depois de um bom tempo de aprendizado e experiência.

A alta rotatividade, o rodízio - muito comum na atividade policial, onde os novos chefes costumam levar suas próprias equipes - só prejudica a agência e a produção de conhecimento.

19. Inteligência não é uma atividade onde funciona o "laissez faire"...


Não há dúvidas que, para bem funcionar, a atividade de Inteligência necessita implementar sistemas e agências bem estruturadas organizacionalmente.

Entretanto, não se pode deixar que a atividade flua sem nenhuma espécie de atenção. A Inteligência está sujeita a erros, passíveis de serem transformados em desastres. Para resguardar-se desses erros, a atividade utiliza o princípio do Controle.

Inteligência é um instrumento para auxiliar as decisões de um chefe e, por isso mesmo, muito sensível a fatores adversos, particularmente, aos de natureza política. Erros na condução da atividade, causados por vazamentos de documentos e/ou do conhecimento, desvios de conduta ou procedimentos amadorísticos podem, não só, ocasionar danos ao órgão como, também, afetar o próprio chefe ao qual presta assessoria.

Desse modo, ao lado das medidas de segurança, deverão ser implantadas rígidas normas de controle da atividade, a fim de que se permita detectar e minimizar ou corrigir os desvios observados.

As normas de controle basear-se-ão na implantação:

- de diretrizes claras e concisas;

- de um planejamento completo e minucioso;

- de uma estrutura organizacional adequada;

- de um fluxograma de documentos eficiente e preciso;

- de um recrutamento administrativo bem realizado;

- da atenção permanente dos chefes.

A estrutura deverá ser montada de modo sistêmico - com o agrupamento de funções especializadas, a compartimentação do conhecimento deverá ser obedecida e o princípio organizativo deverá basear-se na direção centralizada e na execução descentralizada.

As Operações de Inteligência deverão ser realizadas mediante ordem, sob acompanhamento permanente e realizadas por pessoal capacitado.

Não há dúvidas de que, internamente, seus integrantes devem confiar uns nos outros. Entretanto, não deve ser esquecido o velho ditado árabe: "Confie em Alá, mas amarre seu camelo..."

20. Inteligência não é uma atividade na qual todos sabem de tudo...


A Inteligência deve assegurar-se de que o acesso ao conhecimento sigiloso produzido deve ficar restrito somente àqueles que têm a real necessidade de conhecê-lo, em vista da função desempenhada e da credencial de segurança adequada, independentemente da hierarquia.

Deve-se evitar a curiosidade irresponsável, que pode trazer danos à instituição.

Segundo La Rochefoucauld: "Há duas espécies de curiosidade: uma provém do interesse, que nos faz desejar conhecer aquilo que nos pode ser útil; outra, vem do orgulho e surge de um desejo de saber o que outros ignoram".

Para a Inteligência, não nos interessa a curiosidade que provém do orgulho, mas, somente, aquela que nos impulsiona para a utilidade.

O princípio da Compartimentação, associado aos do Controle e do Sigilo, conferem à Inteligência as melhores condições para atingir a Segurança, característica fundamental para assegurar o correto funcionamento da própria atividade, evitando riscos e comprometimentos, muitas vezes causados pela curiosidade irresponsável daqueles que estão fora do círculo de decisão e/ou execução.

21. Inteligência não é uma atividade transparente...


Ela tem que ser encoberta, discreta, sigilosa e nebulosa.

Segundo o já citado General Gehlen: "Enquanto qualquer outra organização não governamental deve ser transparentemente aberta e franca, com todos sabendo qual é exatamente a sua função, com um serviço de Inteligência dá-se justamente o oposto. O serviço deve ser opaco e confuso quando visto do exterior, embora todos devam conhecer aquilo que dele se espera."

A Inteligência atua de acordo com o princípio do Sigilo, que lhe proporciona o espaço e os caminhos necessários para atuar no universo antagônico e obter os dados protegidos, com a imprescindível preservação e salvaguarda do órgão e de seus integrantes, contra pressões e ameaças.

Além disso, o sigilo é condição básica para evitar a divulgação de conhecimentos que possam colocar em risco a segurança da Sociedade e/ou do Estado, bem como afetar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de pessoas e/ou instituições.

O princípio do Sigilo, associado aos do Controle e da Compartimentação, estabelece os caminhos para a Segurança, característica básica para o funcionamento da atividade.

Indissoluvelmente ligados, a Segurança tem um conceito mais amplo, mais subjetivo, o de assegurar, garantir, que a atividade de Inteligência possa ser conduzida e implementada a salvo de fatores adversos. O Sigilo é a principal condição para que a atividade possa ser exercida com segurança.


O sigilo das Ações de Busca e das Operações de Inteligência, o sigilo no aspecto da identificação do pessoal empregado, o sigilo das instalações e do material utilizados, o sigilo da documentação produzida, o sigilo das comunicações e da informática - com bancos de dados restritos -, tudo integrado e sistematicamente planejado e executado, proporcionará, à Inteligência, a segurança necessária para o cumprimento de suas missões.

22. Inteligência não é uma atividade individual...


Acima da indivíduo está a instituição. O profissional de Inteligência não pode utilizar o conhecimento em benefício próprio.

Em 1995, havia, nas polícias do Estado do Rio de Janeiro, uma prática comum: o conhecimento produzido ficava com o policial que, quando transferido, levava-o consigo; o órgão tinha que recomeçar do zero.

A organização sistêmica implantada na Inteligência de Segurança Pública do Rio de Janeiro procurou acabar com esse deletério costume. Como já foi dito, o conhecimento, de modo capilar, flui da cúpula às bases e vice-versa.

Deve-se ter em mente que o conhecimento produzido é da instituição e não do Homem.

23. Inteligência não é uma atividade para desleais e traidores...


O relacionamento pessoal entre os profissionais de Inteligência deve fundamentar-se na lealdade e na confiança recíproca.

A frase original de Plauto e usada muito mais tarde por Thomas Hobbes, "o Homem é o lobo do Homem", deve estar na mente de todos os chefes que têm responsabilidades em Inteligência.

Um traidor pode colocar uma faca nas suas costas. Um traidor pode destruir sua organização.

Um corrupto você ainda pode controlar; um desleal, não!

24. Inteligência não é uma atividade para desonestos e preguiçosos...


A integridade e a determinação são valores fundamentais para os profissionais de Inteligência e que os distinguem de outras profissões.

Observe-se Honoré de Balzac: "O ofício de espião é bom quando o espião trabalha por sua conta. Não está ele, na verdade, fruindo as emoções de um larápio enquanto, por outro lado, retém o caráter de um cidadão honesto? Porém, todo aquele que segue este ofício deve tomar a decisão de não ferver em pouca água, de não se moer de impaciência, de não patinhar na lama com os pés gelados, de não esfriar nem aquecer e de não se deixar iludir por falsas esperanças. Deve estar preparado, com base numa simples indicação, para agir com os olhos postos num objetivo desconhecido; deve suportar a amargura em face do malogro; deve estar preparado para correr, para ficar imóvel, para passar horas a observar uma janela, para inventar mil planos de ação. Só a vida de um jogador se pode comparar, nas emoções, à vida de um espião".

25. Inteligência não é uma atividade para "espertos"...


Muitos ditos profissionais, aproveitando-se de suas funções, procuram aproveitar as incontáveis ligações que a Inteligência lhes proporciona, a fim de conseguirem vantagens indevidas, particularmente, quando deixam o serviço.

Um caráter bem talhado e uma sólida formação ética e moral são requisitos indispensáveis ao profissional de Inteligência.

Ezequiel Ben Abravam, antigo chefe do Mossad israelense, afirmava: "Hoje, um serviço de Informações é geralmente composto por homens que, alheios aos extremos fixados ao fato de sua existência, alicerçaram-se na convicção de que somente os nobres e conscientes de suas missões são capazes de cumprir seus deveres, às vezes desagradáveis, em benefício da sociedade e da nação, sem esperar a gratidão do público, tornando-se verdadeiros guerreiros do anonimato, que lutam nas sombras e usam o silêncio como idioma, cobertos pelo manto do reservado; e, no arriscar de suas vidas, sempre são ameaçados de serem moralmente duvidosos".

26. Inteligência não é uma atividade sem valores...

Consta na Doutrina de Inteligência de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (DISPERJ): "A atividade ... está alicerçada em preceitos éticos e valores morais, sociais e cívicos, estando compromissada com a verdade, a justiça, a honra, a integridade de caráter, a família, a solidariedade, o respeito aos direitos humanos, o patriotismo, o respeito às leis, a autoridade constituída e a democracia."

Segundo Raimundo Teixeira, "o serviço de Inteligência é o escudo invisível da pátria e da nação".

São os valores que traçam os caminhos do Homem, para o bem ou para o mal. O Homem de bem nada tem a temer, nem mesmo a quebra do seu sigilo e da sua privacidade.

Não é à toa que o lema da Subsecretaria de Inteligência é "teme quem deve".

27. Inteligência não é a solução final para a Segurança Pública...

A Segurança Pública é um cadinho complexo, onde variam diversos parâmetros, muitos deles sem solução em curto prazo. Uma eficaz política para o setor terá que levar em conta todos esses variados problemas e procurar encontrar paliativos nas mais diversas áreas, muitas delas externas à própria Secretaria específica.

Todos deveremos contribuir para a Segurança Pública. Mas, ainda assim, lembremo-nos de Winston Churchill: "Se cada um fizer a sua parte, ainda não será suficiente".

Nesse cadinho, a Inteligência tem o importante papel de dotar as polícias do conhecimento necessário para ações e operações cirúrgicas, com um mínimo de riscos e um máximo de efetividade.

Outros setores terão que fazer a sua parte.

Mas, sempre é bom relembrar que se conhecimento sem ação é burocracia, ação sem conhecimento é burrice.

Mas, se a Inteligência não é tudo isso, então o que é?


26 de janeiro de 2017

Romeu Antonio Ferreira, Coronel da reserva do EB, ex-Subsecretário de Inteligência do Rio de Janeiro. Aula inaugural do quarto Curso de Inteligência de Segurança Pública (CISP), da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro, proferida em 02 Abr 2007. Foi Subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança/RJ.

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