O site da Globo publicou uma matéria inacreditável – feita por Issaac Mumena, da BBC Africa, Kampala – que serve como um dos maiores exercícios de sadismo falacioso em nome do totalitarismo em muito tempo. Intitulado Cinco mitos sobre a crise na Venezuela (e o que acontece de verdade), o texto é uma compilação de falácias na tentativa de negar o que não pode ser negado.
O truque de Mumena é apontar a citação dos fatos (feitas por adversários da ditadura), chamá-las de mitos a partir de instâncias da falácia do espantalho (com técnicas de distorção, generalização apressada e exageros) para esconder a ditadura de Maduro. Segundo o narrador, “em meio à polarização da sociedade e à forte politização de relatos da mídia, muito do que está sendo dito é baseado em impressões exageradas.”
Vamos ao circo da matéria, onde o autor, cinicamente, aponta todos os itens como “mitos” sobre a Venezuela:
1. Os críticos estão dizendo que “na Venezuela há fome”, mas isso não é verdade
“Em algumas regiões da Venezuela se passa fome, mas não a maioria da população.”
“90% dos venezuelanos disse em 2015 ao levantamento Encovi que está comendo menos e com menor qualidade. De fato, a crise alimentar se aprofundou em 2016; se veem mais filas e são relatados mais casos de subnutrição, com mais pessoas que comem duas ou menos vezes por dia.”
“E por mais caros que sejam, os venezuelanos têm frutas e verduras disponíveis em cada esquina. De acordo com a Fundación Bengoa, especialista nesta área, a desnutrição está entre 20% e 25%.”
“Especialistas venezuelanos concordam que o que acontece no país não é o mesmo que na Etiópia nos anos 80 ou na Coreia do Norte em 1990. Mas muita gente tem alertado: “estamos à beira da fome.”
O truque aqui é o seguinte: dizer que “não há fome, pois nem todos passam fome”. O que é o mesmo que dizer que não aconteceu um Holocausto pelas mãos de Hitler, pois nem todos os judeus morreram, ou que não ocorre um surto do vírus zika pois nem todas as pessoas estão doentes. Isso é de uma canalhice sem igual, além de uma desumanidade ímpar. O sujeito que escreveu a matéria claramente deve ser um psicopata.
2. Os críticos estão dizendo que “Venezuela é igual a Cuba”, mas não é
“Em geral, três elementos permitem argumentar que “a Venezuela se cubanizou”, como alguns dizem: as filas para comprar produtos racionados, a dualidade da economia e da militarização do governo (onde a inteligência e o governo cubano têm influência).”
“Mas essa comparação só pode ser feita até aí.”
“A Venezuela é um país capitalista onde o setor privado tem certa atividade, apesar das restrições e expropriações do Estado – que adquire cada vez mais controle sobre a economia. Em Cuba, o setor privado é mínimo.”
[o autor ainda diz que na Venezuela tem Internet, Netflix, McDonald’s e em Cuba não]
Schopenhauer mapeou um tipo específico de falácia do espantalho: a ampliação indevida. Nesta artimanha, alguém exagera a afirmação do oponente, refuta a versão exagerada e finge ter refutado a versão original. Por isso, a matéria inventa a mentira de que alguém teria dito que “Venezuela é igual a Cuba”, quando na verdade o que se diz é que a Venezuela é o país no qual o bolivarianismo mais avançou na América do Sul e, exatamente por isso, é aquele que mais se aproxima do horror cubano.
Mas é uma verdade que a Venezuela está se cubanizando rapidamente, embora não se torne igual a Cuba, pois seria uma burrice. E isso nos leva à próxima falácia…
3. Os críticos afirmam que “a Venezuela é uma ditadura”, mas ela é uma democracia
“É um debate acadêmico que leva alguns anos: se na Venezuela há uma “ditadura moderna” ou um “regime híbrido”.”
“Mas são poucos os especialistas, no país e no exterior, que falam de uma ditadura tradicional.”
“Primeiro, eles dizem, porque há oposição, por mais que não tenha acesso a recursos que o partido governista tem – e apesar das prisões e restrições a que representantes seus tenham sido sujeitados.”
“E há eleições, embora tenham removido alguns poderes da Assembleia Nacional – eleita com votos – quando ela passou a ser controlada pela oposição.”
“Em segundo lugar, a imprensa independente na Venezuela, apesar dos problemas – falta de papel, pressão do governo e com muitos de seus jornalistas em julgamento ou na prisão – existe.”
A ampliação indevida está de volta, além de vir acompanhada de uma manipulação semântica clara. Nota-se que o autor deve ser um especialista em mentir conforme as regras da dialética erística. Para início de conversa, as ditaduras modernas não são baseadas no modelo de ditadura tradicional (como em Cuba), mas no modelo de tirania moderna, abordado muito bem no livro “Escola de Ditadores”, de William J. Dobson.
O comportamento cínico do autor da matéria da BBC mostra o motivo pelo qual as tiranias modernas (como a que ocorre na Venezuela e agora na Turquia) se estabeleceram: são ditaduras plenas, que simulam um sistema eleitoral vigente e até uma suposta liberdade de imprensa, mas tudo é fraudado pelo controle de verbas e meios de mídia pelo governo, pelo aparelhamento do Judiciário e pela falta de separação entre os poderes. Ou seja, o próprio autor do texto reconhece que a Venezuela é uma ditadura, mas executa a manipulação semântica para fingir que “se não é uma ditadura tradicional, não é ditadura”, quando na verdade os modelos de tirania moderna, como aquele de Maduro, são muito mais perigosos.
4. Os críticos dizem que “todo mundo odeia Maduro”, mas tem gente que gosta dele
“Muitos fora do país perguntam como é possível que Maduro ainda esteja no poder.”
“De acordo com várias pesquisas, ele tem entre 20% e 30% de apoio.”
“Há venezuelanos que se consideram chavistas, que dizem apoiar Maduro nas pesquisas, mas que, quando falam à imprensa, soltam uma série de insultos contra o presidente.”
De novo uma falácia da ampliação indevida? Isso mostra que a tática é um padrão dessa gente. Não há nenhum regime no mundo onde “todo mundo odeie o ditador”. Ao contrário: em ditaduras, você encontrará parcelas consideráveis de apoio ao ditador, exatamente em razão da censura. Porém, na Venezuela, onde o modelo de tirania moderna está implementado, não é tão fácil encontrar pessoas de joelhos para o ditador tanto como acontece na Coréia do Norte. Ainda assim, surpreende o alto nível de rejeição a Nicolas Maduro, mesmo que a imprensa tenha sido controlada. Isto é sinal de que ele destruiu seu país com muita rapidez, pois, com tanta censura, era de se esperar que ele fosse mais “adorado”, ainda que de maneira artificial.
Ou seja, a matéria da Globo (BBC) mentiu mais uma vez.
E para não perder o jeitão da coisa, eles concluem com a quinta mentira:
5. Os críticos dizem que “você não pode sair de casa” (na Venezuela), mas tem gente que sai de casa sim
“A criminalidade desenfreada e o medo levou alguns a preferirem assistir a um filme em casa do que ir a um bar à noite.”
“Mas ainda há muitos, não só em Caracas, mas em todo o país, que vão a discotecas, bares e restaurantes.”
“Paradoxalmente, no lugar onde há mais assassinatos, nos bairros populares, a noite é tão ativa como em qualquer cidade, mas nas áreas de classe média e alta as ruas ficam desertas após as 21h.”
“Na Venezuela deve-se ter um perfil discreto, não falar no celular nem mostrar uma câmera na rua. Quanto mais velho for o carro e as roupas que se veste, melhor.”
“Ter guarda-costas ou carro blindado às vezes pode ser contraproducente. Apesar disso, os centros das cidades e vilarejos são durante o dia são tão ou mais agitados do que em qualquer outro lugar na América Latina.”
Lá vamos nós de novo com a ampliação indevida. Não há nenhuma região do mundo onde “ninguém pode sair de casa”. Até no Iraque você pode sair de casa. Até onde o Estado Islâmico mais faz vítimas você pode sair de casa. Talvez a Venezuela fosse a primeira região do mundo onde não poderíamos sair de casa, não é? Mas aí é que vemos o cinismo do autor. O fato é que Caracas é a capital mais violenta do mundo e os índices são aterradores. Não adianta inventar a historinha dizendo que “ah, tem gente que sai de casa sim” que isso não mudará o fato: a Venezuela se tornou perigosíssima em termos de segurança pública por causa do bolivarianismo.
Em resumo, quem cair no joguinho da matéria monstruosa, vai acabar achando que:
Na Venezuela não há fome
A Venezuela não está se aproximando do sistema cubano
Que a Venezuela é uma democracia
Que Maduro tem alta aprovação
Que a Venezuela é um local seguro para se viver
Na época em que o marqueteiro (hoje preso) João Santana fazia suas propagandas mentirosas para o partido bolivariano, dizíamos: “Eu quero morar no Brasil da propaganda do PT”. Era uma sátira às mentiras ditas por Santana e sua equipe de marketing. Da mesma forma, eu quero morar na Venezuela da propaganda contida nessa matéria desonesta da BBC (tanto endossada como publicada pela Globo).
Só um recadinho, pessoal da Globo: enquanto as pessoas sofrem na Venezuela, vocês estão mentindo para beneficiar um ditador psicopata. Isso não será esquecido…
30 de novembro de 2016
ceticismo político
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