O plenário da Câmara desfigurou completamente o relatório de medidas de combate à corrupção e tirou do texto pontos-chave como a criminalização do enriquecimento ilícito, a criação do figura do “delator do bem” – que receberia recompensa por denunciar ilegalidades -, o aumento do prazo de prescrição dos crimes e passar a contá-lo a partir do oferecimento da denúncia e não do seu recebimento, excluiu o acordo penal – onde a sanção possa ser negociada e aceita pelo autor do crime – e tira todas as regras sobre celebração de acordo leniência. Os parlamentares ainda incluíram no projeto a tipificação do crime de abuso de autoridade para magistrados e integrantes do Ministério Público.
Das dez medidas originais apresentadas pelo Ministério Público, autor do pacote, duas permaneceram integralmente – criminalização do caixa dois e o artigo que exige que os tribunais de Justiça e o Ministério Público divulguem informações sobre tempo de tramitação de processos e que se identifiquem as razões da demora de julgá-los. Permaneceu parcialmente a limitação do uso de recursos que protelam o andamento dos processos e a medida que torna corrupção em crime hediondo quando a vantagem ou prejuízo para a administração pública for igual ou superior a dez mil salários mínimos vigentes à época do fato.
PARECER É DESFIGURADO – A derrota do relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) foi acachapante. Todos os destaques apresentados para mudar seu relatório foram aprovados. Em todas as votações ele foi derrotado por placar elástico, com mais de cem votos de diferença em cada ponto. Foi um revés pessoal do relator, que, ao longo desse debate, irritou dezenas de deputados, de todos os partidos, por, principalmente, ter se aproximado de integrantes do Ministério Público e, em suas declarações, ter “jogado” seus pares contra a opinião pública. Ele foi duramente criticado na sessão de votação e vaiado várias vezes. Lorenzoni estava isolado no plenário.
Diante das sucessivas derrotas, o relator implorou para que o plenário não excluísse mais um ponto do texto, um destaque do PSOL, sem sucesso. O destaque pedia a exclusão do trecho sobre o acordo penal, que poderá ser formalizado depois do recebimento da denúncia e até o momento da promulgação da sentença, o que implicaria na confissão do crime e reparação do dano.
— Pelo amor de Deus, mantenham essa medida, valiosíssima para a vida das pessoas – pediu Lorenzoni.
PRÁTICA NAZISTA – O relator viu a medida que considera sua preferida, a da “delator do bem”, ser atropelada no plenário. Foi rejeitada por 392 votos a 36 contra. Até mesmo seu partido, o Democratas, o abandonou. Nesse caso, o líder da legenda, orientou votação contrária, e, num discurso duro, o líder da legenda, Pauderney Avelino (AM), comparou a iniciativa a uma prática nazista.
— Se aprovado, isso transformaria o Brasil num Estado de exceção, numa Alemanha nazista, numa Gestapo (polícia secreta do 3º Reich) – disse Avelino.
CRISE INSTITUCIONAL – Após a derrota e o fim da sessão, às 04:30, Lorenzoni criticou as mudanças em seu relatório e disse que, “movidos por vingança”, os parlamentares criaram uma crise institucional.
— Lamentavelmente o que a gente viu foi uma desconfiguração completa do relatório, e trouxeram essa famigerada situação de ameaça, de cala a boca, de agressão ao trabalho dos investigadores brasileiros – disse o deputado: — A Câmara perdeu uma excelente oportunidade de prestar um serviço ao Brasil e, movidos por sede de vingança contra o Ministério Público e o Judiciário, começaram uma crise institucional que deve se agravar.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Nem tudo está perdido. Pelo menos, foi sepultada a anistia ao caixa 2 e outros crimes. Também ficou mantida a criminalização específica do crime de caixa dois eleitoral , assim como a inclusão de alguns crimes na categoria de hediondos caso o valor desviado seja superior a R$ 8,8 milhões. Agora o projeto vai ao Senado, onde pode haver uma apreciação menos passional, digamos assim. Vamos em frente. (C.N.)
30 de novembro de 2016
Leticia Fernandes e Evandro Éboli
O Globo
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