Arrisca-se ao papel de tolo quem ver nos resultados de domingo a morte da política. Generosos, os eleitores deram ao Congresso uma nova chance para mudanças
No país do voto obrigatório, o protesto dos eleitores contra o sistema político-partidário que está aí ficou explícito ontem naquilo que se convencionou chamar de não voto.
A soma do absenteísmo com votos nulos e brancos pode ser considerada uma fotografia da grave crise de representatividade. Ficou acima de 25% em 11 das 26 capitais.
O recorde foi em Belo Horizonte e no Rio: 43% dos eleitores da capital mineira e 42,4% dos cariocas negaram seu voto. O “não” também prevaleceu em Aracaju (38,9%), São Paulo e Porto Alegre (38,3%), Natal (36,7%) e Porto Velho (36,6%).
No Rio, a negativa do eleitorado (42,4%) ficou próxima da soma de votos (45,9%) dos candidatos Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL), que vão ao segundo turno.
A fuga dos eleitores, medida pela abstenção, cresceu 39,7% em São Paulo, 38% em Porto Alegre e 35% no Rio, em relação à eleição de 2012.
Os resultados aceleraram a liquefação partidária. O PMDB foi derrubado no Rio e em São Paulo. A maioria paulistana rejeitou Marta Suplicy, uma escolha do presidente Michel Temer.
O PMDB fluminense mergulhou numa luta fratricida. Alguns anunciam que, em público, não pretendem apoiar ninguém, mas já discutem vantagens de uma discreta “ajuda” ao candidato do PSOL no segundo turno.
É jogo de alto risco. A premissa é a de que, ganhando, o PSOL precisaria renegar promessas e compromissos para conseguir governar a cidade do Rio, sob risco de falência municipal em quatro anos.
Assim, acham, seria possível usufruir de efeitos colaterais no médio prazo. Num deles, a neutralização da aliança do senador Marcelo Crivella e do ex-governador Anthony Garotinho para a futura disputa pelo governo estadual. Outro seria a exposição da atual administração municipal ao desgaste das “devassas” do PSOL, fragilizando o prefeito Eduardo Paes na pré-campanha para 2018.
Os aliados de Paes discutem alternativas, entre elas a migração para o PSDB.
A múltipla dissolução de projetos nas urnas abala, também, alicerces do PT, da Rede e do PCdoB.
No PT o alvo é Lula, que sequer conseguiu reeleger o enteado como vereador no seu bunker eleitoral, São Bernardo (SP). A contestação está inflada desde domingo.
Rede e PCdoB amargam uma crise de identidade. Tem origem comum: a persistência de alguns parlamentares em caracterizar seus partidos como uma espécie de “puxadinho” do PT no Congresso e submeter essa aliança ao crivo das urnas, numa temporada marcada por investigações sobre corrupção em governos do PT.
Ontem, houve renúncias nos diretórios da Rede no Rio e em Porto Alegre. Numa ironia, a dissidência debitou a derrota eleitoral na conta de Marina Silva, embora ela não fosse responsável por candidaturas e alianças, e tivesse apoiado o impeachment de Dilma.
Arrisca-se ao papel de tolo quem quiser ver nos resultados de domingo a morte da política. Abatidos nas urnas foram o voto obrigatório e a fragmentação partidária. Generosos, como sempre, os eleitores deram ao Congresso uma nova chance para mudanças.
04 de outubro de 2016
José Casado, O Globo
No país do voto obrigatório, o protesto dos eleitores contra o sistema político-partidário que está aí ficou explícito ontem naquilo que se convencionou chamar de não voto.
A soma do absenteísmo com votos nulos e brancos pode ser considerada uma fotografia da grave crise de representatividade. Ficou acima de 25% em 11 das 26 capitais.
O recorde foi em Belo Horizonte e no Rio: 43% dos eleitores da capital mineira e 42,4% dos cariocas negaram seu voto. O “não” também prevaleceu em Aracaju (38,9%), São Paulo e Porto Alegre (38,3%), Natal (36,7%) e Porto Velho (36,6%).
No Rio, a negativa do eleitorado (42,4%) ficou próxima da soma de votos (45,9%) dos candidatos Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL), que vão ao segundo turno.
A fuga dos eleitores, medida pela abstenção, cresceu 39,7% em São Paulo, 38% em Porto Alegre e 35% no Rio, em relação à eleição de 2012.
Os resultados aceleraram a liquefação partidária. O PMDB foi derrubado no Rio e em São Paulo. A maioria paulistana rejeitou Marta Suplicy, uma escolha do presidente Michel Temer.
O PMDB fluminense mergulhou numa luta fratricida. Alguns anunciam que, em público, não pretendem apoiar ninguém, mas já discutem vantagens de uma discreta “ajuda” ao candidato do PSOL no segundo turno.
É jogo de alto risco. A premissa é a de que, ganhando, o PSOL precisaria renegar promessas e compromissos para conseguir governar a cidade do Rio, sob risco de falência municipal em quatro anos.
Assim, acham, seria possível usufruir de efeitos colaterais no médio prazo. Num deles, a neutralização da aliança do senador Marcelo Crivella e do ex-governador Anthony Garotinho para a futura disputa pelo governo estadual. Outro seria a exposição da atual administração municipal ao desgaste das “devassas” do PSOL, fragilizando o prefeito Eduardo Paes na pré-campanha para 2018.
Os aliados de Paes discutem alternativas, entre elas a migração para o PSDB.
A múltipla dissolução de projetos nas urnas abala, também, alicerces do PT, da Rede e do PCdoB.
No PT o alvo é Lula, que sequer conseguiu reeleger o enteado como vereador no seu bunker eleitoral, São Bernardo (SP). A contestação está inflada desde domingo.
Rede e PCdoB amargam uma crise de identidade. Tem origem comum: a persistência de alguns parlamentares em caracterizar seus partidos como uma espécie de “puxadinho” do PT no Congresso e submeter essa aliança ao crivo das urnas, numa temporada marcada por investigações sobre corrupção em governos do PT.
Ontem, houve renúncias nos diretórios da Rede no Rio e em Porto Alegre. Numa ironia, a dissidência debitou a derrota eleitoral na conta de Marina Silva, embora ela não fosse responsável por candidaturas e alianças, e tivesse apoiado o impeachment de Dilma.
Arrisca-se ao papel de tolo quem quiser ver nos resultados de domingo a morte da política. Abatidos nas urnas foram o voto obrigatório e a fragmentação partidária. Generosos, como sempre, os eleitores deram ao Congresso uma nova chance para mudanças.
04 de outubro de 2016
José Casado, O Globo
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