"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 8 de outubro de 2016

SUPREMO AJUDA A REDUZIR A DESCRENÇA NA JUSTIÇA

Ao fixar que a execução penal se inicia mesmo na segunda instância, a Corte ajuda a consolidar a ideia de que no Brasil a lei começa a valer para todos

É atávica, na Justiça brasileira, a mazela da lentidão. Há incontáveis histórias de processos infindáveis, e cujo desfecho é a impunidade de réus, devido à prescrição da pena. Pois, na quarta-feira, esta deformação do Judiciário recebeu forte abalo com a decisão, por maioria de votos do Supremo, que permite o início do cumprimento da pena assim que ela for confirmada em segunda instância.

Era assim até 2009, quando veredicto da própria Corte mudou a jurisprudência, novamente abrindo espaço a ser explorado por indiciados de posses, que contratam caros advogados para que explorem os incontáveis desvãos do cipoal de leis dos códigos brasileiros e levem os processos a caducar nos prazos de prescrição. Não à toa foi construída para a Justiça a imagem de patrocinadora da impunidade dos ricos e poderosos — ideia felizmente em processo de esvaziamento desde a condenação dos mensaleiros.

Há esforços relevantes no Congresso e no próprio Judiciário para, por exemplo, eliminar as chances de chicanas pelo uso de inúmeros recursos com objetivos protelatórios. E a vitória por 6 a 5 da tese de que o cumprimento da pena a partir da derrota do primeiro recurso — como na França e outros países desenvolvidos — não colide com o princípio constitucional da presunção da inocência serve de forte impulso para que a sociedade aumente a crença na efetividade do Judiciário. Algo essencial para a estabilidade do sistema jurídico e político.

O veredicto de quarta-feira repetiu, não no placar, o desfecho do julgamento de um habeas corpus em fevereiro, no qual, por 7 a 4, venceu o voto do relator Teori Zavascki de que a segunda instância deve ser o gatilho que deflagra o início da execução penal. Mas ali o resultado se resumiu àquela ação. Juízes passaram a adotá-lo, mas por decisão própria.

Como a OAB e o partido PEN acionaram o Supremo para contestar a constitucionalidade do veredicto de fevereiro, a Corte pôde voltar ao assunto e decidir com força de súmula. Ou seja, a norma vale agora para todos os tribunais.

Aos quatro votos divergentes de fevereiro — Marco Aurélio, Lewandowski, Rosa Weber e Celso de Mello — juntou-se agora o de Dias Toffoli, este também com a proposta alternativa de ser a terceira instância, o STJ, a definidora do cumprimento da pena. Mas, empatado o julgamento em cinco votos, a nova presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, definiu o placar final. Melhor assim.

Houve muitas referências aos presos comuns, mas o que estava mesmo no pano de fundo era o histórico trabalho de desbaratamento do esquema lulopetista que assaltou a Petrobras e outras empresas públicas para financiar o projeto de poder do PT. O temor dos envolvidos naquele esquema está na Lava-Jato e no juiz Sérgio Moro, cujas condenações têm sido, quase sempre, confirmadas na segunda instância, o Tribunal de Justiça de Porto Alegre, em cuja jurisdição estão as Varas de Curitiba, sede da operação.

Como Lula já é réu em um processo sob a responsabilidade de Moro, entende-se a razão pela qual advogados de figurões enredados na Lava-Jato acompanharam atentos este julgamento.

Importa é que o Supremo aplainou o terreno à frente do Poder Judiciário, e não apenas da Lava-Jato, para ser comprovado que no Brasil a lei começa mesmo a valer para todos.



08 de outubro de 2016
Editorial O Globo

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