A dúvida agora não é se haverá recuperação, mas quão rápida e intensa ela será
PT derrotado, PSDB e PMDB vitoriosos, resultado que imediatamente suscitou narrativas favoráveis ao governo de Michel Temer. Governo que enfrentará oposição enfraquecida no Congresso para aprovar as reformas, sobretudo as mais espinhosas como a da Previdência. Governo que contará com representatividade regional mais expressiva diante dos pleitos muito bem-sucedidos da coligação PSDB-PMDB. Sem querer botar água no chope, estragar a festa, ou fazer uso de tantas outras expressões acomodadas mais, há que se pensar com mais cuidado sobre os homens e as urnas. Os homens e as urnas, os homens do governo e a economia brasileira.
Primeiramente, a rejeição ao PT. É claro que a rejeição ao PT teve alguma influência da Lava Jato e algum repúdio aos políticos tradicionais. A vitória acachapante de João Doria Júnior em São Paulo foi reflexo desse repúdio, da ideia de que é melhor ter um empresário à frente da gestão pública do que um político. Melhor alguém que traga as boas práticas da iniciativa privada, bem-sucedido que foi nessa empreitada, do que reeleger os mesmos de sempre que farão mais do mesmo de sempre.
Sem querer igualá-lo ao candidato republicano à Presidência da República dos EUA – Donald Trump sofre de carência aguda de qualidades – o fenômeno Doria tem um quê de fenômeno Trump: empresários, apresentadores de reality shows, gente que vem “de fora do sistema”. Em resumo, são os representantes do repúdio à política, que hoje se alastra mundo afora. Mas, voltando à derrota do PT, a derrocada foi mais reflexo da péssima gestão econômica do País, sobretudo nos anos Dilma, conforme retrato em meu novo livro, do que do repúdio relacionado à corrupção.
As vitórias do PMDB, e, sobretudo, do PSDB: foram mesmo vitórias? Entre votos brancos e nulos, cerca de 25% dos eleitores preferiram se abster, não quiseram escolher nenhum representante de partidos políticos tradicionais. No Rio de Janeiro, tal rejeição do eleitorado chegou a 42%. Esse é o repúdio da política tradicional, exacerbado no Brasil pelos escândalos de corrupção.
Diante desses resultados das urnas, como ficam, de verdade, os homens do governo? Há poucas dúvidas de que a economia brasileira esteja saindo do atoleiro em que foi metida. Há rumo, há reformas, há gente para tocá-las, quiçá haja até apoio do Congresso para aprová-las. A dúvida, portanto, não é se haverá recuperação, mas quão rápida e intensa ela será.
Voltemos no tempo por um instante. Em 2014, muitos de nós economistas sabíamos que o Brasil afundava, alertávamos constantemente que os sinais do desastre estavam por toda parte. Contudo, não era isso o que a população sentia. O povo enxergava a menor taxa de desemprego da história, sentia o bolso estufar com os ganhos inéditos de renda e salário. A distância entre os prognósticos e o sentimento foi suficiente para reeleger Dilma.
Avancemos agora para 2018. Suponhamos que de agora até lá ocorra fenômeno inverso ao visto em 2014: que a retomada venha, mas que a população não a sinta, com o desemprego em alta, ou muito alto, e a renda ainda em queda, ou muito baixa. Misturem isso ao repúdio das urnas e reflitam sobre as eleições de 2018. Povo insatisfeito é povo que pode se deixar iludir pelas promessas de que as reformas hoje anunciadas não são necessárias, de que as receitas dos homens do governo não resultarão em melhoria de vida. Melhor escolher alguém de fora, alguém que prometa “mudança” ou “uma coisa diferente”. O risco de que isso ocorra, salientado pelas urnas do último domingo, não é pouco. O risco de que isso ocorra derruba qualquer visão ingenuamente otimista sobre o resultado das urnas.
Aos homens e suas urnas, aos homens e à economia brasileira: o momento está mais delicado do que se antevia. A travessia para 2018 não será apenas difícil porque as reformas são impopulares. A travessia para 2018 será difícil sobretudo porque difícil será traduzir crescimento em emprego, investimento em ganhos de salário.
Parafraseando um conhecido economista brasileiro, o PIB do povo não é, necessariamente, o PIB dos políticos e dos economistas. Parafraseando Guimarães Rosa, esse é desafio que tem muita força, força enorme.
08 de outubro de 2016
Monica de Bolle, Estadão
Economista, pesquisadora do Peterson Institute For International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University.
PT derrotado, PSDB e PMDB vitoriosos, resultado que imediatamente suscitou narrativas favoráveis ao governo de Michel Temer. Governo que enfrentará oposição enfraquecida no Congresso para aprovar as reformas, sobretudo as mais espinhosas como a da Previdência. Governo que contará com representatividade regional mais expressiva diante dos pleitos muito bem-sucedidos da coligação PSDB-PMDB. Sem querer botar água no chope, estragar a festa, ou fazer uso de tantas outras expressões acomodadas mais, há que se pensar com mais cuidado sobre os homens e as urnas. Os homens e as urnas, os homens do governo e a economia brasileira.
Primeiramente, a rejeição ao PT. É claro que a rejeição ao PT teve alguma influência da Lava Jato e algum repúdio aos políticos tradicionais. A vitória acachapante de João Doria Júnior em São Paulo foi reflexo desse repúdio, da ideia de que é melhor ter um empresário à frente da gestão pública do que um político. Melhor alguém que traga as boas práticas da iniciativa privada, bem-sucedido que foi nessa empreitada, do que reeleger os mesmos de sempre que farão mais do mesmo de sempre.
Sem querer igualá-lo ao candidato republicano à Presidência da República dos EUA – Donald Trump sofre de carência aguda de qualidades – o fenômeno Doria tem um quê de fenômeno Trump: empresários, apresentadores de reality shows, gente que vem “de fora do sistema”. Em resumo, são os representantes do repúdio à política, que hoje se alastra mundo afora. Mas, voltando à derrota do PT, a derrocada foi mais reflexo da péssima gestão econômica do País, sobretudo nos anos Dilma, conforme retrato em meu novo livro, do que do repúdio relacionado à corrupção.
As vitórias do PMDB, e, sobretudo, do PSDB: foram mesmo vitórias? Entre votos brancos e nulos, cerca de 25% dos eleitores preferiram se abster, não quiseram escolher nenhum representante de partidos políticos tradicionais. No Rio de Janeiro, tal rejeição do eleitorado chegou a 42%. Esse é o repúdio da política tradicional, exacerbado no Brasil pelos escândalos de corrupção.
Diante desses resultados das urnas, como ficam, de verdade, os homens do governo? Há poucas dúvidas de que a economia brasileira esteja saindo do atoleiro em que foi metida. Há rumo, há reformas, há gente para tocá-las, quiçá haja até apoio do Congresso para aprová-las. A dúvida, portanto, não é se haverá recuperação, mas quão rápida e intensa ela será.
Voltemos no tempo por um instante. Em 2014, muitos de nós economistas sabíamos que o Brasil afundava, alertávamos constantemente que os sinais do desastre estavam por toda parte. Contudo, não era isso o que a população sentia. O povo enxergava a menor taxa de desemprego da história, sentia o bolso estufar com os ganhos inéditos de renda e salário. A distância entre os prognósticos e o sentimento foi suficiente para reeleger Dilma.
Avancemos agora para 2018. Suponhamos que de agora até lá ocorra fenômeno inverso ao visto em 2014: que a retomada venha, mas que a população não a sinta, com o desemprego em alta, ou muito alto, e a renda ainda em queda, ou muito baixa. Misturem isso ao repúdio das urnas e reflitam sobre as eleições de 2018. Povo insatisfeito é povo que pode se deixar iludir pelas promessas de que as reformas hoje anunciadas não são necessárias, de que as receitas dos homens do governo não resultarão em melhoria de vida. Melhor escolher alguém de fora, alguém que prometa “mudança” ou “uma coisa diferente”. O risco de que isso ocorra, salientado pelas urnas do último domingo, não é pouco. O risco de que isso ocorra derruba qualquer visão ingenuamente otimista sobre o resultado das urnas.
Aos homens e suas urnas, aos homens e à economia brasileira: o momento está mais delicado do que se antevia. A travessia para 2018 não será apenas difícil porque as reformas são impopulares. A travessia para 2018 será difícil sobretudo porque difícil será traduzir crescimento em emprego, investimento em ganhos de salário.
Parafraseando um conhecido economista brasileiro, o PIB do povo não é, necessariamente, o PIB dos políticos e dos economistas. Parafraseando Guimarães Rosa, esse é desafio que tem muita força, força enorme.
08 de outubro de 2016
Monica de Bolle, Estadão
Economista, pesquisadora do Peterson Institute For International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University.
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