Ações na pauta da Corte podem consolidar entendimento de que penas devem começar a ser executadas a partir da segunda instância, vital para a Lava-Jato
O julgamento de um pedido de habeas corpus em fevereiro, algo da rotina do Supremo, abriu um espaço amplo e inesperado para o avanço na luta contra a impunidade em geral e, em particular, a corrupção — duas facetas da degradação do exercício da política no Brasil, acelerada com o desembarque do lulopetismo no Planalto, em 2003.
Naquele julgamento, o habeas corpus não foi concedido e, por maioria de votos, 7 a 4, saiu vencedora a tese do relator, ministro Teori Zavascki, de que a confirmação da sentença em segunda instância permite o início do cumprimento da pena, sem que seja desrespeitado o princípio constitucional da presunção da inocência. Enquanto a sentença é executada, o condenado tem todo o direito de recorrer. Sequer se tratava de novidade, porque foi assim até 2009.
Por ter sido um veredito que não obrigou a que todos os tribunais o seguissem, o próprio Supremo, a depender do ministro sorteado para avaliar pedidos de habeas corpus, passou a despachar decisões opostas. Ainda presidente da Corte, Ricardo Lewandowski libertou um preso, coerente com o voto que dera divergente de Zavascki. Mas Edson Fachin mandou deter o condenado novamente.
Uma situação indesejável do ponto de vista da segurança jurídica. Isso pode, porém, chegar ao fim hoje, se forem de fato julgadas duas ações de inconstitucionalidade impetradas contra aquele veredito de fevereiro pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN). O veredito final deverá ter efeito de súmula, para ser seguido por todos os tribunais.
O placar de 7 a 4 de fevereiro pode não se repetir, segundo comentários, algo preocupante para quem defende o combate à corrupção e à impunidade de forma ampla, a fim de ajudar na consolidação do estado democrático de direito e na depuração da vida pública. Há conhecimento suficiente de como a lentidão dos tribunais, estimulada pelo excesso de recursos, mancha a imagem do Judiciário e prejudica o regime democrático. E tanto existem razões técnicas bem sedimentadas para penas começarem a ser executadas na sua confirmação em segunda instância que sete ministros referendaram esta posição — colocaram-se contra Marco Aurélio Mello, Lewandowski, Celso de Mello e Rosa Weber. Não bastasse tudo, o momento do país é muito especial. A Lava-Jato, em mais de dois anos, tem demonstrado ser possível praticar a determinação constitucional de que a lei é igual para todos. Mas qualquer tibieza na execução penal, como esta, será um desastre para este ciclo histórico de moralização da política.
A própria hecatombe eleitoral do PT, no domingo, é sinal do clamor popular contra a corrupção, combate em que o Judiciário é peça estratégica. Por óbvio, juiz não deve julgar de ouvidos abertos à rua, mas este é um caso em que Justiça e sociedade devem seguir unidas. Nem é preciso qualquer malabarismo jurídico para aceitar o voto técnico dado por Zavascki em fevereiro.
08 de outubro de 2016
Editorial O Globo
O julgamento de um pedido de habeas corpus em fevereiro, algo da rotina do Supremo, abriu um espaço amplo e inesperado para o avanço na luta contra a impunidade em geral e, em particular, a corrupção — duas facetas da degradação do exercício da política no Brasil, acelerada com o desembarque do lulopetismo no Planalto, em 2003.
Naquele julgamento, o habeas corpus não foi concedido e, por maioria de votos, 7 a 4, saiu vencedora a tese do relator, ministro Teori Zavascki, de que a confirmação da sentença em segunda instância permite o início do cumprimento da pena, sem que seja desrespeitado o princípio constitucional da presunção da inocência. Enquanto a sentença é executada, o condenado tem todo o direito de recorrer. Sequer se tratava de novidade, porque foi assim até 2009.
Por ter sido um veredito que não obrigou a que todos os tribunais o seguissem, o próprio Supremo, a depender do ministro sorteado para avaliar pedidos de habeas corpus, passou a despachar decisões opostas. Ainda presidente da Corte, Ricardo Lewandowski libertou um preso, coerente com o voto que dera divergente de Zavascki. Mas Edson Fachin mandou deter o condenado novamente.
Uma situação indesejável do ponto de vista da segurança jurídica. Isso pode, porém, chegar ao fim hoje, se forem de fato julgadas duas ações de inconstitucionalidade impetradas contra aquele veredito de fevereiro pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN). O veredito final deverá ter efeito de súmula, para ser seguido por todos os tribunais.
O placar de 7 a 4 de fevereiro pode não se repetir, segundo comentários, algo preocupante para quem defende o combate à corrupção e à impunidade de forma ampla, a fim de ajudar na consolidação do estado democrático de direito e na depuração da vida pública. Há conhecimento suficiente de como a lentidão dos tribunais, estimulada pelo excesso de recursos, mancha a imagem do Judiciário e prejudica o regime democrático. E tanto existem razões técnicas bem sedimentadas para penas começarem a ser executadas na sua confirmação em segunda instância que sete ministros referendaram esta posição — colocaram-se contra Marco Aurélio Mello, Lewandowski, Celso de Mello e Rosa Weber. Não bastasse tudo, o momento do país é muito especial. A Lava-Jato, em mais de dois anos, tem demonstrado ser possível praticar a determinação constitucional de que a lei é igual para todos. Mas qualquer tibieza na execução penal, como esta, será um desastre para este ciclo histórico de moralização da política.
A própria hecatombe eleitoral do PT, no domingo, é sinal do clamor popular contra a corrupção, combate em que o Judiciário é peça estratégica. Por óbvio, juiz não deve julgar de ouvidos abertos à rua, mas este é um caso em que Justiça e sociedade devem seguir unidas. Nem é preciso qualquer malabarismo jurídico para aceitar o voto técnico dado por Zavascki em fevereiro.
08 de outubro de 2016
Editorial O Globo
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