O senador Renan Calheiros, presidente do Congresso Nacional – reportagem d Cristiane Jungblut, Júnia Gama e Martha Beck, em O Globo de quarta-feira – quer incluir o projeto sobre abuso de autoridade numa pauta conjunta com os que tratam da reforma política e do combate à corrupção. A intenção é clara, a de criar panorama obscuro para nele facilitar o surgimento de uma lei capaz de colocar obstáculos ao encadeamento da Operação Lava-Jato.
A Procuradoria Geral da República perderia espaço, reduzindo a atuação de Rodrigo Janot, o Judiciário também, limitando, portanto, as decisões do juiz Sérgio Moro. Mas atingiria também o próprio Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso, as delações premiadas vão se sucedendo, como a de Fernando Cavendish da empresa Delta, ressaltadas na reportagem de Fábio Serapião, em O Estado de São Paulo, dia 19.
A iniciativa é tão absurda, que Renan não alcançou apoio nem do relator da matéria no Senado, o ex-ministro Romero Jucá, um dos alvos de Rodrigo Janot.
REAÇÃO CONTRÁRIA – O parlamentar de Roraima percebeu – aí a contradição – que se tal proposição viesse a ser aprovada, deixaria o presidente Michel Temer na obrigação ética de vetá-la, tal a reação contrária tanto do Ministério Público quanto da Magistratura. Para não falar na revolta da opinião pública diante de tamanha falsificação de autoria do Poder Legislativo.
Michel Temer não poderia sequer vacilar, sob pena de sofrer um desgaste político irrecuperável. Sua hipotética assinatura poderia até vir a ser contestada pelo próprio Supremo. Romero Jucá teve a certeza de que não valeria pena urdir a manobra.
E RENAN? – Não sei se Renan Calheiros chegou à mesma conclusão. Mas se não chegou ainda, terá que admiti-la em seguida. Porque, se assim não se posicionar, ficará isolado no seu esforço para sair do foco das acusações que o atingem. E ficar isolado, se na existência humana já é péssimo, na política então transforma-se em dramático. Por que isso? Porque uma coisa é a vida particular. Outra, na política, conduz a uma intensa exposição através da imprensa, que tem como tarefa refletir a síntese dos fatos à consciência coletiva.
A política, inclusive, arma contradições para os seus atores. Não só a política. A administração pública também. Vejam o caso do INSS, reproduzido pela repórter Renata Mariz, O Globo, edição de terça-feira. A matéria trata da revisão de auxílio doença concedidos Há algum tempo a segurados que requereram o afastamento do emprego alegando precariedade de suas condições físicas.
SEM LIMITE – Os pedidos foram aceitos sem limite de tempo. Má fé de um lado, pelo menos complacência de outro. Impasse administrativo no meio, prejuízo aplicado aos cofres públicos. Renata Maria, inclusive, revela casos em que os afastados encontram-se trabalhando em outros setores de atividade, até nos quadros do serviço público.
O prejuízo, que se acumulou no passar do tempo, atinge escala muito elevada. A revisão que está sendo executada abrange 530 mil casos. O médico Pedro Campello chama atenção para a perspectiva de um acontecimento a envolver o fato de, em milhares de situações o perito que concedeu o auxílio ser o mesmo agora a cancelá-lo.
Há casos em que os beneficiados não atenderam ao chamado do INSS para atualização de suas condições. E que fez o Instituto? Nada. A nuvem da omissão tirou o tema de foco. Só isso.
22 de outubro de 2016
Pedro do Coutto
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