O título, a meu ver, sintetiza o principal reflexo político da prisão do ex-deputado Eduardo Cunha, decretada pelo juiz Sérgio Moro, que inclusive o apontou como criminoso em série contra a administração e a economia pública. Contra o próprio país, vale dizer. O clima criado foi de tal intensidade que não houve sessão na Câmara Federal e o próprio presidente Michel Temer – matéria de Catarina Alencastro, Júnia Gama e Eduardo Barreto, O Globo de quinta-feira – antecipou seu retorno do Japão.
Qual a razão do retorno aquém do prazo previsto? Não se sabe. Tampouco se poderia imaginar o porquê. Não tem nexo. Que poderia o presidente fazer? Nada. Mas esta é outra questão.
O essencial é que a decisão de Sérgio Moro, baseada em 27 páginas, acelera e aprofunda toda a Operação Lava-Jato, bloqueando qualquer tentativa de retorno ao passado recente do processo de corrupção que afundou o Brasil e desmoralizou de maneira indelével uma coleção de políticos, administradores, empresários de porte no cenário nacional. No cenário nacional só, não. E as contas que foram produto de roubos avassaladores no plano internacional. Bancos no exterior eram endereço das propinas gigantescas.
SEM VOLTA – Não pode haver retorno. Nem para as prisões, nem para as condenações. A densidade da atmosfera produzida pela indignação, resultado da força da imprensa, bloqueia totalmente a rota tradicional dos habeas-corpus. Acabaram-se as prisões apenas por 24 ou 48 horas. As penas, hoje, tornaram-se bem mais longas. Marcelo Odebrecht encontra-se preso desde junho de 2015. Foi condenado por Sérgio Moro a 19 anos.
Mas não é somente o encarceramento que pune os poderosos de ontem. Há também a desmoralização pública, ameaça que ronda diversos políticos que se venderam e que agora passaram a ter sua permanência no poder ameaçada. Este, penso eu, o principal motivo que forçou a interrupção da viagem de Michel Temer ao país do sol nascente. Temer passou a recear, possivelmente, ter que acionar a caneta para alguém de sua equipe.
DELAÇÃO GIRATÓRIA – Os quadros políticos preocupam-se com a perspectiva de Eduardo Cunha acionar a voz da delação giratória. Como um dia, no passado, falou Ernani Sátiro, da antiga UDN, a Carlos Lacerda. “Carlos” – disse Sátiro – “sua metralhadora é giratória. Às vezes temos que nos abaixar nas bancadas do Palácio Tiradentes”, onde funcionava, até 1960, a Câmara Federal.
A voz de Eduardo Cunha pode atravessar as paredes do cárcere, em Curitiba, e voar sobre os alicerces do Palácio do Planalto, mergulhando no espaço do governo. Aí não haverá o que fazer. Nenhuma solução será possível para conter os efeitos, ou para evitar novas quedas e desmoronamentos.
Não existe a menor possibilidade de livrar Eduardo Cunha principalmente porque os alvos não escaparam deles nos fatos que, juntos, criaram. Tampouco Cunha não escapou de si mesmo. Não atribuiu importância à perspectiva de um desfecho que lhe fosse dramático, como o desta semana.
ERRO DE CÁLCULO – Cunha não calculou bem a extensão do braço do Ministério Público, muito menos da caneta de Sérgio Moro. Minimizou a importância de Rodrigo Janot.
Sobretudo, aliás. Cunha desprezou a capacidade de reação da sociedade brasileira. Esta sequência lhe foi fatal. Só a ele? Talvez não.
22 de outubro de 2016
Pedro do Coutto
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