"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

CORPORAÇÕES TENTAM DEMONIZAR O TETO DOS GASTOS

Grupos organizados que vivem do dinheiro público rejeitam qualquer sistema de avaliação da qualidade das despesas e se opõem a que governos revejam prioridades

Seja ou não a medida econômica mais importante desde a instituição do Plano Real, em 1994, a PEC 241, proposta de emenda à Constituição que estabelece um teto ao crescimento dos gastos públicos, ao menos deflagou debates e atraiu um certo tipo de crítica de grupos organizados que ajudam a entender como o Orçamento tem sido manipulado por pressões de corporações. É uma PEC também pedagógica.

Grupos sindicalizados ou não, com representantes no Congresso, atuam para retalhar o Orçamento, sempre em nome da grande massa da população, dos mais pobres. Uma deslavada balela. Trabalham para interesses próprios — servidores públicos em geral, em especial funcionários da Justiça, do MP, da Saúde, policiais, militares e assim por diante.

Foi preciso que o Estado quebrasse virtualmente — o crescimento da dívida em relação ao PIB aponta na direção da insolvência — para a tomada de uma decisão forte: aprovada a PEC, os gastos primários do governo central (exceto juros) aumentarão até o limite da inflação do ano anterior. Simples, mas eficaz — se acompanhado de medidas subsequentes, como a reforma da Previdência — para estancar um processo suicida pelo qual as despesas aumentam mais que o PIB, mais que a própria arrecadação e acima da inflação.

Frear esta corrida rumo ao precipício interessa à sociedade, mas contraria grupos que se beneficiaram dessa anarquia fiscal. Daí a grita . A PEC não é da “morte”, porque não congela quaisquer gastos, apenas não os deixa subir, no seu total, mais que a inflação — o que vinha acontecendo anos a fio, até chegar-se a esta crise histórica, com 12 milhões de desempregados. Por enquanto.

Saúde e Educação, setores vitais, dependentes de forma direta do Estado, não sofrerão corte de recursos. Suas verbas passarão, apenas, a crescer ao ritmo da inflação. Na Educação, os estados e municípios são as maiores fontes de recursos, ficando com o governo federal apenas 23% da despesa total. E, na Saúde, a PEC aumenta os gastos, em vez de cortá-los: ficou acertado que, este ano, a União destinará 13,2% da receita corrente líquida ao setor e, em 2017, 15%, índice que seria atingido apenas em 2020. E a partir do ano que vem, começarão as correções anuais pela inflação.

Há uma mistura de ignorância e má-fé nas denúncias de que o teto de gastos inviabilizará políticas sociais. É o contrário, porque, como explicou o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, em artigo no “Valor Econômico”, o ajuste fiscal evitará o baixo crescimento e a inflação crescente, estes, sim, fatores de desestabilização do financiamento dos gastos na Saúde, Educação, no Bolsa Família, e de tudo o mais. A criação do teto dos gastos — corrigido pela inflação, insista-se — não significa que certas despesas não possam ter crescimento real, acima da inflação. Basta compensar com reduções em outros gastos. A regra força os políticos a fazer escolhas, pois são eles que aprovam o Orçamento. Como em qualquer país maduro, e onde as despesas são avaliadas depois de feitas, para futuras correções.

Mas isso não interessa às corporações. Avaliar gastos e depois definir novas prioridades vai contra a atuação corporativista de segmentos da burocracia pública, que anos a fio pressionaram para ter salários e benefícios cada vez mais elevados.

Agora, o estouro das finanças estaduais mostra que será impossível ajustá-las se aposentadorias pagas a juízes, promotores, policiais, por exemplo, também não forem incluídas em reformas já em andamento no plano federal. A PEC do teto tem desvendado este jogo de corporações na defesa de privilégios, disfarçadas de representantes do povo. Longe disso, falam em nome de castas e de estamentos que operam nas sombras como efetivos donos do Estado. A PEC projeta luz sobre eles.



26 de outubro de 2016
Editorial O Globo

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