Romero Jucá simulava uma intimidade inexistente com o STF e impossível com a cúpula da Lava Jato
A intimidade é uma emoção e, portanto, não rola se forçada. Em geral, é um horror forçar a intimidade que não se tem e, sendo a intimidade algo tão – perdoem-me – íntimo, é patético ostentar a que se tem. Não só na política, mas também nas relações pessoais, é bem conhecida aquela figura que, tentando influenciar o interlocutor, simula proximidade com um terceiro. Quando se é a caça dessa triste figura predadora, a proteção mais eficaz é deixar que o mitômano pense ser o que quer parecer. Além de muito mais divertido.
Foi o que fez Sérgio Machado com o Romero Jucá que simulava uma intimidade inexistente com o STF e impossível com a cúpula da Lava Jato. Um tropeço significativo a que o governo de Michel Temer se expôs num risco mal calculado, fazendo ministro aquele que, no diagnóstico preciso de Augusto Nunes, era um homem bomba ao alcance de um detonador. Na comemoração contra o país decente e com o qual não tem intimidade alguma, os lulopetistas preferem não lembrar que, preservado na Transpetro durante 11 anos, Machado é mais um bandido do viveiro fertilizado por PT-PMDB.
Íntimo de Renan Calheiros, o ex-diretor da estatal pode puir um dos últimos fios podres que sustentam a esperança de Dilma retornar do passado para um futuro em que não há lugar para ela e para a escória que comemora as baixas “do outro lado” como se não fossem todos de um só lado – aquele oposto à lei. Em contraste com a nação exausta que anseia que todos os canalhas e respectivos criadouros sejam banidos da vida pública, a súcia festeja o início claudicante do governo Temer. A súcia se conduz assim, claro, porque o critério não é a moralidade, mas o pertencimento à seita.
Gilbert Keith Chesterton, lá no século 19, avisou que John Lennon com os versos da linda “Imagine”, “above us only sky” num mundo sem religião, não teria compreendido que o problema de as pessoas deixarem de acreditar em Deus é elas começarem a acreditar em qualquer coisa. Depois de o Iluminismo impulsionar o processo de secularização que define a Modernidade, desalojando a tradição religiosa como parâmetro da civilização que a norteara até ali em favor da razão e do progresso, ficou claro que é insuportável para o homem a inexistência de um panteão desabitado. Então ele passa a endeusar qualquer coisa, do dinheiro ao poder, dos Beatles a Lula.
Quem assistiu ao Roda Viva desta segunda-feira testemunhou Paulo Frateschi endeusando bandidos enquanto a falta de intimidade dele com a democracia explodia na tela. Além de provocador, chamando de golpista o governo interino já na primeira intervenção desnecessariamente, pois, nem mesmo como defesa se justificaria já que ninguém aludira de forma ofensiva ao governo podre que o crente em ladrões endeusava. A reação dos demais convidados deu uma medida da “divisão” do país farto dos apóstolos do gangsterismo de Estado.
Foi ótimo Frateschi ter ido ao Roda Viva porque a democracia é algo com que se tem ou não se tem intimidade e o fundador da seita exibiu, num programa democrático e entre democratas, a mais pornográfica falta de intimidade não só com a democracia, mas também com a realidade: quando deformou uma fala da deputada Mara Gabrilli e, desmentido por ela na réplica, sustentou que ela disse o que ela não dissera. Vimos como argumentos racionais não demovem o fanático extremista do delírio de vigarice e que não falava por si, mas por intelectuais, artistas, políticos, simpatizantes e militantes que divinizam o deus dos bandidos impermeável à civilização.
Um idioma também é coisa com que se tem ou não se tem intimidade e minha intimidade com o nosso é mais pela emoção de encantamento pelo que ele me entrega e me nega do que pelo meu conhecimento precário dele. Também por isso, os últimos 13 anos foram, para mim, uma cacofonia federal. Lula sempre teve intimidade com certo registro do português e soube usá-la para endeusar a própria ignorância. Dilma, com pensamentosinhos convolutos que agonizam nas palavras trôpegas como bailarinas que esqueceram a coreografia, sequer tem intimidade com a faculdade da linguagem.
Então, enquanto não sei o que acontecerá, celebro: adoro mesóclises.
26 de maio de 2016
in Augusto Nunes
Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário