"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

OUTRO SURTO DE LOUCURA

No desespero, Estados querem resolver sua situação fiscal com mágica financeira. Querer "requebrar" o país inteiro. 

Imagine-se que o leitor tenha a boa sorte e a prudência de haver acumulado alguma poupança, aplicações financeiras, "investimentos". Imagine ainda que, um certo dia, chegue uma carta assustadora do banco: o leitor não tem mais aquele dinheiro que imaginava poupado até ontem. Tem muito menos. Talvez tenha de devolver algum para o banco.

Não, não foi um erro. Uma decisão de alguma suprema e etérea corte de Justiça acabou de restaurar uma norma comercial de leis do Império, herdada de tempos medievais, que proíbe a cobrança de juros compostos, "juros sobre juros". Era assim que o dinheiro da sua aplicação financeira vinha rendendo, era assim que vinha sendo capitalizado. No entanto, essa corte de Justiça abstraída da realidade decidiu que valem apenas juros simples.
Revolta? Colapso financeiro? Tumulto nas relações financeiras? Insegurança jurídica?

Pois bem. É o que acaba de acontecer com a dívida de Estados com a União. Em decisão provisória, o Supremo Tribunal Federal decidiu na quinta-feira passada que o Estado de Santa Catarina pode, por enquanto, recalcular sua dívida com o governo federal com base em juros simples. O Rio Grande do Sul obteve a mesma liminar. Alagoas e Rio de Janeiro pretendem também buscar o maná picareta. Se valer para todo o mundo, o prejuízo federal pode ir a centenas de bilhões.

Como se sabe, no caso da capitalização composta, "juros sobre juros", a taxa de juros de um empréstimo, por exemplo, incide sobre os juros que não foram pagos, mas incorporados à dívida original. Tomei emprestados R$ 100, a uma taxa de juros de 10% ao ano, por dois anos. Ao final do primeiro ano, a dívida é de R$ 110 (R$ 100 do empréstimo, mais R$ 10 de juros não pagos no primeiro ano). Ao final do segundo ano, a dívida é de R$ 121 (R$ 110 mais 10% sobre esse valor: R$ 11).

Pode-se fazer a coisa de outro modo: pedir taxas de juros simples mais altas e outras maluquices complexas e ineficientes extintas em quase qualquer lugar do planeta. Até a rudimentar caderneta de poupança rende "juros compostos".

Em mais um capítulo da regressão brasileira às selvas, alguns Estados querem aplicar o truque a fim de se safar magicamente de suas dívidas. O artifício é ainda mais louco e inacreditável quando se lembra que o governo federal, a União, assumiu a dívida impagável dos Estados nos anos 1990, deu um desconto, refinanciou, tudo a fim de evitar uma quebra catastrófica, entre outros problemas.

Para assumir tais compromissos, o governo federal, a União, tomou dívida a "juros compostos" no mercado. Pior ainda, os Estados que conseguiram os maiores refinanciamentos eram os mais ricos. No entanto, os juros da dívida federal são pagos pelo país inteiro.

A coisa toda em si mesma já é muito descarada, mas pode ficar ainda pior caso não se contenha essa demência. Uma eventual decisão definitiva do Supremo em favor dessa demanda alucinada pode provocar efeitos em cascata, criar "precedentes", provocar tumultos e tentativas de revisões de relações financeiras variadas.

No desespero, Estados querem resolver sua situação fiscal com mágica financeira. Querer "requebrar" o país inteiro. 



13 de abril de 2016
Vinicius Torres Freire, Folha de SP

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