É uma disputa eleitoral simples, em que um candidato precisa de 342 votos de deputados federais para ser eleito, e o outro precisa que não se chegue a esses 342 votos para ficar no cargo. Michel Temer, se foi intencional ou não o vazamento de seu rascunho de discurso caso vencesse a disputa (é difícil acreditar que um lance desses tenha saído dos ladinos do PMDB por acaso) não fez nada diferente do vice-presidente Itamar Franco, que assumiu o cargo titular com o impeachment de Fernando Collor.
A sociedade quer segurança, os apoiadores também querem, todos querem saber se haverá um líder capaz de tentar fazer algo imediatamente, e é isso que Temer tentou mostrar com suas duas cartas aos brasileiros, uma escrita e outra oral. Dilma também tem mostrado, especialmente por intermédio do ministroJaques Wagner, uma vez que ela não dá entrevista, não formula programas, não responde a denúncias e críticas, apenas não as aceita e gasta suas energias em discursos políticos vazios de ideias e cheios de slogans de palanque, que sua equipe está trabalhando em medidas caso vença a votação do domingo próximo. Seu discurso de vitória, é claro, está pronto, e os ministros têm salpicado algumas ideias sobre a peça em pronunciamentos recentes.
A diferença de Itamar Franco é que nos idos de 1992, do impeachment do Collor, a tecnologia do celular não existia, e o que o Temer gravou agora ele mandou falar com cada um. O recado era o meio. Evidentemente para dar garantias de que não faria o que a propaganda negativa dizia que ia fazer (como hoje no caso dos programas sociais) e para mostrar que tinha equipe forte e ação de governo já preparada.
Não há mistério no cenário de domingo, e as agonias do momento se devem à propaganda eleitoral negativa. Mas também definido não está.
A incerteza sobre o resultado tem muitas explicações, e uma delas é a própria composição da Câmara dos Deputados. Quem se vendeu, se é que está havendo esse tipo de barganha, já se vendeu, o comércio foi feito. Quanto à votação, várias questões podem definir seu rumo, uma delas diz respeito a uma influência que passou a ser notada esta semana: a das famílias.
Os deputados brasileiros aceitam a liderança do ex-presidente Lula e da presidente Dilma?
São cerca de 250 deputados com menos de 50 anos. Com exceção do PT e do PCdoB, cuja posição a sociedade entende, por ser óbvia, os parlamentares examinarão se vale a pena ou não seguir essas lideranças. Alguns estão em primeiro mandato, há um número grande com dois mandatos apenas, e, segundo levantamentos recentes, uma maioria com menos de 50 anos e menos de três mandatos.
Mais suscetíveis, portanto, às pressões da família, dos amigos, do público de restaurantes e da rua, com uma carreira política pela frente, do que dos esquemas das eleições municipais ou das ordens partidárias. Muito se falou que a pesquisa que coloca Lula em primeiro lugar na disputa eleitoral de 2018 sensibilizaria esses políticos pela perspectiva de continuidade de poder, mas logo se viu discussões, entre novatos, que Lula, presidente, foi colocado numa lista em confronto com candidatos sem recall de governo. Lula vai ser comparado com o quê? Se 20% dos parlamentares conhecerem o governo Juscelino, são muitos; se 10% souberem como foi o de Getúlio, são demais. É um presidente, em ação, contra uns nomes que não estão em campanha.
Lula, que não pode ser investigado por um juiz de primeira instância, negocia o apoio à presidente Dilma, que não tem compromisso com nada. Mas ambos estão no comando, e podem ficar agora e a partir de 2018.
Portanto, é uma questão de querer ou não prosseguir sob a liderança desse grupo.
Algo se mexe esta semana no sentido de abalar posições que se imaginavam conquistadas para o governo, e pode ser o casamento entre a jovialidade do grupo que vai votar o impeachment com um certo destemor de mudar os líderes do processo de recuperação da crise do país. Antecipá-la para agora, e não esperar 2018 até chegar um novo governo para mudar tudo.
A negociação do apoio a Dilma, conduzida especialmente por Lula, estava, até a semana passada, dada como eficaz. Houve uma mudança, porém, a certeza evaporou, e o comportamento do governo tem sido o de perder votos, não de ganhar.
Centrar a tese de defesa no slogan do golpe, a esta altura do processo constitucional que se desenrola com acompanhamento atento do Supremo Tribunal Federal, não tem justificativa. Menos ainda comove o discurso político que tenta atribuir o impeachment a uma vingança de Eduardo Cunha, presidente da Câmara. Se foi, ele não saiu um milímetro do rito por causa desse sentimento. Cunha pode e já foi acusado de muitos crimes, e deverá pagar por eles no momento de seu devido processo, mas nenhum relacionado à função de presidente da Câmara e à condução da denúncia do impeachment. Ele nada está fazendo, também, diferente do que fez o presidente da Câmara de 1992, Ibsen Pinheiro.
E ainda se quer fazer crer que o impeachment está muito embolado, o que não é verdade. Melhor fará o governo se correr para buscar argumentos e defesa consistentes para recuperar o prejuízo desta semana.
O impeachment está avançando apesar da propalada tese de que está tudo uma bagunça. Já se viu que essa é uma ideia da predileção de quem não quer o impeachment. Voltando à síntese: se os deputados quiserem a liderança de Lula e da Dilma, não terá impeachment. Se perceberem que é uma roubada, haverá impeachment.
13 de abril de 2016
Rosângela Bitta, Valor Econômico
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