Passei em Brasília a trabalho. Não tive tempo de observar a atmosfera. Pedi ajuda a um amigo que vive na corte, desde o governo Figueiredo. Qual é o clima? O amigo pediu desculpas pela brevidade da resposta. Para definir o clima, a única expressão que tinha era esta: bunda na parede. De fato, muitos estão saindo de cena, governadores renunciando antes do tempo, viagens ao exterior programadas para deixar passar a onda.
Mas a onda do Petrolão é gigantesca. Dois fatos da semana contribuem para aumentá-la. Um deles: a aparição da planilha do doleiro Alberto Youssef. Nela, figuram 170 projetos, uma grande parte deles fora da Petrobras. Concessões de aeroportos e as obras do porto cubano de Mariel eram mencionadas na planilha. Ao lado do nome do projeto em Cuba, uma quantia: R$ 3,6 milhões. Se houver fôlego para investigar tantas frentes, ficará demonstrada a tese de Paulo Roberto Costa de que a corrupção não se limita à Petrobras mas se propagou por quase tudo no Brasil.
Uma outra frente importante: o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) detectou um movimento de R$23,7 bilhões nas contas de Youssef e das empresas que usaram seus serviços. É uma cifra astronômica que, embora não possa ser considerada a soma do estrago que causaram, é digna de entrar no rol dos maiores movimentos atípicos da História. As transações de Youssef começaram a ser monitoradas porque eram muito altas e ele tinha passado um período na cadeia. Vários relatórios sobre as transações das empresas da Lava-Jato foram produzidos. Continuam a ser produzidos e beiram uma dezena de textos. Não ficou claro para mim como esses relatórios não foram o estopim das prisões. Aquilo era algo mais do que um movimento atípico: era suspeito. Meu amigo de Brasília conhece como eu a grande força do “deixa disso”, dos caros advogados, da teia de amizades que amarra as pessoas nesse universo. E sabe como elas espalham suas teses: sempre foi assim, todos fazem, é a nossa história. Mas as possibilidades de uma grande renovação nos costumes políticos brasileiros estão dadas pela própria dimensão do escândalo. Leio sempre tentativas de avaliar os custos desse processo de punição. O Brasil pode parar se as empresas envolvidas forem consideradas inidôneas?
Na Itália, a operação Mãos Limpas acabou abrindo o caminho para a ascensão do Berlusconi. Será que isso pode acontecer aqui? O país não pode ser refém de um grupo de empresas. Nem, necessariamente, vai produzir um Berlusconi. Para dizer a verdade, Berlusconi já se foi. Não creio que, retrospectivamente, a Itália se arrependa da operação Mãos Limpas. No momento, há um grande silêncio no bloco do poder. O próprio Lula fez apenas um comentário. Achava estranhos os vazamentos. Mas o que se passou no seu governo, não comentou até hoje.
O que dizem os jornais é que seu tríplex em Guarujá ficou pronto. O prédio foi completado pela OAS. A cooperativa liderada por João Vaccari Neto é que vendeu os apartamentos. Lula e mais alguns receberam: três mil compradores, no entanto, foram lesados. Lula perdeu a timidez em se mostrar rico, desfrutando do luxo da elite que estigmatiza. Cheguei a essa conclusão ainda na campanha política, com sua passagem pelo Copacabana Palace. Sua comitiva reservou nove quartos. O dele era a cobertura. Ele deixou o hotel às pressas porque sua presença no Copa foi noticiada. Antes de sair ainda teve um pequeno desencontro com a própria elite que o vaiou ao passar pela pérgula. E não o vaiou por sua política social, mas sim porque exigia um pouco mais de coerência. Nesse sentido, Lula desmente a tese do meu amigo de que estão todos com a bunda na parede. O PT tem experiência em crises. Essa é uma crise de muitas cabeças: até as contas de campanha de 2014 estão sendo questionadas por técnicos do TSE.
A confiança nascida de confusões passadas subestima as dimensões novas do problema. No Petrolão, há delatores premiados com documentos para exibir. Como o escândalo envolveu também relações externas, Suíça, Holanda e Estados Unidos abriram investigações. Na Suíça vai ser possível seguir a trajetória do dinheiro. Na Holanda, estão todos os dados do suborno da SBM na venda de plataformas. O osso americano será duro de roer porque os acionistas abriram um processo contra a Petrobras, em Nova York, com potencial devastador.
Ao mesmo tempo em que nos fixamos no Petrolão lá fora, o preço do óleo caiu quase 40%. Isso tende a enfraquecer a produção americana não convencional com o xisto. E, secundariamente, projetos como o brasileiro da exploração do pré-sal. Com o Petrolão, a empresa perdeu credibilidade. A queda dos preços tende a reduzir sua competitividade no pré-sal. O governo vendeu o pré-sal como o grande passaporte para o futuro. O passaporte pode estar vencido. Como vencido está esse tempo de mentiras, trambiques e ilusões.
17 de dezembro de 2014
Fernando Gabeira, O Globo
Mas a onda do Petrolão é gigantesca. Dois fatos da semana contribuem para aumentá-la. Um deles: a aparição da planilha do doleiro Alberto Youssef. Nela, figuram 170 projetos, uma grande parte deles fora da Petrobras. Concessões de aeroportos e as obras do porto cubano de Mariel eram mencionadas na planilha. Ao lado do nome do projeto em Cuba, uma quantia: R$ 3,6 milhões. Se houver fôlego para investigar tantas frentes, ficará demonstrada a tese de Paulo Roberto Costa de que a corrupção não se limita à Petrobras mas se propagou por quase tudo no Brasil.
Uma outra frente importante: o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) detectou um movimento de R$23,7 bilhões nas contas de Youssef e das empresas que usaram seus serviços. É uma cifra astronômica que, embora não possa ser considerada a soma do estrago que causaram, é digna de entrar no rol dos maiores movimentos atípicos da História. As transações de Youssef começaram a ser monitoradas porque eram muito altas e ele tinha passado um período na cadeia. Vários relatórios sobre as transações das empresas da Lava-Jato foram produzidos. Continuam a ser produzidos e beiram uma dezena de textos. Não ficou claro para mim como esses relatórios não foram o estopim das prisões. Aquilo era algo mais do que um movimento atípico: era suspeito. Meu amigo de Brasília conhece como eu a grande força do “deixa disso”, dos caros advogados, da teia de amizades que amarra as pessoas nesse universo. E sabe como elas espalham suas teses: sempre foi assim, todos fazem, é a nossa história. Mas as possibilidades de uma grande renovação nos costumes políticos brasileiros estão dadas pela própria dimensão do escândalo. Leio sempre tentativas de avaliar os custos desse processo de punição. O Brasil pode parar se as empresas envolvidas forem consideradas inidôneas?
Na Itália, a operação Mãos Limpas acabou abrindo o caminho para a ascensão do Berlusconi. Será que isso pode acontecer aqui? O país não pode ser refém de um grupo de empresas. Nem, necessariamente, vai produzir um Berlusconi. Para dizer a verdade, Berlusconi já se foi. Não creio que, retrospectivamente, a Itália se arrependa da operação Mãos Limpas. No momento, há um grande silêncio no bloco do poder. O próprio Lula fez apenas um comentário. Achava estranhos os vazamentos. Mas o que se passou no seu governo, não comentou até hoje.
O que dizem os jornais é que seu tríplex em Guarujá ficou pronto. O prédio foi completado pela OAS. A cooperativa liderada por João Vaccari Neto é que vendeu os apartamentos. Lula e mais alguns receberam: três mil compradores, no entanto, foram lesados. Lula perdeu a timidez em se mostrar rico, desfrutando do luxo da elite que estigmatiza. Cheguei a essa conclusão ainda na campanha política, com sua passagem pelo Copacabana Palace. Sua comitiva reservou nove quartos. O dele era a cobertura. Ele deixou o hotel às pressas porque sua presença no Copa foi noticiada. Antes de sair ainda teve um pequeno desencontro com a própria elite que o vaiou ao passar pela pérgula. E não o vaiou por sua política social, mas sim porque exigia um pouco mais de coerência. Nesse sentido, Lula desmente a tese do meu amigo de que estão todos com a bunda na parede. O PT tem experiência em crises. Essa é uma crise de muitas cabeças: até as contas de campanha de 2014 estão sendo questionadas por técnicos do TSE.
A confiança nascida de confusões passadas subestima as dimensões novas do problema. No Petrolão, há delatores premiados com documentos para exibir. Como o escândalo envolveu também relações externas, Suíça, Holanda e Estados Unidos abriram investigações. Na Suíça vai ser possível seguir a trajetória do dinheiro. Na Holanda, estão todos os dados do suborno da SBM na venda de plataformas. O osso americano será duro de roer porque os acionistas abriram um processo contra a Petrobras, em Nova York, com potencial devastador.
Ao mesmo tempo em que nos fixamos no Petrolão lá fora, o preço do óleo caiu quase 40%. Isso tende a enfraquecer a produção americana não convencional com o xisto. E, secundariamente, projetos como o brasileiro da exploração do pré-sal. Com o Petrolão, a empresa perdeu credibilidade. A queda dos preços tende a reduzir sua competitividade no pré-sal. O governo vendeu o pré-sal como o grande passaporte para o futuro. O passaporte pode estar vencido. Como vencido está esse tempo de mentiras, trambiques e ilusões.
17 de dezembro de 2014
Fernando Gabeira, O Globo
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