Antes de avançar no patrimônio dos trabalhadores convém mostrar que a Viúva irá ao bolso dos maganos
Outro dia a doutora Dilma recebeu dirigentes sindicais preocupados com milhares de trabalhadores de empreiteiras que correm o risco de perder seus empregos se obras da Petrobras forem paralisadas. No fim dessa linha está uma chantagem das grandes empresas: se a limpeza avançar, cria-se o risco de "parar o país". Já há milhares de demissões e greves em estaleiros na Bahia e no Rio.
A doutora está jogando na defesa com as petrorroubalheiras. Falta-lhe iniciativa, mesmo que seja para reconhecer o que se fez de errado, para evitar que se faça pior. Está na fila das encrencas o caso da contratação de navios-sondas para perfurações.
Depois da descoberta das reserva do pré-sal a Petrobras precisava contratar navios-sondas de perfuração. Podia ir ao mercado, mas os comissários, com Pedro Barusco no lance (US$ 100 milhões na Suíça), tiveram a ideia de formar uma empresa brasileira e em 2011 criaram a Sete Brasil, na qual a Petrobras tinha 10% e punha seu selo. Entre 2014 e 2018 a Sete Brasil forneceria 28 plataformas. Coisa de US$ 30 bilhões.
Um projeto desse tamanho poderia atrair investidores de todo o mundo. Entraram três bancos (BTG, Bradesco e Santander) e mais os suspeitos de sempre: os fundos Petros, Previ, Funcef, Valia e o FGTS. A Viúva ficou com cerca de 45% do negócio. Passou o tempo, entregaram um casco e cinco estão atrasados. A Sete já desembolsou US$ 8,9 bilhões, com uma parte em adiantamentos. Num caso, com um desembolso de US$ 2 bilhões, não há metade disso em obras. Só há uma sonda dentro do cronograma. No mercado surgiu a figura do "estaleiro PowerPoint".
Se tudo desse certo cada sonda sairia por algo em torno de US$ 1 bilhão. No mercado internacional, custavam US$ 750 milhões. Depois, seriam alugadas para operadoras, pagando-se US$ 600 mil por dia. Lá fora esse serviço valia no máximo US$ 500 mil. Os prazos foram para o espaço, e hoje pode-se torcer para que as sondas fiquem prontas entre 2016 e 2022, se ficarem.
Quando faltou caixa, só o BTG aumentou sua participação, mas a Sete Brasil disse que ia buscar dinheiro no mundo. Piada. No início deste ano acharam US$ 10 bilhões no Fundo de Marinha Mercante. O Banco do Brasil não topou repassar os recursos, e a tarefa foi para o espeto do BNDES. Esse financiamento tornou-se o maior projeto do banco, com uma exposição superior à que ele assumiu com Eike Batista.
A senhora pode dizer que isso são vicissitudes do mercado. Mas veja que a Sete Brasil contratou obras com seis estaleiros. Três (Jurong, Keppel e EAS) estão de pé. A OSX do Eike virou pó. As outras duas, EEP e Rio Grande, estão com gente dormindo em colchonetes da Polícia Federal. (Na EEP há duas greves de trabalhadores.) O doutor Barusco, que defendeu a criação da Sete Brasil e foi seu diretor de operações, agora está colaborando com a Viúva.
Na última reunião do conselho da Sete Brasil duas operadoras de sondas resolveram cair fora. Não querem migrar das páginas de economia para o noticiário policial.
O argumento segundo o qual a investigação das petrorroubalheiras pode parar obras, gerando desemprego, é chantagem. Em alguns casos as empresas já estavam quebradas, em outras não haverá jeito. Botar dinheiro nelas é remunerar o ilícito. Se as doutoras Dilma e Graça Foster começarem a trabalhar hoje, esse mal pode ser remediado.
Basta mostrar que a Viúva poderá avançar no patrimônio das empresas e dos seus doutores. O Brasil não é a China, mas o companheiro Xi Jinping está fazendo exatamente isso. Primeiro ele limpa o ladrão, depois manda-o para a cadeia. Um dos empreiteiros já está vendendo os cavalos do seu haras. Em vez de tirar dinheiro do Fundo de Marinha Mercante para financiar estaleiros virtuais, depenam-se os ladrões (pessoas físicas e jurídicas) para evitar que eles depenem os trabalhadores.
OS CHEFES MILITARES E O PROBLEMA DA VERDADE
Numa trapaça do tempo, a Comissão Nacional da Verdade apresentou o resultado de seus dois anos de trabalho na mesma ocasião em que o Senado americano divulgou e condenou as torturas praticadas pelo seu aparelho de segurança depois do atentado às Torres Gêmeas. Os três volumes entregues à doutora Dilma foram recebidos com protestos vindos de militares da reserva e com silêncio dos atuais comandantes.
Falar nos crimes praticados pelo Estado durante a ditadura, há mais de 30 anos, seria coisa inoportuna, revanchista. Engano, o problema da verdade não é dos outros. É dos comandantes militares. O silêncio e os muxoxos criam a seguinte situação:
Um capitão de 35 anos, nascido em 1979, ano em que o presidente Figueiredo enviou o projeto da Anistia ao Congresso, está obrigado a carregar as seguintes histórias oficiais:
1) A partir de outubro de 1973, quando seus pais ainda não se conheciam, o Centro de Informações do Exército mandou uma tropa para o Araguaia, com a missão de liquidar guerrilha do PC do B. Havia por lá algo como 50 guerrilheiros. O Exército não sabe dizer o que aconteceu com eles, pois não capturou ninguém. Podem ter sido resgatados por um disco voador albanês. (Foram exterminados todos, inclusive os que aceitaram convites expressos de rendição honrosa.)
2) O capitão Wilson Machado (hoje coronel da reserva) não tinha nada a ver com a bomba que explodiu no seu Puma em abril de 1981 no estacionamento do Riocentro. No lance morreu o sargento que o acompanhava. Ambos eram do DOI. O episódio ocorreu dois anos depois da aprovação da Lei da Anistia. O capitão de hoje tinha dois anos quando os comandantes militares inventaram essa persistente patranha.
Em 1967 o tenente John McCain pilotava bombardeiros na Guerra do Vietnã e foi capturado, torturado e mantido preso por quase seis anos, dois numa solitária. Às vezes apanhava duas vezes por semana e até hoje o senador McCain não consegue erguer os dois braços acima da cabeça. Diante da divulgação do relatório, ele disse: "A tortura prejudicou nossos interesses e nossa reputação. Às vezes é duro engolir a verdade".
17 de dezembro de 2014
Elio Gaspari, O Globo
Outro dia a doutora Dilma recebeu dirigentes sindicais preocupados com milhares de trabalhadores de empreiteiras que correm o risco de perder seus empregos se obras da Petrobras forem paralisadas. No fim dessa linha está uma chantagem das grandes empresas: se a limpeza avançar, cria-se o risco de "parar o país". Já há milhares de demissões e greves em estaleiros na Bahia e no Rio.
A doutora está jogando na defesa com as petrorroubalheiras. Falta-lhe iniciativa, mesmo que seja para reconhecer o que se fez de errado, para evitar que se faça pior. Está na fila das encrencas o caso da contratação de navios-sondas para perfurações.
Depois da descoberta das reserva do pré-sal a Petrobras precisava contratar navios-sondas de perfuração. Podia ir ao mercado, mas os comissários, com Pedro Barusco no lance (US$ 100 milhões na Suíça), tiveram a ideia de formar uma empresa brasileira e em 2011 criaram a Sete Brasil, na qual a Petrobras tinha 10% e punha seu selo. Entre 2014 e 2018 a Sete Brasil forneceria 28 plataformas. Coisa de US$ 30 bilhões.
Um projeto desse tamanho poderia atrair investidores de todo o mundo. Entraram três bancos (BTG, Bradesco e Santander) e mais os suspeitos de sempre: os fundos Petros, Previ, Funcef, Valia e o FGTS. A Viúva ficou com cerca de 45% do negócio. Passou o tempo, entregaram um casco e cinco estão atrasados. A Sete já desembolsou US$ 8,9 bilhões, com uma parte em adiantamentos. Num caso, com um desembolso de US$ 2 bilhões, não há metade disso em obras. Só há uma sonda dentro do cronograma. No mercado surgiu a figura do "estaleiro PowerPoint".
Se tudo desse certo cada sonda sairia por algo em torno de US$ 1 bilhão. No mercado internacional, custavam US$ 750 milhões. Depois, seriam alugadas para operadoras, pagando-se US$ 600 mil por dia. Lá fora esse serviço valia no máximo US$ 500 mil. Os prazos foram para o espaço, e hoje pode-se torcer para que as sondas fiquem prontas entre 2016 e 2022, se ficarem.
Quando faltou caixa, só o BTG aumentou sua participação, mas a Sete Brasil disse que ia buscar dinheiro no mundo. Piada. No início deste ano acharam US$ 10 bilhões no Fundo de Marinha Mercante. O Banco do Brasil não topou repassar os recursos, e a tarefa foi para o espeto do BNDES. Esse financiamento tornou-se o maior projeto do banco, com uma exposição superior à que ele assumiu com Eike Batista.
A senhora pode dizer que isso são vicissitudes do mercado. Mas veja que a Sete Brasil contratou obras com seis estaleiros. Três (Jurong, Keppel e EAS) estão de pé. A OSX do Eike virou pó. As outras duas, EEP e Rio Grande, estão com gente dormindo em colchonetes da Polícia Federal. (Na EEP há duas greves de trabalhadores.) O doutor Barusco, que defendeu a criação da Sete Brasil e foi seu diretor de operações, agora está colaborando com a Viúva.
Na última reunião do conselho da Sete Brasil duas operadoras de sondas resolveram cair fora. Não querem migrar das páginas de economia para o noticiário policial.
O argumento segundo o qual a investigação das petrorroubalheiras pode parar obras, gerando desemprego, é chantagem. Em alguns casos as empresas já estavam quebradas, em outras não haverá jeito. Botar dinheiro nelas é remunerar o ilícito. Se as doutoras Dilma e Graça Foster começarem a trabalhar hoje, esse mal pode ser remediado.
Basta mostrar que a Viúva poderá avançar no patrimônio das empresas e dos seus doutores. O Brasil não é a China, mas o companheiro Xi Jinping está fazendo exatamente isso. Primeiro ele limpa o ladrão, depois manda-o para a cadeia. Um dos empreiteiros já está vendendo os cavalos do seu haras. Em vez de tirar dinheiro do Fundo de Marinha Mercante para financiar estaleiros virtuais, depenam-se os ladrões (pessoas físicas e jurídicas) para evitar que eles depenem os trabalhadores.
OS CHEFES MILITARES E O PROBLEMA DA VERDADE
Numa trapaça do tempo, a Comissão Nacional da Verdade apresentou o resultado de seus dois anos de trabalho na mesma ocasião em que o Senado americano divulgou e condenou as torturas praticadas pelo seu aparelho de segurança depois do atentado às Torres Gêmeas. Os três volumes entregues à doutora Dilma foram recebidos com protestos vindos de militares da reserva e com silêncio dos atuais comandantes.
Falar nos crimes praticados pelo Estado durante a ditadura, há mais de 30 anos, seria coisa inoportuna, revanchista. Engano, o problema da verdade não é dos outros. É dos comandantes militares. O silêncio e os muxoxos criam a seguinte situação:
Um capitão de 35 anos, nascido em 1979, ano em que o presidente Figueiredo enviou o projeto da Anistia ao Congresso, está obrigado a carregar as seguintes histórias oficiais:
1) A partir de outubro de 1973, quando seus pais ainda não se conheciam, o Centro de Informações do Exército mandou uma tropa para o Araguaia, com a missão de liquidar guerrilha do PC do B. Havia por lá algo como 50 guerrilheiros. O Exército não sabe dizer o que aconteceu com eles, pois não capturou ninguém. Podem ter sido resgatados por um disco voador albanês. (Foram exterminados todos, inclusive os que aceitaram convites expressos de rendição honrosa.)
2) O capitão Wilson Machado (hoje coronel da reserva) não tinha nada a ver com a bomba que explodiu no seu Puma em abril de 1981 no estacionamento do Riocentro. No lance morreu o sargento que o acompanhava. Ambos eram do DOI. O episódio ocorreu dois anos depois da aprovação da Lei da Anistia. O capitão de hoje tinha dois anos quando os comandantes militares inventaram essa persistente patranha.
Em 1967 o tenente John McCain pilotava bombardeiros na Guerra do Vietnã e foi capturado, torturado e mantido preso por quase seis anos, dois numa solitária. Às vezes apanhava duas vezes por semana e até hoje o senador McCain não consegue erguer os dois braços acima da cabeça. Diante da divulgação do relatório, ele disse: "A tortura prejudicou nossos interesses e nossa reputação. Às vezes é duro engolir a verdade".
17 de dezembro de 2014
Elio Gaspari, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário