O motivo principal da preocupação é o fato de uma minoria de manifestantes defender um golpe militar que retire o PT do poder.
Essa reivindicação testa os limites do direito à manifestação e à liberdade de expressão: a democracia deve tolerar manifestações que peçam um golpe de Estado, atentando contra a própria democracia?
Essa pergunta dá margem para uma discussão, no âmbito da filosofia política, tão bela quanto longa; por isso, atenhamo-nos, por ora, ao aspecto legal. Duas leis nos mostram que a solução não é difícil. A primeira é o próprio Código Penal, que em seu artigo 287 proíbe a apologia ao crime. A pergunta que resta para elucidar nosso dilema é: seria o golpe de Estado um crime (cuja defesa seria, então, proibida)?
A Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83), ainda que seja um resquício de uma época de autoritarismo em nosso país, não deixa de ter conteúdos úteis e meritórios, como o seu artigo 17, segundo o qual é crime “tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito”. Como se isso não fosse suficiente, o artigo 22 da mesma lei ainda proíbe “fazer, em público, propaganda: I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social (...)”.
Ou seja, a ruptura da ordem institucional por meio de golpe de Estado é tão grave que mereceu até um artigo específico criminalizando a apologia deste ato. Resta evidente que a defesa de um golpe de Estado é crime e, por isso, não tem lugar em nossa sociedade, ainda que essa defesa seja feita da forma mais pacífica possível.
O golpe, no entanto, foi reivindicação de uma minoria. A maioria esmagadora dos manifestantes tinha outros pedidos: auditoria nos resultados do segundo turno (pedido, aliás, aceito pelo TSE) e o impeachment de Dilma.
É aqui que reside um teste não tanto para a liberdade de expressão, mas para nossa própria tolerância: a maneira como reagimos a manifestações legítimas (ou seja, que não consistam em apologia ao crime), mas que pedem algo que nos desagrada.
É natural que apoiadores da presidente se sintam incomodados com o “fora Dilma” e pedidos de impeachment – que, como ressaltamos logo após o segundo turno, nos parecem precipitados por não haver elementos que indiquem que Dilma cometeu crime de responsabilidade –, até porque a presidente acabou de ser reeleita.
Mas classificar essa atitude de “golpismo” é um exagero que desvia a atenção do verdadeiro golpismo pedido por uma minoria nas manifestações. Afinal, se o “fora Collor” e o “fora FHC” (dois presidentes igualmente eleitos por voto popular) foram legítimos, também o “fora Dilma” o é.
Mas mesmo manifestações com plataformas perfeitamente legais podem perder sua legitimidade, dependendo da forma como o protesto se desenrola. Referimo-nos especialmente à violência e ao vandalismo – basta lembrar da triste ação dos black blocs em 2013, no início de 2014 (com o episódio da morte do cinegrafista Santiago Andrade) e durante a Copa do Mundo. Pelo menos no dia 1.º não houve relatos de agressões, nem de depredação do patrimônio público e privado, o que é um fato indubitavelmente positivo.
Manifestações populares são uma forma de exercitar o direito à liberdade de expressão, uma garantia constitucional, ou seja, fazem parte do jogo democrático. Mas, como vimos, não se trata de um direito ilimitado, e não podemos admitir a defesa de golpes de Estado – nesse sentido, é animador observar os relatos de participantes das manifestações do dia 1.º que procuraram convencer os golpistas de que o melhor caminho era o do respeito às instituições democráticas; bem como a atitude daqueles que, liderando os protestos, deixaram claro seu repúdio a qualquer defesa de um golpe militar.
Que a sociedade esteja atenta e vacinada para saber discernir as reivindicações legítimas – ainda que se trate de posições consideradas radicais – daquelas que caracterizam crime; mas que, de forma alguma, se pretenda restringir indevidamente o direito à manifestação que os brasileiros estão, cada vez mais, aprendendo a exercer.
11 de novembro de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR
Essa reivindicação testa os limites do direito à manifestação e à liberdade de expressão: a democracia deve tolerar manifestações que peçam um golpe de Estado, atentando contra a própria democracia?
Essa pergunta dá margem para uma discussão, no âmbito da filosofia política, tão bela quanto longa; por isso, atenhamo-nos, por ora, ao aspecto legal. Duas leis nos mostram que a solução não é difícil. A primeira é o próprio Código Penal, que em seu artigo 287 proíbe a apologia ao crime. A pergunta que resta para elucidar nosso dilema é: seria o golpe de Estado um crime (cuja defesa seria, então, proibida)?
A Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83), ainda que seja um resquício de uma época de autoritarismo em nosso país, não deixa de ter conteúdos úteis e meritórios, como o seu artigo 17, segundo o qual é crime “tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito”. Como se isso não fosse suficiente, o artigo 22 da mesma lei ainda proíbe “fazer, em público, propaganda: I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social (...)”.
Ou seja, a ruptura da ordem institucional por meio de golpe de Estado é tão grave que mereceu até um artigo específico criminalizando a apologia deste ato. Resta evidente que a defesa de um golpe de Estado é crime e, por isso, não tem lugar em nossa sociedade, ainda que essa defesa seja feita da forma mais pacífica possível.
O golpe, no entanto, foi reivindicação de uma minoria. A maioria esmagadora dos manifestantes tinha outros pedidos: auditoria nos resultados do segundo turno (pedido, aliás, aceito pelo TSE) e o impeachment de Dilma.
É aqui que reside um teste não tanto para a liberdade de expressão, mas para nossa própria tolerância: a maneira como reagimos a manifestações legítimas (ou seja, que não consistam em apologia ao crime), mas que pedem algo que nos desagrada.
É natural que apoiadores da presidente se sintam incomodados com o “fora Dilma” e pedidos de impeachment – que, como ressaltamos logo após o segundo turno, nos parecem precipitados por não haver elementos que indiquem que Dilma cometeu crime de responsabilidade –, até porque a presidente acabou de ser reeleita.
Mas classificar essa atitude de “golpismo” é um exagero que desvia a atenção do verdadeiro golpismo pedido por uma minoria nas manifestações. Afinal, se o “fora Collor” e o “fora FHC” (dois presidentes igualmente eleitos por voto popular) foram legítimos, também o “fora Dilma” o é.
Mas mesmo manifestações com plataformas perfeitamente legais podem perder sua legitimidade, dependendo da forma como o protesto se desenrola. Referimo-nos especialmente à violência e ao vandalismo – basta lembrar da triste ação dos black blocs em 2013, no início de 2014 (com o episódio da morte do cinegrafista Santiago Andrade) e durante a Copa do Mundo. Pelo menos no dia 1.º não houve relatos de agressões, nem de depredação do patrimônio público e privado, o que é um fato indubitavelmente positivo.
Manifestações populares são uma forma de exercitar o direito à liberdade de expressão, uma garantia constitucional, ou seja, fazem parte do jogo democrático. Mas, como vimos, não se trata de um direito ilimitado, e não podemos admitir a defesa de golpes de Estado – nesse sentido, é animador observar os relatos de participantes das manifestações do dia 1.º que procuraram convencer os golpistas de que o melhor caminho era o do respeito às instituições democráticas; bem como a atitude daqueles que, liderando os protestos, deixaram claro seu repúdio a qualquer defesa de um golpe militar.
Que a sociedade esteja atenta e vacinada para saber discernir as reivindicações legítimas – ainda que se trate de posições consideradas radicais – daquelas que caracterizam crime; mas que, de forma alguma, se pretenda restringir indevidamente o direito à manifestação que os brasileiros estão, cada vez mais, aprendendo a exercer.
11 de novembro de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR
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