Com o fim exclusivo de montar um cenário para o programa eleitoral da televisão, a presidente Dilma Rousseff subiu ao palco na segunda-feira para receber o resultado de uma “votação” na qual 7,5 milhões de pessoas (97% dos votantes) manifestaram apoio à sua ideia de que só uma Constituinte exclusiva poderia fazer a reforma política pela qual clama o país. Os holofotes bem posicionados e uma fala parecida com o improviso dariam à candidata um bom palco para conquistar a plateia de eleitores que, em 2013, saíram às ruas para protestar contra “tudo que está aí”, mas sobretudo contra o modo de ser e agir dos políticos brasileiros que “não nos representam”.
A Constituinte exclusiva, que pela ideia inicial seria convocada por um pleonástico “plebiscito popular”, teria o papel de reformar a atual Constituição Federal nos pontos que dizem respeito aos processos político-partidário-eleitorais – cujas distorções são, de fato, evidentes. Deles derivam males que precisam ser combatidos, como a influência do poder econômico, os partidos de aluguel e as coligações oportunistas, entre outros tantos. A Constituinte sugerida por Dilma teria de pensar fórmulas capazes para dar legitimidade à representação popular, hoje totalmente desvirtuada.
Não há dúvida de que se trata de uma ideia de aparência tentadora, capaz de conquistar as maiores simpatias – e logicamente envolver a candidata à reeleição na aura de uma estadista preocupada com o aprimoramento da democracia, que é o que mais lhe interessa nesta antevéspera decisiva de eleição. Com o gesto, Dilma Rousseff poderia se apresentar como quem não só entendeu a voz das ruas, mas sobretudo quis dar-lhe consequência prática. “Eu, pessoalmente, considero que a Constituinte institucionalmente é uma boa proposta, porque não serão aqueles que estão no exercício do mandato que reformarão as instituições políticas do país, mas uma instância convocada exclusivamente para esse fim”, disse.
Os desavisados, mais uma vez, aplaudirão. E quem sabe até decidam votar na reeleição em razão da propaganda competente – porém enganosa. O engano proposital com o qual se tenta induzir o eleitorado provém do mais comezinho entendimento do que seja uma Assembleia Constituinte. Em primeiro lugar, seus membros deverão ser eleitos pelo voto direto dos eleitores. Sob que regras? Pelas atuais? Estas que, argumentam, não garantem que a sociedade esteja correta e honestamente representada? Se assim for, a própria Constituinte já nasce sob suspeita de ilegitimidade. E, se fosse ilegítima, o seria tanto quanto o é o atual Congresso – criticado por não “nos representar” porque fruto de regras eleitorais imperfeitas. Assim, nada nos leva a supor que saia da Constituinte a reforma eleitoral que sepulte os defeitos presentes e os substitua por virtudes futuras.
Enganosa também a propaganda na mesma medida de sua teratologia, já que uma verdadeira Constituinte não pode ser exclusiva – isto é, ser convocada exclusivamente para mudar algumas das cláusulas (as de cunho político-eleitoral) e se comprometer a preservar todas as demais que compõem o conjunto da Lei Magna brasileira. À exceção das cláusulas pétreas (aquelas que nem mesmo os constituintes podem mudar), todas as demais são suscetíveis a alterações por parte de uma Assembleia Constituinte, cuja essência inclui o poder de redigir uma nova Constituição sem restrições “temáticas”.
Para alterações em assuntos específicos, como o seria a reforma política, há o instrumento da proposta de emenda constitucional (PEC), de que pode se servir o Congresso. É prerrogativa sua apresentar PECs, debatê-las e aprová-las. Não há por que eleger uma Constituinte para não mudar a Constituição, mas apenas para emendá-la.
É lastimável que questões tão importantes sejam tratadas meramente sob o prisma da propaganda eleitoral. A proposta não é legal, não tem legitimidade e peca na sua origem, pelo modo com que é apresentada, e por ser mais uma tentativa de ludibriar o eleitor.
17 de outubro de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR
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