"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

DEPUTADO QUER VETAR IMPORTAÇÃO DE SABER


A conspiração para analfabetizar o país deve ter começado há pelo menos meio século. Foi quando retiraram do secundário o ensino do grego e do latim e do francês. De lá para cá, só tem avançado. Continuou com o despreparo dos professores, a tal de progressão continuada e culminou recentemente com a adaptação de O Alienista, de Machado, a uma linguagem que os jovens entendam. Curiosamente, ninguém pensou ainda em traduzir Guimarães Rosa ao português.

A analfabetização imposta ao ensino secundário avançou universidade adentro. Ainda há pouco, falei do que ouvi na UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, na primeira reunião que participei no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas. Duas alunas, quartanistas de Letras, pediam ao Departamento um professor para explicar-lhes o que era sujeito e predicado, que até então elas desconheciam o que fosse. Perplexo, eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo, nem como elas haviam sido admitidas na universidade. Pior ainda, estavam se formando e já praticamente habilitadas a exercer o magistério. Que se pode esperar desta geração de professores?

O esforço para analfabetizar o país acaba de marcar mais um tento, com o Projeto de Lei nº 7299/2014, de autoria do deputado federal Vicentinho (do PT, é claro), que visa a proibir a compra de publicações estrangeiras pelo setor público. No texto, o parlamentar alega que não se deve “favorecer o mercado externo em detrimento das produções nacionais” e que é necessária a “adoção de restrições à importação de livros e demais publicações gráficas comumente adquiridas”.

Vicentinho – que não nasceu ontem – está querendo voltar aos dias da ditadura, quando tínhamos de viajar para comprar certos livros e ver determinados filmes, que o regime militar houvera por bem vetar, para preservar o Ocidente dos perigos do comunismo. Na verdade, o projeto do iluminado deputado é tímido. Livros até que não são tão nocivos assim. O pior são esses periódicos, como The Economist, New York Times, El País, que tentam solapar, com suas calúnias, tanto a Copa como o governo de Dona Dilma.

Por outro lado, dada a excelência de nossas universidades e das pesquisas de nossos acadêmicos, dispensamos tratados de medicina ou engenharia, física ou química, história ou economia, publicados no estrangeiro. O mundo editorial brasileiro supre com suficiência quaisquer novas pesquisas. Aliás, proíba-se também a importação de revistas científicas, que só servem para humilhar nossos pesquisadores.

Melhor ainda: proíba-se o ensino de línguas, aprendizado que sempre foi mal visto em democracias como as soviéticas. Para que precisamos do inglês, do alemão, espanhol ou francês, quando temos língua tão linda quanto a última flor do Lácio, incuta e bela? Esta proibição seria inclusive bem mais eficaz que a proibição da importação de livros. Esta pode ser burlada pelos contrabandistas. A proibição de idiomas estrangeiros torna inútil qualquer tentativa de contrabando ou compras inadequadas por turistas nacionais no Exterior.

Estou sendo maldoso com o excelso projeto do nobre deputado. Segundo seu chefe de gabinete, Paulo Cesar de Mello, “o foco principal da proposição é a proteção ao parque industrial gráfico brasileiro, com consequências na geração de empregos nacionais e aquecimento da economia”.

Ah bom! Então era para resguardar a indústria editorial brasileira, empenhada em produzir a altos custos literatura inócua feita pelos amigos do MinC, para ser enfiada goela abaixo dos alunos. No entanto, segundo o assessor do deputado, a proposta vem sendo descaracterizada nas redes sociais, levando o leitor a acreditar que o projeto visa a proibição de livros estrangeiros – científicos ou não. “Qualquer um poderá adquiri-los, menos o governo, que no nosso entendimento não deveria concorrer com o próprio mercado interno, favorecendo editoras estrangeiras.”

O deputado mirou bem. Com a aquisição de tais publicações pelo governo, ocorre o risco de que acabem em bibliotecas públicas, onde ficariam ao alcance de quem não as pode comprar. Educação é para elites, ora bolas, e não para desprovidos de poder de compra.

Questionado se o projeto não facilitaria a criação de uma reserva de mercado para o setor gráfico, Mello refutou. Para ele, “apenas protegeria o mercado interno, com as suas concorrências de praxe”.

Confiando que o público ao qual se dirige não conhece o idioma que fala, o assessor pretende que proteção de mercado interno e reserva de mercado são dois conceitos distintos, que nada têm a ver um com o outro. Parece também não lembrar do atraso em informática amargado pelo Brasil, com a tentativa do governo de proteger a indústria nacional.

Já em reduzir impostos para tornar o produto nacional acessível aos nacionais, nisto nem pensar.

O deputado Vicentinho enviou a seguinte nota à comunidade científica:

"A propósito das mensagens recebidas tecendo considerações sobre o PL 7299/14, cumpre-nos informar que o projeto foi gestado em comum acordo com os trabalhadores da indústria gráfica brasileira.. Consideramos as argumentações do setor e apresentamos a proposta com o objetivo de proteger os empregos, a indústria e o desenvolvimento econômico nacionais.”

Nada de insólito. Só não foi consultado o consumidor. Continua o paladino da indústria da indústria nacional: “Em hipótese alguma aventamos a possibilidade de restringir o acesso da comunidade científica e/ou outros setores às publicações tão necessárias para o desenvolvimento do conhecimento e da pesquisa”.

Ora, claro que não. É óbvio que restringir a importação de livros estrangeiros em nada prejudica o desenvolvimento do conhecimento e da pesquisa. É espantoso ouvir tal despautério de alguém que propõe leis.

Há alguns meses, falei de livro que comprei, uma edição no mínimo curiosa. Trata-se de Cristianismo, organizada por Ann Marie Bahr, uma muito bem elaborada história do Cristianismo, que analisa a religião, desde seu surgimento, a Bíblia, a oração, os ritos religiosos, entre outros tópicos. No cardápio: Os primeiros cristãos e as primeiras igrejas; O Cristianismo durante o Império Romano; O Sacro Império Romano; As cruzadas; As mulheres cristãs ao longo dos séculos; A Reforma; Espanha, Portugal, e a Inquisição; A Igreja anglicana; A Contra-Reforma; Ciência e Religião; Os cristãos indígenas; Do evangelismo ao tele-evangelismo; entre outros.

Mas isto é o de menos. O que espanta é a obra, com bela e farta iconografia, ter sido publicada em Postdam, Alemanha (2011) e impressa na China, em português. Capa dura, iconografia belíssima, dimensões 32,5 x 24,5cm, 448 páginas. Atenção! A obra é literalmente de peso: 3,3 quilos.

Até aí, nada muito surpreendente. O que me deixou perplexo foi o preço, 199 reais. É obra que jamais seria editada e impressa no Brasil. Custaria no mínimo 500 reais. Ora, se um livro editado lá nas antípodas em português, considerando-se ainda o custo de transporte, sai por menos da metade do preço que custaria no Brasil, a culpa obviamente não é da China.

Em nome da sacrossanta economia nacional, o deputado quer revogar a lei da oferta e da procura.

05 de junho de 2014
janer cristaldo

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