Se o Brasil já se desindustrializou, qual seria a razão para não estabelecermos um acordo com os Estados Unidos?
Nos anos 1990, a década americana do século americano, as exportações industriais brasileiras correspondiam a 55% do total do nosso comércio exterior. Hoje, com a ascensão chinesa, esse percentual caiu para 30% e continua a declinar, impedindo o Brasil de crescer.
Parte da responsabilidade disso ter ocorrido de maneira tão acelerada e profunda após a crise de 2008 é da estratégia comercial brasileira e da sua subordinação às decisões ideológicas do governo.
Mesmo com a hegemonia dos Estados Unidos e promovendo reformas estruturais na economia, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) quando presidente (1995-2002) manteve as negociações em torno da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) em banho-maria, preocupado com seus efeitos sobre a indústria nacional. Conseguiu preservar o Mercosul, que viveu naquele período o seu apogeu, servindo para atenuar as crises cíclicas do capitalismo.
Por sua vez, nos primeiros anos de seu governo, Lula (PT) chegou a propor a "Alca light", menos ambiciosa, mas que nunca saiu do papel. Com o nascente neobolivarianismo, foi enterrada em 2005 uma negociação que poderia ser muito útil agora para o Brasil enfrentar a desindustrialização causada não pelas empresas americanas, mas pela China e outros emergentes.
Se o Brasil já se desindustrializou, qual seria a razão para não estabelecermos com os Estados Unidos um acordo para fortalecer ambos os países de outra forma? A China liquidou o único obstáculo não ideológico a um acordo de livre-comércio entre as duas maiores economias das Américas. Resta superarmos as barreiras políticas para um ganho de mútuo interesse.
Dificilmente, poderíamos voltar ao padrão de comércio exterior equilibrado que prevaleceu entre 1978 a 2008. Na corrida da globalização comercial, jogávamos tanto no campo industrial quanto nos setores mais básicos da economia. Desde o final do governo Lula, houve um desequilíbrio estrutural contra a indústria quase impossível de ser revertido.
Na era FHC, a América Latina comprava cerca de 60% dos produtos industriais brasileiros e a América do Norte 30%. Ao priorizarmos os Brics, perdemos o comércio que mais valor agrega à economia. Não só o Brasil parou de crescer, como estabelecemos um teto mais baixo para o trabalhador: apenas dois salários mínimos é o que paga uma economia de serviços e commodities.
Quando se diz que o consumo está pressionando a inflação, não é por culpa do salário mínimo, mas porque produzimos cada vez menos e, contraditoriamente, continuamos uma economia fechada, protecionista. O resultado só pode ser o aumento dos preços. A saída dessa arapuca passa por uma abertura comercial inteligente, negociada com parceiros que também possam abrir seus mercados consumidores, instituindo de preferência uma integração das cadeias produtivas.
Reside justamente nas características do Estado brasileiro a explicação para os efeitos mais limitados da globalização sobre o nosso mercado. O peso do comércio internacional sobre o PIB brasileiro aumentou, porém bem menos do que a média mundial. Se isso por um lado nos deixa menos suscetíveis às crises globais, por outro não nos torna imune a elas e ainda prejudica o nosso aproveitamento de oportunidades em períodos de estabilidade.
Qualquer gesto chinês no sentido de atenuar a desindustrialização brasileira deve ser visto com ceticismo pelo simples motivo de que a potência asiática precisa da sua indústria para se desenvolver e dos alimentos brasileiros para dar o que comer a mais de 1 bilhão de pessoas.
Quis a ironia que um acordo comercial com os Estados Unidos seja talvez a única solução para preservar a pouca indústria exportadora que restou ao Brasil. Desta vez, o relógio corre contra nós. Quanto mais o tempo passar, menos indústria teremos com que negociar.
Nos anos 1990, a década americana do século americano, as exportações industriais brasileiras correspondiam a 55% do total do nosso comércio exterior. Hoje, com a ascensão chinesa, esse percentual caiu para 30% e continua a declinar, impedindo o Brasil de crescer.
Parte da responsabilidade disso ter ocorrido de maneira tão acelerada e profunda após a crise de 2008 é da estratégia comercial brasileira e da sua subordinação às decisões ideológicas do governo.
Mesmo com a hegemonia dos Estados Unidos e promovendo reformas estruturais na economia, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) quando presidente (1995-2002) manteve as negociações em torno da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) em banho-maria, preocupado com seus efeitos sobre a indústria nacional. Conseguiu preservar o Mercosul, que viveu naquele período o seu apogeu, servindo para atenuar as crises cíclicas do capitalismo.
Por sua vez, nos primeiros anos de seu governo, Lula (PT) chegou a propor a "Alca light", menos ambiciosa, mas que nunca saiu do papel. Com o nascente neobolivarianismo, foi enterrada em 2005 uma negociação que poderia ser muito útil agora para o Brasil enfrentar a desindustrialização causada não pelas empresas americanas, mas pela China e outros emergentes.
Se o Brasil já se desindustrializou, qual seria a razão para não estabelecermos com os Estados Unidos um acordo para fortalecer ambos os países de outra forma? A China liquidou o único obstáculo não ideológico a um acordo de livre-comércio entre as duas maiores economias das Américas. Resta superarmos as barreiras políticas para um ganho de mútuo interesse.
Dificilmente, poderíamos voltar ao padrão de comércio exterior equilibrado que prevaleceu entre 1978 a 2008. Na corrida da globalização comercial, jogávamos tanto no campo industrial quanto nos setores mais básicos da economia. Desde o final do governo Lula, houve um desequilíbrio estrutural contra a indústria quase impossível de ser revertido.
Na era FHC, a América Latina comprava cerca de 60% dos produtos industriais brasileiros e a América do Norte 30%. Ao priorizarmos os Brics, perdemos o comércio que mais valor agrega à economia. Não só o Brasil parou de crescer, como estabelecemos um teto mais baixo para o trabalhador: apenas dois salários mínimos é o que paga uma economia de serviços e commodities.
Quando se diz que o consumo está pressionando a inflação, não é por culpa do salário mínimo, mas porque produzimos cada vez menos e, contraditoriamente, continuamos uma economia fechada, protecionista. O resultado só pode ser o aumento dos preços. A saída dessa arapuca passa por uma abertura comercial inteligente, negociada com parceiros que também possam abrir seus mercados consumidores, instituindo de preferência uma integração das cadeias produtivas.
Reside justamente nas características do Estado brasileiro a explicação para os efeitos mais limitados da globalização sobre o nosso mercado. O peso do comércio internacional sobre o PIB brasileiro aumentou, porém bem menos do que a média mundial. Se isso por um lado nos deixa menos suscetíveis às crises globais, por outro não nos torna imune a elas e ainda prejudica o nosso aproveitamento de oportunidades em períodos de estabilidade.
Qualquer gesto chinês no sentido de atenuar a desindustrialização brasileira deve ser visto com ceticismo pelo simples motivo de que a potência asiática precisa da sua indústria para se desenvolver e dos alimentos brasileiros para dar o que comer a mais de 1 bilhão de pessoas.
Quis a ironia que um acordo comercial com os Estados Unidos seja talvez a única solução para preservar a pouca indústria exportadora que restou ao Brasil. Desta vez, o relógio corre contra nós. Quanto mais o tempo passar, menos indústria teremos com que negociar.
13 de maio de 2014
Marcelo Coutinho, Folha de SP
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