O sequestro de 276 adolescentes nigerianas, além de comover o mundo, cria dilema para o Ocidente. Boko Haram age no nordeste do país - região cujos 72% da população vivem na linha da pobreza. O grupo terrorista islâmico se nutre da miséria e de interpretação distorcida do Corão para espalhar o pânico entre os cidadãos do país. Com retórica religiosa marcada pelo obscurantismo, o líder Abubakar Shekau rapta, rouba, mata, explode ônibus, incendeia residências, plantações e estabelecimentos comerciais.
Em 14 de abril, a violência contra as meninas mobilizou a opinião pública internacional por somar indignações. De um lado, chama a atenção o número de vítimas, próximo de três centenas. De outro, a causa alegada para o ato: castigo por elas frequentarem a escola. (Lugar de mulher, segundo eles, é em casa para cuidar do marido e dos filhos.) Também o destino que as aguarda: serem vendidas por R$ 12 a líderes tribais para servir de esposas ou escravas.
Manifestações se espalharam pelos cinco continentes. As redes sociais mobilizaram diferentes segmentos de comunidades locais e estrangeiras. Até a primeira-dama americana, Michele Obama, exibiu a hastag #devolvamnossasmeninas. Governos se manifestaram e, aliados à ONU, condenaram o episódio. Retórica à parte, ações efetivas são tímidas. Estados Unidos e Reino Unido enviaram especialistas em sequestros para ajudar a localizar as jovens. Boko Haram propôs trocar as meninas pelos terroristas presos.
O quadro é difícil e a situação, grave. Trata-se de jogo em que só há perdedores. O islamismo perde porque reforça a identidade da religião com o terrorismo. Cresce, com isso, a islamofobia mundo afora. O Ocidente perde porque, seja qual for a decisão tomada, terá de escolher entre o ruim e o pior. Repete-se, mantidas as devidas proporções, o dilema observado em Damasco e no Cairo.
Apoiar os rebeldes sírios ou egípcios significa dar mais poder a grupos muçulmanos radicais que comandam a oposição. Por seu lado, apoiar os governos é manter ditaduras cruéis e corruptas que se perpetuam no poder - medida que contraria os valores ocidentais. Na Nigéria, combater o Boko Haram se traduz em colaboração com o presidente Goodluck Jonathan, cujo exército é tão cruel quanto os terroristas.
Não só. Em uma década, o país cresceu 7% ao ano e ameaça ultrapassar a África do Sul como a maior economia do continente. Mas o governo, corrupto e regado a petróleo explorado por empresas ocidentais, não investe em benefício da população miserável, vítima preferencial dos radicais. O terror, vale lembrar, mudou de alvo: ameaça menos as grandes potências e volta-se contra muçulmanos pobres da Ásia, da África e do Oriente Médio.
No caso das meninas sequestradas, entre o ruim e o pior, a pior saída é deixar as jovens entregues à própria sorte. Segundo depoimento de uma que conseguiu escapar, garotas sofrem 15 estupros por dia. É preciso ajudar o governo nigeriano a resgatar as vítimas, embora se saiba que se ajuda a quem não merece.
13 de maio de 2014
Editorial Correio Braziliense
Em 14 de abril, a violência contra as meninas mobilizou a opinião pública internacional por somar indignações. De um lado, chama a atenção o número de vítimas, próximo de três centenas. De outro, a causa alegada para o ato: castigo por elas frequentarem a escola. (Lugar de mulher, segundo eles, é em casa para cuidar do marido e dos filhos.) Também o destino que as aguarda: serem vendidas por R$ 12 a líderes tribais para servir de esposas ou escravas.
Manifestações se espalharam pelos cinco continentes. As redes sociais mobilizaram diferentes segmentos de comunidades locais e estrangeiras. Até a primeira-dama americana, Michele Obama, exibiu a hastag #devolvamnossasmeninas. Governos se manifestaram e, aliados à ONU, condenaram o episódio. Retórica à parte, ações efetivas são tímidas. Estados Unidos e Reino Unido enviaram especialistas em sequestros para ajudar a localizar as jovens. Boko Haram propôs trocar as meninas pelos terroristas presos.
O quadro é difícil e a situação, grave. Trata-se de jogo em que só há perdedores. O islamismo perde porque reforça a identidade da religião com o terrorismo. Cresce, com isso, a islamofobia mundo afora. O Ocidente perde porque, seja qual for a decisão tomada, terá de escolher entre o ruim e o pior. Repete-se, mantidas as devidas proporções, o dilema observado em Damasco e no Cairo.
Apoiar os rebeldes sírios ou egípcios significa dar mais poder a grupos muçulmanos radicais que comandam a oposição. Por seu lado, apoiar os governos é manter ditaduras cruéis e corruptas que se perpetuam no poder - medida que contraria os valores ocidentais. Na Nigéria, combater o Boko Haram se traduz em colaboração com o presidente Goodluck Jonathan, cujo exército é tão cruel quanto os terroristas.
Não só. Em uma década, o país cresceu 7% ao ano e ameaça ultrapassar a África do Sul como a maior economia do continente. Mas o governo, corrupto e regado a petróleo explorado por empresas ocidentais, não investe em benefício da população miserável, vítima preferencial dos radicais. O terror, vale lembrar, mudou de alvo: ameaça menos as grandes potências e volta-se contra muçulmanos pobres da Ásia, da África e do Oriente Médio.
No caso das meninas sequestradas, entre o ruim e o pior, a pior saída é deixar as jovens entregues à própria sorte. Segundo depoimento de uma que conseguiu escapar, garotas sofrem 15 estupros por dia. É preciso ajudar o governo nigeriano a resgatar as vítimas, embora se saiba que se ajuda a quem não merece.
13 de maio de 2014
Editorial Correio Braziliense
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