A BORRALHEIRA CLASSE C
Sua única diversão consistia em fugir em uma van lotada para dar aulas de ciências sociais e fazer trabalhos voluntários nas periferias da corte. Aos preconceitos de classe que atravessavam seu caminho, Cinderela respondia calada: “Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante e pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante.”
Até que, num belo dia, recebeu um convite, via mala direta, para o Baile Encantado do Instituto Lula, com a presença do príncipe herdeiro, Fernando Haddad. Era uma festa para a qual todos estavam convidados: o rico, o pobre, a classe C, os movimentos sociais, os companheiros do sindicato, jornalistas brigados com a Globo e penetras de sobrenome Sarney. Cinderela vibrou com a oportunidade de ser tratada com dignidade, respeito e justiça.
A madrasta reaça, no entanto, moveu montanhas para proibir Cinderela de ir ao baile: privatizou rodovias, telefonou para donos de jornais e revistas, ergueu cartéis e deslocou a Tropa de Choque da PM para a porta de sua casa.
Sitiada, sentindo-se isolada do mundo pelo apartheid sociocultural opressor de uma sociedade retrógrada e machista blindada por uma oligarquia midiática, Cinderela recebeu a inesperada visita da fada madrinha. Com um topete estático na cabeça e uma varinha de condão com uma estrela vermelha na ponta, a fada entoou a canção: “Bolsa Família, Luz Para Todos, Minha Casa, Minha Vida/ Bibidi-bobidi-bu/ Junte isso tudo e teremos então/ Bibidi-bobidi-bu.”
Num passe de mágica, transformou a abóbora em um jatinho da FAB e desocupou uma fazenda improdutiva para realizar a decolagem. Uma cooperativa de tecelãs costurou um lindo vestido balonê com algodão 100% nacional. Com penteado esculpido por Celso Kamura, Cinderela estava pronta para ir ao baile. Mas havia uma condição: à meia-noite, o patrocínio da Caixa Econômica Federal cessaria e o feitiço estaria acabado.
Alegre e faceira, ela dançou a Internacional socialista, de rosto colado com o príncipe Haddad durante toda a noite. Por seu vestido chiquerérrimo, ainda foi laureada como musa LGBTTT da festa. Inebriada por doses iguais de volúpia, autoestima e Sidra Cereser, Cinderela mandava um beijinho no ombro para a madrasta recalcada quando percebeu que faltavam poucos minutos para a meia-noite. Saiu correndo, mas no caminho deixou cair no chão um pé das Havaianas, um bem-casado, um enfeitinho de mesa e dois copos de requeijão.
No dia seguinte, Haddad, o príncipe, anunciou que procuraria pela dona daquele chinelinho. Numa demonstração de humanidade, começou pela Cracolândia e, de ônibus, munido de seu Bilhete Único, rodou pela cidade em busca da amada. Encontrou Cinderela, faminta, esfarrapada e assustada num abrigo da prefeitura. Assim que o príncipe lhe calçou o chinelo, vendo que cabia à perfeição, pediu a mão dela em casamento.
Nos anos seguintes, Haddad valorizou a independência de Cinderela, respeitou-a como mulher e a incentivou a presidir uma ONG com bons convênios no Ministério do Turismo. O primeiro filho, Leon Inácio, veio ao mundo pelas mãos de um obstetra cubano. O casal viveu feliz e solidário para sempre.
A PETISTA DESLUMBRADA
Metade irresponsável, metade hipócrita, a princesinha, como toda comunista, no fundo sonhava em casar com um marido rico e morar numa cobertura à beira-mar no Leblon. Resistia diariamente ao trabalho honesto e ofendia a religiosidade de sua sagrada família repetindo blasfêmias vomitadas por Gregorio Duvivier.
Todos sabiam que Cinderela era a cabeça de uma gangue que recrutava bárbaros desocupados para realizar rolezinhos nas áreas civilizadas da corte. Em vez de levar um corretivo bem aplicado, a musa da baderna foi incentivada a delinquir e logo se destacou. Integrou comissões de direitos humanos para defender os bandidos que a acompanhavam e, claro, filiou-se ao PT para conhecer bandidos novos.
Num belo dia, enquanto tramava a depredação de um asilo, Cinderela recebeu uma mensagem em seu iPhone 4 convidando-a para um baile na USP regado a cerveja e tóxicos. Sua madrasta, que pagava suas contas, inclusive o cartão American Express, foi contra. Numa atitude corajosa e educativa, amarrou Cinderela a um poste e saiu para trabalhar.
Foi quando, num passe de mágica, a Fada Neoliberal apareceu. Com um vestidinho Versace, óculos escuros Dolce & Gabbana e chapéu-panamá, a fadinha foi logo lançando seu feitiço: “Livre mercado, Estado mínimo, garantias individuais/ Bibidi-bobidi-bu/ Junte isso tudo e teremos então/ Bibidi-bobidi-bu.”
Com uma varinha Louis Vuitton, transformou a abóbora em um helicóptero da família Perrela. Reduziu impostos de perfumes e disponibilizou para Cinderela um grande closet com coleções hippies e hipsters 2014-15 de grifes famosas. Mas havia uma condição: à meia-noite, o feitiço acabaria e Cinderela teria que arrumar um emprego para pagar suas contas e reembolsar as dívidas que fez com a fada. Os juros seriam de 13% ao mês. Cínica, Cinderela aceitou as condições.
No baile, Cinderela dançou a noite toda de rosto colado com um morador de rua fedido. Perto da meia-noite, no entanto, a manifestação que começou pacífica foi infiltrada por um pequeno grupo mascarado que iniciou atos de vandalismo. A princesa acabou deixando cair um frasco de vinagre e uma máscara de oxigênio na escadaria enquanto corria da Polícia Militar.
Edevaldo Maria das Dores, o morador de rua que dançou com Cinderela, começou a procurar mulheres em cujo rosto coubesse a máscara. Calhorda e ingrata, como todos os comunistas, Cinderela ignorou a busca do malcheiroso e os dois nunca mais se viram.
Cinderela casou-se com um empresário neoliberal financiado pelo BNDES e viveu hipócrita para sempre, assistindo a Manhattan Connection sob o edredom nas noites de domingo.
03 de abril de 2014
Revista Piauí, mar 14
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