"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

PARA ECONOMISTA E PROFESSOR DA FGV, MODELO DESENVOLVIMENTISTA "DEU ERRADO"

 


Samuel Pessoa, um físico que leciona economia, estreitou as relações com o PSDB na campanha presidencial deste ano. O senador Aécio Neves, candidato dado como certo para a legenda, anunciou que ele é um de seus assessores. Pessoa faz duras críticas à atual política econômica. "Eu chamo de ensaio nacional desenvolvimentista - foi uma tragédia para o País e tem de ser revertido." Em sua avaliação, a reversão deve ser seguida por reformas que possam dar eficiência ao Estado sem que seu tamanho seja reduzido. "A sociedade quer educação, sistema de aposentadoria, programas sociais - é impossível reduzir o Estado", diz na entrevista que segue.
 
Como o sr. vê o atual momento da economia?
 
Vou falar o que repito em todo lugar porque acho importante. Quando se olha a formulação de política econômica no Brasil, acho que há duas agendas muito diferentes. A primeira eu chamo de contrato social da redemocratização. Ela está com a gente desde a democratização. É uma agenda estrutural. Uma opção que a sociedade brasileira fez na Constituição, lá em 88. Essa opção vem sendo referendada e repactuada a cada eleição. Expressa o desejo da sociedade de construir um Estado de bem estar social muito abrangente, nos moldes dos países da Europa continental. É um desejo da nossa sociedade avançar na questão da equidade. Há outra agenda, que veio de 2009 para cá - da equipe econômica do Mantega (Guido Mantega, ministro da Fazenda) e da presidente Dilma e do final do governo Lula - eu chamo de ensaio nacional desenvolvimentista. Eu separo bem as duas agendas. Acho que essa segunda é petista puro sangue. É o Estado decidindo a alocação de capital. É o Estado fazendo microgerenciamento das políticas de impostos e das tarifas de importação para incentivar alguns setores escolhidos segundo certos critérios. É o Estado fazendo microgerenciamento da política de intermediação financeira. É uma agenda grande. Esse pacote não é da sociedade. É de um grupo que está no centro da formulação da política econômica e que avalia que essas medidas são necessárias para acelerar o crescimento econômico. A minha avaliação é que o ensaio nacional desenvolvimentista deu errado. Foi uma tragédia para o País e tem de ser revertido.
 
Como o PSDB poderia conciliar a questão fiscal, hoje com limitações, com essa agenda da população?
 
Não sei. Mas quero esclarecer que não falo aqui pelo PSDB. Sou colunista da Folha. Todo mundo sabe quais são minhas ideias. Tenho um vínculo grande com o partido há muitos anos. Fui assessor do senador Tasso Jereissati por sete anos. Adicionalmente, acho que o presidente Fernando Henrique Cardoso foi o melhor presidente que a gente teve. Avaliar o país que ele pegou e o país que ele legou mostra isso. Gosto muito do Lula. O primeiro mandato do Lula foi espetacular. Tenho conversado com o senador Aécio Neves. Acho que ele é um candidato espetacular. Aécio cumpriu o caminho legislativo brasileiro inteiro. É um jovem com a experiência de um velho. Mas não estou discutindo com o candidato detalhes de política econômica.
 
Mas qual é a sua opinião?
 
O que nós economistas podemos mostrar sãos os custos e os benefícios das diversas opções. Mas a decisão do que fazer nem é do candidato, é da sociedade. Eu já falei muita bobagem na minha vida. É difícil encontrar uma pessoa que atue na minha área que não tenha falado uma bobagem. Mas entre todas, a que mais me causa arrependimento ocorreu num episódio em 2003 ou 2004, quando fui chamado para audiência pública no Senado para falar de salário mínimo. Eu falei contra o aumento do salário mínimo e sobre as questões fiscais. Minha mensagem foi careta - e estava tudo certo na mensagem careta. (Superávit) Primário tem de pagar dívida, juros têm de cair, tem de fazer primário. Mas quando se fala em política de valorização do salário mínimo é preciso lembrar que existem milhões de pessoas que vivem de salário mínimo. Tratar o aumento como algo não importante é uma enorme falta de sensibilidade política. Sobre a questão do contrato social, tenho a mesma ideia desde 2006. Eu, Mansueto Almeida e Fábio Giambiagi (economistas especialistas em contas públicas) falamos sobre isso em uma notinha no apêndice de um relatório de conjuntura econômica que havia no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e nunca mais mudei de ideia: o contrato social requer que o gasto cresça mais do que o PIB.
 
Mas como resolver?
 
A solução é política e os políticos terão de resolver. O que a economia diz é: ou repactuamos, para que o gasto cresça mais lentamente, ou aumentamos a carga tributária, o que é legítimo, ou não fazemos nada e se soluciona com inflação - o que eu acho que a sociedade não quer. Se eu disser o que quero, não vou falar como economista, vou falar como cidadão. Aliás, eu não sou economista. Eu sou professor de economia e físico, apenas formado em física. Posso falar pelo cidadão Samuel, que é rico - todos nós aqui fazemos parte do 1% da sociedade mais rica. Até hoje, eu me penitencio pela aquela ida ao Senado, travestido de técnico. No fundo eu representava o cidadão. Eu confundi as duas personas. Por isso, acredito que agora não é momento para eu falar. Algum candidato contrário ao Aécio pode pegar alguma coisa que eu falar e apresentar: está vendo? O Aécio quer fazer isso. Um dos assessores dele disse que ele deve fazer isso.
 
Olhando para a outra agenda, a nacional desenvolvimentista que o sr. criticou muito, o que é preciso mudar?
 
É preciso reduzir os créditos do Tesouro para bancos públicos. Foi um excesso. Foram os anos 70 voltando. O Geisel voltando. Parece um trem fantasma. É preciso consertar os preços. Novamente, isso também é um trem fantasma. Por várias vezes, tentamos controlar preços segurando tarifa pública. Fizemos isso desde os anos 50. Nunca deu certo. O preço precisa ser real. Não gosto da política de desoneração. Acho que o senador tem uma opinião diferente nesse aspecto. Eu sou um fiscalista. A gente entrou numa crise muito profunda em 2008 e 2009 e houve muita competência por parte da equipe do ministro Mantega para enfrentá-la. Um dos instrumentos adotados foi a desoneração. Mas reproduzir a prática em 2011, 2012 foi um erro gigantesco. Por causa dessa política desastrada ficamos com ônus sem bônus. O Tesouro Nacional ficou com os ônus, mas o País não teve os bônus da política.
 
O que fazer para o País sair da chamada armadilha de baixo crescimento?
 
Crescer dói. Não é fácil. A China cresce 7% ao ano. A taxa de poupança de uma família chinesa é de 50% da renda. Poupando 50% da renda dá para crescer muito. Pergunta: a sociedade brasileira que poupar isso para crescer mais rápido? A sociedade brasileira escolheu crescer pouco. A agenda da sociedade brasileira hoje não é crescimento. É equidade. O Brasil tem crescido e tem melhorado, mas no nosso ritmo. Por outro lado, o ensaio nacional desenvolvimentista piorou a situação, porque tira eficiência da economia. O Brasil está crescendo hoje 2 pontos porcentuais a menos do que antes. O mundo cresce 0,6 a menos. A América Latina, 0,7 a menos. Alguma coisa aconteceu e fez com que nossa desaceleração fosse maior. Bom, 0,6 ponto porcentual de queda foi provocada pelo mundo. E o resto? Você tem o esgotamento do fator trabalho, que deve explicar cerca de meio ponto. Mas tem cerca de um ponto porcentual de perda - talvez um pouco menos - que, no meu entender, vem da ineficiência econômica e de uma certa desorganização que existe na economia. São consequências na mudança do regime econômico. Revertendo essa política, voltando ao regime anterior e avançando a partir de onde a gente estava antes, isso muda. Temos de desfazer as coisas erradas e continuar naquela toada.
 
Continuar na toada inclui o que?
 
Para atender as ruas, uma parte do trabalho é melhorar a eficiência do Estado. O governo petista não conseguiu tocar essa agenda. A questão da reforma administrativa inclui dar ao Estado instrumentos de gestão para fazer com que as pessoas que passaram no concurso público, mas que sejam funcionários ruins, possam ser demitidas. Hoje o cara só é mau funcionário público se roubar. Se tiver um desempenho ruim que penalize a comunidade, ele fica. Essa é uma agenda importantíssima para que se possa melhorar os serviços de saúde, educação e segurança. Tem também a eterna agenda da reforma tributária. A presidente Dilma reconheceu e os economistas que trabalham com ela estão cientes e se esforçaram para levar adiante. No entanto, acredito que perdemos uma chance preciosa. O ensaio nacional desenvolvimentista destruiu a situação fiscal. O (superávit) primário recorrente neste ano, desconsiderando receitas extraordinárias, provavelmente vai ser 0,8% do PIB. O primário em 2002 era 3%. Perdemos a oportunidade de usar o espaço fiscal lá atrás para fazer a reforma, negociando com os Estados. Trágico.
 
O sr. considera a possibilidade de reduzir o tamanho do Estado com privatizações?
 
A sociedade quer educação pública. Quer um sistema abrangente de aposentadoria. Quer um sistema abrangente de seguros público - abono salarial, seguro desemprego - e programas sociais. Como a sociedade quer tudo isso, é impossível reduzir o Estado. Eu como cidadão posso preferir a Suécia aos Estados Unidos. A sociedade brasileira já tomou a sua decisão - prefere a Suécia. Essa escolha não está em discussão nessa eleição. O que se discute é o modelo de intervenção na economia. É preciso mudar.
 
A disputa será acirrada na eleição?
 
Essa é uma pergunta para consultor político. Acho que vai ter segundo turno. Apesar de Aécio e Campos não serem conhecidos nacionalmente, são políticos profissionais. Por causa dessa experiência, a Dilma vai ter dificuldades no debate no segundo turno.
 
"Foram os anos 70 voltando. O Geisel voltando. Parece um trem fantasma"
 
07 de abril de 2014
Alex Salomão e Ricardo Gribaum / Estadão

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