O governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin, costuma adotar uma fala ponderada e contida sobre a totalidade dos assuntos que lhe aparecem pela frente. Sua oratória é sempre pausada, e seu conteúdo prima por ser inodoro. Dele, pode-se dizer que é contundente nas platitudes. Seu estilo de pronunciar em tom solene e grave as irrelevâncias mais insípidas acabou lhe rendendo um dos mais célebres apelidos da política nacional: Picolé de Chuchu. Diet, por certo.
Há poucos dias, contudo, o homem saiu do trilho. Indagado sobre o inquérito de formação de cartel no metrô de São Paulo, que cita nominalmente quatro secretários de seu governo, Alckmin afirmou que havia, numa das peças da acusação, "objetivo nitidamente político eleitoral".
Em se tratando de quem se trata, são palavras fortíssimas, ousadíssimas, abusadíssimas. Adepto fervoroso da cartilha do politicamente corretíssimo, o expoente tucano resolveu radicalizar. Em sua manobra retórica, deixou escapar sinais de uma mentalidade nociva que, no fundo, é antidemocrática.
Segundo essa mentalidade, deveríamos separar rigidamente o debate eleitoral do debate sobre corrupção, já que qualquer motivação eleitoral só serviria para distorcer o juízo do eleitor.
Nada mais falso. Na democracia, tudo o que é debatido na imprensa tem repercussões eleitorais, maiores ou menores. É bom que seja assim: a cada eleição, o cidadão avalia se o governante vai bem ou vai mal e emite seu veredicto. Se uma acusação é movida por interesse eleitoral ou por altruísmo, tanto faz. O importante é que a sociedade esteja bem informada e saiba votar. No final das contas, caberá a ela julgar as autoridades. Em suma, a ligação entre o noticiário sobre corrupção e o debate eleitoral não apenas não é indesejável, como é muito positiva, isto sim.
Alckmin sabe disso muito bem. Absolutamente tudo o que um político fala e faz segue a lógica eleitoral. Ele é movido o tempo todo por objetivos eleitorais, e não há nada de errado com isso. Ele só não pode usar recursos da máquina pública para se promover. De resto, só pensa em voto. É legítimo. Se existem repercussões eleitorais nas notícias sobre uma peça de acusação, existem interesses eleitoreiros — explícitos - no discurso de qualquer partido. Do PSDB inclusive. Até aí, portanto, estamos empatados. Importa é que a verdade sobre os fatos seja devidamente apurada.
Essa mentalidade não está apenas dentro do PSDB. Em matéria de desqualificar os interesses eleitorais dos outros, os tucanos estão longe de ser campeões. Nesse quesito (como em vários outros), eles perdem para os petistas. De lavada. Os líderes do PT são os que mais praticam esse esporte nacional. De preferência, gostam de atacar o que julgam ser os interesses eleitorais inconfessáveis da imprensa.
Vários petistas, como o próprio Lula, não se cansam de protestar contra o partidarismo do jornalismo pátrio. Na opinião deles, os jornalistas cruzaram os braços e não investigaram nada sobre a cocaína apreendida num helicóptero da família do senador José Perrela (PDT-MG). Alegam que, se a aeronave pertencesse a um senador do PT, o caso estaria diariamente nas primeiras páginas dos jornais (espertamente, omitem que o PDT é da base aliada do governo federal). Ato contínuo, reclamam do destaque (exagerado, na visão deles) que os jornais deram à cobertura do julgamento do mensalão. Querem notícias sobre a corrupção dos outros, não sobre a corrupção deles.
Assim como vários tucanos, muitos petistas rechaçam as notícias em que identificam os pestilentos interesses eleitorais dos outros. Assim como os tucanos, acham que motivações ocultas prejudicam os inquéritos, os julgamentos e o noticiário. Tucanos e petistas chamam os objetivos políticos dos outros de "objetivos nitidamente eleitorais". Quando se trata de um objetivo deles mesmos, preferem falar em "interesse público" ou "interesse nacional". Falam, tucanos e petistas, como se não tivessem nunca nenhum interesse em eleições, como se fossem abnegados e, todos sabemos, só o que fazem, durante as 24 horas do dia, é pensar em voto.
Isso não significa que seja bom que uma autoridade responsável por um inquérito ou por um julgamento deva se deixar influenciar por objetivos eleitoreiros. Isso seria péssimo (não por acaso, a lei impede que juízes tenham filiação partidária). Isso apenas significa que o debate sobre a corrupção deve, sim, gerar consequência no voto de cada um de nós. Quanto mais o eleitor entender as consequências políticas (e eleitorais) da corrupção, melhor.
Há poucos dias, contudo, o homem saiu do trilho. Indagado sobre o inquérito de formação de cartel no metrô de São Paulo, que cita nominalmente quatro secretários de seu governo, Alckmin afirmou que havia, numa das peças da acusação, "objetivo nitidamente político eleitoral".
Em se tratando de quem se trata, são palavras fortíssimas, ousadíssimas, abusadíssimas. Adepto fervoroso da cartilha do politicamente corretíssimo, o expoente tucano resolveu radicalizar. Em sua manobra retórica, deixou escapar sinais de uma mentalidade nociva que, no fundo, é antidemocrática.
Segundo essa mentalidade, deveríamos separar rigidamente o debate eleitoral do debate sobre corrupção, já que qualquer motivação eleitoral só serviria para distorcer o juízo do eleitor.
Nada mais falso. Na democracia, tudo o que é debatido na imprensa tem repercussões eleitorais, maiores ou menores. É bom que seja assim: a cada eleição, o cidadão avalia se o governante vai bem ou vai mal e emite seu veredicto. Se uma acusação é movida por interesse eleitoral ou por altruísmo, tanto faz. O importante é que a sociedade esteja bem informada e saiba votar. No final das contas, caberá a ela julgar as autoridades. Em suma, a ligação entre o noticiário sobre corrupção e o debate eleitoral não apenas não é indesejável, como é muito positiva, isto sim.
Alckmin sabe disso muito bem. Absolutamente tudo o que um político fala e faz segue a lógica eleitoral. Ele é movido o tempo todo por objetivos eleitorais, e não há nada de errado com isso. Ele só não pode usar recursos da máquina pública para se promover. De resto, só pensa em voto. É legítimo. Se existem repercussões eleitorais nas notícias sobre uma peça de acusação, existem interesses eleitoreiros — explícitos - no discurso de qualquer partido. Do PSDB inclusive. Até aí, portanto, estamos empatados. Importa é que a verdade sobre os fatos seja devidamente apurada.
Essa mentalidade não está apenas dentro do PSDB. Em matéria de desqualificar os interesses eleitorais dos outros, os tucanos estão longe de ser campeões. Nesse quesito (como em vários outros), eles perdem para os petistas. De lavada. Os líderes do PT são os que mais praticam esse esporte nacional. De preferência, gostam de atacar o que julgam ser os interesses eleitorais inconfessáveis da imprensa.
Vários petistas, como o próprio Lula, não se cansam de protestar contra o partidarismo do jornalismo pátrio. Na opinião deles, os jornalistas cruzaram os braços e não investigaram nada sobre a cocaína apreendida num helicóptero da família do senador José Perrela (PDT-MG). Alegam que, se a aeronave pertencesse a um senador do PT, o caso estaria diariamente nas primeiras páginas dos jornais (espertamente, omitem que o PDT é da base aliada do governo federal). Ato contínuo, reclamam do destaque (exagerado, na visão deles) que os jornais deram à cobertura do julgamento do mensalão. Querem notícias sobre a corrupção dos outros, não sobre a corrupção deles.
Assim como vários tucanos, muitos petistas rechaçam as notícias em que identificam os pestilentos interesses eleitorais dos outros. Assim como os tucanos, acham que motivações ocultas prejudicam os inquéritos, os julgamentos e o noticiário. Tucanos e petistas chamam os objetivos políticos dos outros de "objetivos nitidamente eleitorais". Quando se trata de um objetivo deles mesmos, preferem falar em "interesse público" ou "interesse nacional". Falam, tucanos e petistas, como se não tivessem nunca nenhum interesse em eleições, como se fossem abnegados e, todos sabemos, só o que fazem, durante as 24 horas do dia, é pensar em voto.
Isso não significa que seja bom que uma autoridade responsável por um inquérito ou por um julgamento deva se deixar influenciar por objetivos eleitoreiros. Isso seria péssimo (não por acaso, a lei impede que juízes tenham filiação partidária). Isso apenas significa que o debate sobre a corrupção deve, sim, gerar consequência no voto de cada um de nós. Quanto mais o eleitor entender as consequências políticas (e eleitorais) da corrupção, melhor.
24 de dezembro de 2013
Eugênio Bucci, Época
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