Recorre-se à erudita expressão lapsus linguæ para descrever um erro cometido por distração, ao falar.
Estudos psicanalíticos descrevem o fenômeno como expressão involuntária de pensamentos reprimidos. Seja como for, é aquela palavra «que saiu assim».
O sujeito nem estava pensando naquilo, mas, quando se deu conta, já tinha dito. Às vezes, chega ao fim da fala sem se dar conta do lapso.
O senhor Mantega, ministro da Fazenda, concedeu entrevista ao Estadão. Não ficou claro se os jornalistas pediram ao ministro que os atendesse ou se terão sido convocados. A segunda hipótese me parece mais plausível, mas, no fundo, pouco importa.
Estes últimos anos, a sem-cerimônia com que autoridades brasileiras vêm manejando as contas do Estado tem deixado inquieto o planeta financeiro.
Estamos nos aproximando demasiado das artimanhas de que se valem nossos hermanos transplatinos para melhorar a aparência de suas descarnadas finanças.
Os que comandam os grandes fluxos mundiais do capital não apreciam particularmente essas excentricidades.
Ao operar com dinheiro dos outros, gestores pouco escrupulosos não raro se aventuram em negócios nebulosos. As estrepolias eleitoreiras praticadas pelo governo brasileiro com nossos impostos estão aí para provar o que digo.
Por outro lado, administradores zelosos ― e isso existe, acreditem! ― evitam traquinar com dinheiro alheio. Eis por que o mundo anda meio desconfiado com as manipulações contábeis que têm caracterizado o Estado tupiniquim ultimamente.
Sentindo que a credibilidade do Brasil anda se esgarçando e que a água já está batendo no tornozelo, nosso prezado ministro foi instruído a subir ao patíbulo e bater seu mea-culpa em público. Não o fez num palanque, que isso não é assunto para militantes embandeirados nem para multidões atraídas por um boca-livre. Suas declarações foram dadas ao jornal mais respeitado do País.
Disse o que todos esperavam que dissesse. Falou do mais e do menos, deu voltas, girou em torno do assunto.
O mais importante ― mais que isso: a razão da entrevista ― foi tranquilizar o mercado com a garantia de que o governo de dona Dilma não mais recorrerá a nenhuma operação «que não pareça correta».
Era o que todos queriam ouvir. Invertendo os termos de conhecida máxima, digo que «à mulher de César, não basta parecer honesta, tem de ser honesta».
Ou, como dizem os franceses, de boas intenções, o cemitério está cheio. O próprio Signor Mantega, de origem genovesa, talvez já tenha ouvido o sábio ditado italiano: «tra il dire e il fare, c‘è di mezzo il mare», entre o dizer e o fazer, há um oceano no meio.
Contra bravatas provenientes da alta cúpula brasileira, o mundo já está vacinado. As boas palavras terão de se traduzir por atos concretos, sob pena de não serem levadas em conta.
Lapsus linguae
O governo atual tem certeza de que a presidente será reeleita. A prova está num estranho plural que escapou no meio do pronunciamento do ministro.
O governo atual tem certeza de que a presidente será reeleita. A prova está num estranho plural que escapou no meio do pronunciamento do ministro.
Todos sabem que falta um aninho só para o término do mandato da atual presidente. Daqui a dez meses haverá eleições que tanto lhe podem ser favoráveis como decepcionantes. Caso ela não consiga ser reeleita, é impensável que o ministro Mantega continue ocupando seu posto no novo governo, não é assim?
Pois reparem bem na frase pronunciada pelo ministro: «A ordem neste ano e nos próximos é que uma transação deve também parecer correta.». Ele não disse no próximo, mas nos próximos.
É sinal evidente de que, para o Planalto, a vitória nas eleições do ano que vem são favas contadas.
Tomai cuidado, incautos futurólogos! Nada é garantido. Irônico, o destino às vezes prega peças em gente presunçosa. Pode dar uma uruca danada.
18 de dezembro de 2013
José Horta Manzano
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