Não há que dizer, tem gente esperta entre nossos dirigentes da alta cúpula. Não estou brincando nem ironizando. Não serão muitos, mas há gente de respeitável eficiência.
Ontem recebemos uma demonstração.
É verdade que os da linha de frente, aqueles que aparecem na tevê e na mídia dia sim, outro também, costumam se enfiar em saias justas, chegando até a arruinar estratégias bem construídas pelos homens da sombra. Felizmente, há casos que dão certo.
Faz quase 20 anos que as Forças Aéreas alertaram o governo sobre o iminente sucateamento dos caças supersônicos em serviço. Tomada de preços foi organizada na época. A partir daí, o assunto foi posto em banho-maria até que, com a chegada do Lula, foi definitivamente engavetado. Não se sabe bem por que. Talvez tenha sido por mera pirraça. Ou falta de visão. Afinal, bolsa família e palanque permanente saem mais barato e dão mais voto que compra de avião a jato.
Mas há novelas que têm final feliz. O próprio presidente que havia ordenado o congelamento do programa despertou, de repente, em 2009. Naquele ano, o presidente da França foi o convidado de honra para as festividades do 7 de setembro, nossa data maior.
Na ocasião, um Lula eufórico e falante ― talvez em razão de um café da manhã mais abundante que de costume ― deu a entender ao visitante que o Brasil se preparava a bater o martelo na questão dos caças: o Rafale francês seria o escolhido.
Só faltou ser carregado nas costas pela comitiva de empresários que acompanhava o presidente visitante.
No dia seguinte, a imprensa francesa festejou. Milhares de empregos seriam garantidos por vários anos, a população ficaria grata a Sarkozy. A simpatia granjearia votos preciosos para sua reeleição.
Os infelizes não conheciam o percurso em ziguezague que nosso antigo presidente costuma seguir. Conversa vai, conversa vem, o governo brasileiro pôs de novo o assunto em banho-maria.
Sem ser especialista em aeronáutica militar, entendi que as principais características político-militar-financeiras entre os três concorrentes finais empurravam a decisão de Brasília para um beco sem saída.
O avião americano era tecnicamente superior aos outros, apresentava a melhor relação entre qualidade e preço. Mas tinha o defeito de ser americano, pecado original intragável para a ala xiita do partido dominante.
O avião francês apresentava uma vantagem não negligenciável: vinha sem pecado original. Não era americano, muito pelo contrário. A França, desde sempre, distinguiu-se por uma política de independência com relação às outras potências. No entanto, o aparelho sofria de um mal incurável: era o mais caro. Além do que, não havia sido ― e ainda não foi ― escolhido por nenhum exército, excetuado o francês.
O avião sueco apresentava mais vantagens que os outros. A alta cúpula da Aeronáutica havia recomendado que fosse ele o escolhido.
Era o mais barato. Ainda não está totalmente desenvolvido, o que deixa margem a que se anuncie um «projeto sueco-brasileiro», ainda que seja só pra inglês ver. E, mais que tudo, o Gripen tem uma vantagem oculta: é equipado justamente com motorização americana, como a do modelo rejeitado pelos integristas. Não é, nem deixa de ser. As aparências estão salvas.
Foi agora que se teve a prova de que ainda há cabeças pensantes no andar de cima. Escolheu-se o avião sueco. As vantagens são muitas.
1) Traz tecnologia americana de primeira, ainda que embrulhada com papel sueco. A ala xiita pode dormir tranquila sem a impressão de ter sido traída.
2) A FAB sente-se prestigiada, dado que esse é justamente o modelo que lhe tinha parecido mais conveniente.
3) As finanças brasileiras, um tanto alquebradas estes últimos tempos, vão ser menos solicitadas, dado que o custo desse modelo é menor que o dos outros.
4) Na Escandinávia em geral ― e na Suécia, em particular ― uma aura de simpatia se inscreve sobre o nome de nosso País. O Brasil passa a ser visto como nação amiga, simpática. Isso só pode trazer vantagens. Os suecos são grandes investidores no cenário mundial.
5) Os EUA estão satisfeitos, pois a fabricação de peças essenciais será feita, de qualquer maneira, por lá. Os empregos estão salvaguardados.
A única sombra no quadro radioso foi o fato de Brasília ter anunciado a decisão menos de uma semana depois da visita de François Hollande. Ficou uma desagradável impressão de que o presidente e a “presidenta” não chegaram a um acordo sobre eventuais ― digamos assim ― efeitos colaterais… Ficou esquisito, né?
Quanto à tão falada «transferência de tecnologia», que me perdoem os espíritos crédulos, mas devo decepcioná-los. Conhece aquela do pulo do gato? Pois é, em venda de material sensível, funciona da mesma maneira. Ensina-se algum procedimento básico, distribuem-se algumas migalhas, só para constar. Mas o grosso mesmo, o cerne da questão, o coração do problema fica muito bem preservado.
É uma questão de bom-senso. Tecnologia de altíssimo padrão, conquistada a custo de dezenas de anos de pesquisa e de bilhões e bilhões de dólares (ou euros) de investimento, não será jamais dada assim, de mão beijada, só porque um cliente encomendou 36 aparelhos.
Você sabia?
O parlamento da pequena Suíça está em via de aprovar a compra de 22 caças Gripen de modelo equivalente. Não li nenhum reclamo sobre «transferência de tecnologia».
O parlamento da pequena Suíça está em via de aprovar a compra de 22 caças Gripen de modelo equivalente. Não li nenhum reclamo sobre «transferência de tecnologia».
Se alguém quiser dar uma olhada na reação eufórica dos suecos e no muxoxo decepcionado dos franceses, clique aqui abaixo.
20 de dezembro de 2013
José Horta Manzano
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